Folha de S. Paulo


"Quero viver mais 70 anos para consertar as merdas que fiz", diz Jards Macalé

Jards Macalé já comeu muito da farinha do desprezo.

Aos 70 anos, completados neste domingo (3), o autor de "Vapor Barato" (com Waly Salomão) se alegra com o reconhecimento das novas gerações e diz, jocosamente, que "deveria ser tombado" como patrimônio imaterial.

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Mas não espera muito do Ministério da Cultura ("É uma tristeza, aparelhamento político"), por onde passaram recentemente seu amigo Gilberto Gil e sua ex-namorada Ana de Hollanda, com quem está brigado (e não comenta).

Macalé recebeu a Folha no quarto e sala alugado em que vive, numa ladeira do Jardim Botânico (zona sul do Rio).

Quando a reportagem chegou, ele assistia a um documentário sobre o geógrafo Milton Santos (1926-2001), um de seus exemplos de livre pensar. "O pensamento independente é o que importa. Seja no nível político, seja no da arte, que é onde atuo."

Daniel Marenco/Folhapress
O cantor e compositor Jards Macale, em sua casa, no Rio; músico completa 70 anos e comemora com shows e disco reeditado
O cantor e compositor Jards Macale, em sua casa; músico comemora 70 anos com shows e disco reeditado

Carioca da Tijuca, celeiro de músicos na zona norte do Rio ("Tem Villa-Lobos, Tom Jobim, Erasmo Carlos, Tim Maia. Somos uma turma forte"), tem trajetória ímpar. Da formação erudita, à qual somou samba, jazz e bossa nova, caiu na psicodelia movida a drogas dos anos 1960 e 1970. Foi vanguarda e tradição.

Para celebrar o aniversário, faria show ontem, no Rio. No dia 10 toca em São Paulo, no Auditório Ibirapuera, quando será exibido o documentário "Jards" (2012), de Eryk Rocha. Quer mostrar nos shows uma parceria inédita com Caetano Veloso, composta quando visitou o baiano no exílio em Londres, para ajudá-lo a gravar o célebre "Transa" (1972).

As comemorações incluem também o relançamento de seu primeiro compacto, "Só Morto" (1970), de quatro canções, que sai em março pelo selo Discobertas com dez faixas adicionais, ao vivo.

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Seu primeiro compacto, "Só Morto" (1969), está sendo relançado. Como ele aconteceu?
Depois da apresentação de "Gotham City" [no 4º Festival Internacional da Canção, em 1969], o João Araújo, que era diretor artístico da RGE, me convidou para fazer um compacto duplo. Eu chamei o pessoal das bandas Som Imaginário e Soma, toquei duas músicas com voz e violão e fizemos o compacto. Mal gravado, horroroso, um negócio terrível. Mas a capa é ótima.

A reedição traz dez canções ao vivo que foram acrescentadas.
Isso aí ele [Marcelo Fróes, responsável pelo relançamento] pegou aqui, alguma coisa de cassete, que eu tenho muito, eu gravei tudo. Eu tenho um sentido de documentação muito antigo, toda coisa que eu podia documentar, não só minhas, eu registrava em cassete, ou mesmo escrevendo, tomando nota.

Esse disco não repercutiu?
Não, foi lançado assim, ao léu. Naquela época já tinha começado essa coisa de eu ser um bicho raro, um estranho no ninho total, depois daquela apresentação maluca de "Gotham City", que o Maracanãzinho em peso vaiou, não teve uma pessoa que batesse palma. Foi unânime, e como toda unanimidade é burrice, segundo o Nelson Rodrigues, depois eu disse "pô, mas isso aqui foi o máximo". Eu e o Capinam, os autores, fomos dormir anônimos e, no dia seguinte, estávamos famosíssimos, só dava primeira página de jornal. E os outros, que tinham feito aquela coisa normal, não tinham quase nenhuma fotografia.

Você é um músico de formação erudita. Como se interessou pelo estudo da música?
Eu era vizinho do maestro Severino Araújo [1917-2012]. Nós dois morávamos no sexto andar, com uma papelaria entre nossos prédios. Eu ouvia um som maravilhoso saindo daquele edifício do lado, que depois eu fui saber que era o clarinete dele. Eu ficava na janela embevecido com o som. Uma vez fui à casa dele, levado pelo Chiquinho [filho do maestro e parceiro de Macalé em seus primeiros grupos], e estava o Severino com a grade de orquestração, aquela folha imensa, e escrevendo como se fosse um bilhete. Já saia direto da cabeça dele. Eu fiquei fascinado com aquilo.

O Chiquinho, que era o copista dele, estava tão assoberbado de trabalho que me passou uma parte. Eu tinha 14 anos, comecei a copiar e saquei que podia aprender a escrever e ler a partir daquele exercício ali. Eu levava as cópias para as rádios Mayrink Veiga e Nacional, botava nas estantes dos músicos e sentava na plateia sozinho, ficava ouvindo os ensaios. Nisso, eu comecei a identificar os sons e timbres de cada instrumento, e me deu uma vontade muito grande de entender como aquilo se realizava. Não era só escrever, era pensar no som. Para isso, eu tinha de estudar o som. E fui estudar no Pro Arte.

Quem foram seus grandes professores?
Ester Scliar, uma pessoa maravilhosa, sabia tudo de música. O maestro Guerra Peixe, o Peter Dauelgsberg, que me ensinou violoncelo. Eu queria entender as cordas, amei o violoncelo como instrumento, a voz humana do instrumento. Técnica violonística com Jodacil Damasceno, que me foi indicado pelo Turíbio Santos.

E como um músico de formação erudita chegou ao rock e à psicodelia?
Eu saí da Tijuca para morar na Ipanema das décadas de 50 e 60, entre a bossa nova e o rock. Eu caí na garotada de Ipanema, nos modismos, cheguei a ir ao cinema Leblon, quebrar o cinema por causa de Bill Halley [sucesso com a canção "Rock Around the Clock", que virou filme homônimo em 1956; no Brasil, "Ao Balanço das Horas"]. Hoje eu vejo que era uma verdadeira maluquice, nego começou a quebrar cinema.

Ouvia Elvis Presley, que é uma maravilha de cantor, fora o rebolado, que eu brincava de imitar. Aí fui parar em Little Richards, Chuck Berry, e fui andando por dentro do rock, o que me levou ao melhor, que é Jimi Hendrix. Ele é o ápice que ultrapassou a medida do rock, entrou no espaço sideral com a música dele, com aquela guitarra. A música como eu sempre quis, a liberdade da música.

Como os baianos entraram na sua vida?
Bethânia foi convidada para substituir Nara Leão no show Opinião. Eu já estava com o pessoal do Teatro de Arena, de São Paulo. Fiz uma grande amizade com Dori Caymmi, que estava fazendo a direção musical do "Arena Conta Zumbi", ele teve outras coisas para fazer e me convidou para substitui-lo como violonista nessa peça, que tinha Dina Sfat, Paulo José, Maria Gladys, gente maravilhosa.

Daí eu peguei um pouco da coisa do teatro para a minha música, de interpretação e apresentação. O Dori também fez a direção musical do Opinião. Quando a Bethânia chegou no Rio, perguntaram onde ela podia ficar, todo mundo pobre. Como minha avó estava viajando, o quarto dela estava vazio e eu perguntei se Bethânia poderia ficar lá em casa. Aí começaram a aparecer as pessoas, Gal Costa e uma porção de outras.

Caetano eu já conhecia desde 1959, quando Torquato Neto me apresentou a ele em Ipanema. Quando a Bethânia veio para o Rio, o pai dela disse: "Você vai, mas seu irmão vai tomando conta de você", então baixou todo mundo lá em casa. Caetano não ficou lá, mas ficou aquele circuito. Desses, a pessoa mais importante para mim foi [o artista gráfico] Rogério Duarte. Ele é um grande pensador, um dos maiores do país.

Como foi seu trabalho em discos simbólicos como "LeGal" (1970) e "Transa" (1972)?
Foi um período riquíssimo. Quando Caetano e Gil foram presos, a Gal ficou como uma espécie de porta-voz, foi quando ela rompeu com aquela timidez dela, "é preciso estar atento e forte" [verso de "Divino, Maravilhoso", canção de Gil e Caetano, de 1969], foi um negócio incrível. A gente até fez uma empresa para continuar os trabalhos, era estranhíssima, chamava-se Tropicarte, éramos eu, Paulinho da Viola, Capinam e Torquato.

O dinheiro era da Gal e a produção intelectual era nossa. Fizemos vários shows com essa coisa da Tropicarte. Claro que não ia dar certo, um bando de maluco querendo agenciar alguma coisa. Ainda bem que acabou por ali. Mas fizemos um trabalho muito interessante. Ficamos acompanhando Gal e dando infra para ela existir como porta-voz. E ela cada vez cantando melhor e mais desaforada.

Teve um disco dela, chamado "Cultura e Civilização" [na verdade, "Gal", de 1969, com canções como "Pulsars e Quasars", de Macalé e Capinam], que ficou esquecido no caminho. Uma coisa bem experimental, eu fiz a direção musical dele.

Por que ficou esquecido?
Não sei. Tinha uma capa psicodélica, barra pesadíssima, várias coisas bacanas, mas muito doidas. O "LeGal" foi uma coisa mais formal, menos louca, mas é um belíssimo disco. E a capa é do Hélio Oiticica [1937-1980]. Neste disco aconteceu uma coisa engraçada: a Gal e o Lenny Gordin, guitarrista, fizeram de brincadeira "Love, Try and Die".

A gente estava fazendo o arranjo no estúdio e eu sentia que estava meio vazio. Quando fui ao banheiro, encontrei no corredor Tim Maia e Erasmo Carlos, e perguntei se eles topavam fazer um vocal. Desse encontrinho saiu um vocalzinho maravilhoso, aquela musiqueta valeu por dez LPs.

Tô exagerando, é claro, mas essa faixa, para mim, é a coisa mais afetiva, um diamantezinho.

E o "Transa"?
Estava eu na praça Castro Alves, num Carnaval daqueles, quando Bethânia veio e me falou que Caetano tinha telefonado e queria falar comigo. Ele me disse que queria fazer um trabalho em Londres, diferente dos outros que tinha feito, e me pediu para ajudar a montar o grupo e fazer o disco.

Mandaram a passagem e eu fui para lá. Eu estava apavorado de sair do Brasil naquelas circunstâncias. É claro que a vontade era não estar aqui diante daquele quadro que estava, aquela ditadura horrorosa, em que você não sabia se terminaria o dia de pé. Mas eu também me apavorei com o que podia acontecer fora do Brasil.

Dormi 48 horas antes do tomar o avião, no fundo não queria ir para lugar nenhum. Mas, diante das circunstâncias, achei que era melhor não desperdiçar aquele convite. E fui, ensaiamos à beça e fizemos o disco quase ao vivo. Havia uma vontade de fazer uma coisa muito boa, o que foi feito.

Nosso primeiro ensaio à vera foi num dia lindo de primavera, quando fomos fazer um piquenique e ensaiar num parque, com umas moças maravilhosas. Diante do quadro que estava aqui, aquilo era o paraíso.

Tem alguma faixa dele de que você goste mais?
Gosto muito de "Nine out of Ten" e de "Mora na Filosofia". Agora, a melhor coisa que eu vejo no disco e que adorei ter gravado foi "Triste Bahia". Ali a gente fez um arranjo bacana.

As drogas tiveram um papel importante na criação nesse período?
Talvez sim, pelo jeito de escrever, uma coisa menos preciosista. Claro que influenciou na produção, mas acho que foi mais uma experimentação pessoal. Eu, por exemplo, me apaixonei pela Branca de Neve em Londres, no museu [Madame] Tussauds.

Foi um tempo interessante, de experimentação. Foi engraçado e perigoso. Muita gente não voltou. Essa foi a grande tragédia.

Como você se ligou ao povo das artes plásticas?
Eu me aproximei por meio do Hélio Oiticica. Quando eu o conheci, ele sacou o meu violão, sacou aquelas tentativas que eu, Wally [Salomão, 1943-2003; parceiro com quem Macalé compôs sucessos como "Vapor Barato"] e Capinam fazíamos. A minha voz, que era diferente de todas as vozes, porque eu busco ser diferente.

O que me atrai em outras vozes é a diferença, como Bola de Nieve, Louis Armstrong, vozes bem definidas em suas estranhezas. E, quando eu entro nas artes plásticas, é porque eu também tinha amizade com o Rubens Gerchman [1942-2008].

Foi meio sem querer, essas artes todas de que eu participei e participo são coisas em que fui entrando naturalmente.

No cinema também foi assim?
Também. O Joaquim Pedro de Andrade me convidou, em um encontro casual na casa de alguém, para musicar poemas de Mário de Andrade para o filme "Macunaíma" [1969]. Eu fui lá e musiquei. Nesse negócio, você começa a vivenciar o filme, entra numa equipe que só está pensando naquilo. E aquilo se revela, aos olhos e ouvidos do menino, como uma coisa hipnotizante, que dá alimento para prosseguir.

Aspectos de cinema, de teatro, das artes plásticas, da dança e da música, essas coisas todas se encontraram dentro de mim. Toda manifestação artística é importante para mim. O que interessa é estar cada vez mais independente na minha ação artística.

Essa independência traz muitos aborrecimentos?
Só traz. Mas é fundamental criar uma força de pensamento independente no Brasil. Vamos fazer a independência do Brasil de verdade. Meus exemplos são o José Oiticica, avô do Hélio, ele próprio, o Milton Santos, o Darcy Ribeiro.

Temos exemplos maravilhosos de gente que pensava livremente, para não ficarmos atados a este pensamento cristalizado e louco. O Milton diz uma coisa genial: o fundamentalismo real é esse consumismo exacerbado, essa tara de ter coisas, que não para nunca.

Isso é fundamentalismo radical. A religião do consumismo é uma coisa grave, principalmente para quem não tem. Forçam o cara a consumir, o cara se endivida todo, não tem como pagar, vira uma escravidão.

Acabaram de passar pelo ministério da Cultura duas pessoas próximas de você, Gil e Ana de Hollanda. Como você viu a atuação deles?
Não quero falar sobre isso. O Ministério da Cultura é uma tristeza no Brasil, ninguém merece, aparelhamento político. Não quero elogiar nem um nem outro. O Gil é meu amigo, a outra já não é minha amiga. Confrontar o melhor e pior, eu não sei...

O Gil avançou um pouco mais. Eu tô adorando essa coisa de bem imaterial. Imaterial é comigo mesmo, eu deveria ser tombado. Não sei por que não me tombam. Tentam tombar de outra forma, mas eu quero ser tombado de pé.

Você já brigou muito por causa dos direitos autorais.
A minha independência gerou uma confusão generalizada pro meu lado. Direitos autorais no Brasil são uma esculhambação, mas várias pessoas entraram nessa coisa e ficam se dando bem com cargos, em cima dessa discussão sobre direitos autorais.

Você é a favor ou contra o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição)?
Não sou a favor nem contra nada, eu quero meu direito autoral, venha de onde vier. Se vier direito, é para todos, não é para um só. Quero direito autoral para todos, sou um dos fundadores da Sombrás, Sociedade Musical Brasileira, que saiu do "Banquete dos Mendigos" [show coletivo feito em 1973, em comemoração ao 25º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humano, virou disco ao vivo em 1979], pela junção das forças.

O dia em que formalizamos a Sombrás, colocamos várias pessoas, Maurício Tapajós, Aldir Blanc, João Bosco, Hermínio Bello de Carvalho, Paulinho da Viola, várias pessoas, como se fosse uma sociedade para o estudo dessa questão dos direitos autorais.

Ficou na minha mão convidar Tom Jobim para ser nosso presidente, fui eu para a casa dele, expliquei e, quando falei que o pessoal queria que ele fosse o presidente da Sombrás, ele virou para a escada e disse: "Thereza, traga-me o revólver, querem me fazer presidente" (risos). Era um piadista maravilhoso. A Thereza [primeira mulher de Tom] desceu da escada e disse: "Você vai ser presidente sim. Fica reclamando de direitos autorais aqui, pois então vá lutar".

Ele aceitou, disse que ia colocar seu nome como presidente, mas falou que ia dar uma procuração para o Chico Buarque [exercer a função]. Eu saí dali, fui para a casa do Chico e disse que ele ia ser nosso presidente em exercício. Ele não aceitou, passou a procuração para o Hermínio Bello de Carvalho, que adorou, foi nosso presidente em exercício e fez coisa à beça, dentre as quais o Projeto Pixinguinha.

E desde então nunca se acertou essa questão.
Direitos autorais é uma luta eterna. Esses interesses todos, rapaz, é tão... Olha, dinheiro, di-nhei-ro, é o mal da humanidade. É um mal que se estende e que parece não terminar nunca. Enquanto houver isso, essa ganância, a humanidade está perdida. Onde houver dinheiro, não existe relação humana limpa. Ele estraga tudo.

E sua relação com o samba?
Isso vem de antes. Eu conheci Paulinho da Viola através de Hermínio Bello de Carvalho, que era amicíssimo de Turíbio Santos. A partir de Paulinho, comecei a ver Portela, samba, essas coisas todas. No Solar da Fossa, em Botafogo, onde o Paulinho e o Rogério Duarte tinham um quartinho, fizemos um trio maravilhoso: Rogério no violão, eu no violoncelo e Paulinho no cavaquinho.

Ensaiávamos Villa-Lobos e todos os sambas ali, aquele trio maluco. Depois, no Opinião, fiz amizade com Zé Keti e com o João [do Vale]. Cada um me levou para um lado, o João para o Maranhão e o Zé Keti para o subúrbio. E, com o Moreira da Silva, aprendi a sabedoria de andar nas ruas do Rio, ele me fez carioca, eu que sou carioca da gema. Isso é a minha trajetória com esse pessoal.

O Moreira me leva a Roberto Silva, a Nelson Cavaquinho. O Hermínio fez um show, "Mudando de Conversa" [1968], em que estavam Clementina de Jesus, Nora Ney, Cyro Monteiro, Elton Medeiros e o conjunto Rosa de Ouro, e me convidou, porque meu violão tinha um apelo meio jazzístico, para acompanhar Nora Ney. E andei com a patota toda que estava ali, e isso foi mais formação.

Nos últimos anos você foi tema de dois documentários, teve discos relançados. Está ganhando reconhecimento?
Toda vez que acordo e me olho no espelho, não me reconheço muito bem (risos). Eu não sei, começaram a me medalhar há algum tempo.

Ganhei medalha na Câmara dos Vereadores como não sei o quê, ganhei um negócio da ONU por causa da defesa dos direitos humanos. O Aécio [Neves] mesmo me deu pela luta contra a ditadura e o cacete a quatro. Eu tenho uma porção de medalhas em negócio de melhor trilha sonora e tal, mas não acho que isso seja importante.

Quer dizer, é um reconhecimento, mas não sei se nego está me reconhecendo mesmo ou se estão me sacaneando. Não é possível que seja de verdade.

Mas e o reconhecimento da nova geração?
A nova geração, por incrível que pareça, acho até natural que esteja me buscando como informação nova, porque, para eles, eu sou novo. Até para mim, eu também me acho novo. Não sou novidade, mas como estou sempre me jogando num caldeirão mais novo, eles ficam de olho.

Eu acho isso bom, fiz uma banda só de jovens, com eles eu troco informação de música, o que eles ouvem. São ótimos músicos, o que é sinal de que estão ouvindo coisas boas, estão ligados. Outro dia um deles fez um comentário no Facebook todo entusiasmado, "tocar com Macalé é como tocar com Miles Davis". Eu morri de vergonha, onde já se viu, me comparar com Miles Davis [faz uma pausa].

Eu sou melhor do que Miles Davis, eu sou brasileiro, porra! No Brasil, sou melhor que Miles Davis. Na América, posso não ser. Isso sim, acho um reconhecimento interessante, não é dar medalha.

Você vai lançar um disco inédito neste ano?
Espero que sim. O pessoal não entende que, quando você é o autor e regrava a mesma música, ela já não é igual, você vai depurando. Essa mania de inédito está associada a esse consumismo idiota e louco.

O Tom já dizia que faz o mesmo show há 50 anos. O pessoal não entende que, quando você faz uma música, se você a ama, o tempo passa e você vai depurando ela, como se fosse um diamante.

Cada acorde que você encontra, cada nota nova dentro da música, isso se torna tão novo para você que compôs, é uma novidade para você mesmo. E fica uma ansiedade de mostrar isso, que não parece novo para o ouvinte comum, que não tem esse preciosismo. Mas quero lançar um disco de inéditas, sim.

Falando em novidade, como é essa canção inédita que você fez com o Caetano?
Ele me deu duas letras para musicar, em Londres. Uma eu não fiz, porque ainda estava num momento homofóbico, digamos assim.

Era aquela "Ah, que esse cara tem me consumido" ["Esse Cara"]. Achei bonito, mas não estava nessa. Passou um tempo, Caetano veio e falou, "vem cá, aquela letra, você já fez?".

Eu não tinha feito, ele pediu de volta, fez, Bethânia gravou e estourou. Você veja como a homofobia prejudica o cidadão (risos).

Essa outra ["Falou"] eu fiz já naquela época. Houve tantas coisas no meio do caminho que eu não me lembrei dela.

Como está sendo chegar aos 70 anos?
Ótimo, estou feliz da vida. Quero viver mais 70 para consertar as merdas que eu fiz em 70 anos. Queria fazer coisas boas nos próximos 70 anos.


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