Folha de S. Paulo


Mostra resgata peça de designer projetada há mais de 20 anos

Era começo dos anos 1990 quando o então estudante de arquitetura Fernando Mendes assistiu a uma palestra de Sérgio Rodrigues, pai do design moderno brasileiro.

Mendes saiu extasiado do auditório da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Comentando em casa a respeito, descobriu o inusitado: "Ele é nosso primo também", avisou sua mãe, que tratou de fazer a ponte entre os dois.

"Na primeira visita que me fez, Fernando mencionou que construía maquetes, e então encomendei uma a título de teste", contou Rodrigues, 86, à Folha, em seu ateliê no bairro de Botafogo, no Rio, onde a maquete está guardada até hoje.

Luciana Whitaker/Folhapress
Sérgio Rodrigues em seu ateliê, sentado na poltrona Xibô, e o design Fernando Mendes
Sérgio Rodrigues em seu ateliê, sentado na poltrona Xibô, e o design Fernando Mendes

Caprichada, a peça serviu, além das visitas esporádicas ao ateliê como quem não queria nada, de ingresso para os sete anos em que foi assistente do mestre, até 2000.

No próximo dia 4, quando se completam 20 anos do primeiro dia em que trabalharam juntos, Rodrigues e Mendes abrem em São Paulo, na Casa Electrolux, a exposição "Diálogos".

A mostra, com cinco peças de Rodrigues e sete de Mendes, a maioria delas inédita, é uma celebração da relação entre os dois, misto de paternalismo e paixão pelo ofício.

"Nele eu descobri algo raro, que é a junção de autoralidade e busca permanente por uma identidade brasileira em suas obras", disse Mendes, 48, sobre Rodrigues.

A paixão por objetos de madeira, despertada nos dois ainda em suas infâncias, amalgamou ainda mais a ligação. Pouco depois de deixar o ateliê de Rodrigues, Mendes se empenhou na arquitetura, mas logo retornou à sua vocação.

"Decidi me dedicar inteiramente ao design e à marcenaria, me inteirar de todo o processo de construção de uma peça de movelaria e buscar o meu próprio traço."

Instituto fundado no ano passado cuidará da obra e do acervo do designer Sérgio Rodrigues

ARQUIVO

A dedicação --hoje Mendes mantém uma marcenaria de médio porte em São Cristóvão, zona norte do Rio-- levou Rodrigues a confiar a ele a construção de algumas de suas peças. Mendes detém o direito de fabricação de 23 delas, cujos valores não raro atingem os cinco dígitos.

Foi a mesma confiança que permitiu o acesso livre ao acervo do designer na busca por croquis que não saíram do papel e peças esquecidas ou inacabadas.

O convite dos curadores Sergio Zobaran e Walton Hoffmann para a mostra estimulou os dois na procura.

Dela surgiu, entre outras, a poltrona Xibô, uma peça perdida, originalmente projetada por Rodrigues em 1991 a pedido do Museu de Arte Moderna do Rio.

"Achei, na época, que não havia resolvido bem a criação da poltrona. Faltava algo, e preferi mantê-la em resguardo", contou Rodrigues.

Xibô, uma poltrona de espaldar alto e boleado, com encosto em couro e montada por encaixe das peças, foi "resolvida" 22 anos depois.

É o objeto mais cintilante da mostra, que terá cadeiras --com destaque para as Aviador e Santos Dumont, de Mendes, fruto de sua admiração pelo inventor brasileiro--, poltronas, bancos e um aparador, todos com estrutura em madeira.

"A Xibô é o macho, digamos assim, da Kilin", explicou Rodrigues. Kilin é uma das peças emblemáticas criada por ele, em 1973, batizada com o apelido de sua mulher, Vera Beatriz. Xibô é como Rodrigues é chamado por ela.

MADEIRA E COURO

O trabalho em conjunto ensejou ainda uma homenagem dele a Mendes. Sérgio Rodrigues batizou de Fernando duas cadeiras criadas em 2012.

Nas 12 peças da mostra "Diálogos" se mantém a escolha por madeiras nacionais -a predileta deles é o jacarandá, ameaçado de extinção, motivo pelo qual já não a usam-, palha e couro, no arranjo mais confortável possível.

Conforto também é um dos nortes do processo criativo de Rodrigues. Está aí a poltrona Mole, criada em 1957, um convite ao ócio, para provar.

"Nos anos 1960, quando os móveis escandinavos eram a marca das casas ricas brasileiras, ouvi de uma dondoca, em São Paulo, que a mole parecia mais uma cama para cachorro", contou Rodrigues aos risos, saindo do ateliê e cutucando com o chão a bengala criada por Mendes especialmente para ele.

DIÁLOGOS - SÉRGIO RODRIGUES E FERNANDO MENDES
QUANDO de 4 a 30 de abril
ONDE Casa Electrolux (r. Colômbia, 157; tel.: 0/xx/11/3465-1400)
QUANTO grátis


Endereço da página:

Links no texto: