Folha de S. Paulo


Estudo compara reality shows da TV a rituais de sofrimento

Testes físicos extenuantes, brigas, intrigas e disputa por espaço e prêmios. A descrição acima tem sido a bula dos reality shows desde sua chegada à TV, no final dos anos 1990.

Em sua 13ª edição, o "Big Brother Brasil", da Globo, que começou na última terça-feira, não fugiu à regra.

Logo na estreia, submeteu seus participantes a uma prova que durou 15 horas.

Na tarefa, os jogadores deveriam permanecer com as duas mãos encostadas em um carro, sem comer, dormir ou ir ao banheiro.

Em 2009, a atração isolou três "brothers" num cômodo inteiramente branco, submetendo-os à privação de sentidos até que um desistisse.

Divulgação/TV Globo
Rodrigão e Cristiano, do 'BBB 11', embalados em sacos plásticos por mais de nove horas
Rodrigão e Cristiano, do 'BBB 11', embalados em sacos plásticos por mais de nove horas

"A banalização da crueldade só ocorre na TV porque se tornou estrutural em nosso mundo", diz a socióloga Silvia Viana Rodrigues, autora de "Rituais de Sofrimento".

No estudo, que chega neste mês às livrarias, ela compara o fascínio por esse tipo de produção com uma espécie de ritual religioso vazio, repetido à exaustão e que se reproduz na vida real.

"Hoje as pessoas trabalham compulsivamente como se vivêssemos num mundo de escassez, mas nunca houve tanta riqueza. Trabalham para não serem demitidas. Reality shows espelham isso: são como processos seletivos", afirma ela.

Milena Fagundes, do "BBB 9", sentiu isso na pele: "Tinha raiva quando a prova era de sorte. É preciso mostrar garra. Quem está assistindo gosta de ver o sofrimento alheio. Muita gente gostaria de estar lá; já que não pode, quer que o prêmio vá para quem mostre merecer".

Para Luís Simonetti, diretor-geral do "BBB", o programa "é uma grande festa". Ele minimiza o fator crueldade nas provas da atração.

"Elas ficaram mais técnicas. Algumas, que deveriam ser leves, ficaram parecendo mais duras. Mas isso quem cria são eles [os participantes]. Fazemos sem essa intenção."

Para a pesquisadora, o telespectador de reality show não é sádico, mas se anestesiou. "Nossa sociedade exige que sejamos fortes, que não nos deixemos abalar, que superemos os desafios por mais estúpidos e sem sentido que sejam", conclui.

RITUAIS DE SOFRIMENTO
AUTORA Silvia Viana Rodrigues
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 37 (192 págs.)


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