Folha de S. Paulo


Coletânea de HQs publicada nos EUA reúne quatro décadas de gibis gays

Tome um gênero marginal. Por exemplo, quadrinhos. Coloque dentro dele a produção underground, ainda mais às margens. Por fim, enfie ali os enredos de temática gay.

"Os gibis gays são tão contraculturais quanto é possível ser", explica à Folha Justin Hall, organizador da antologia "No Straight Lines", recém-lançada nos EUA pela Fantagraphics (US$ 22,7, R$ 46).

Hall reuniu a produção gay ocidental desde 1969, data das manifestações de Stonewall, em Nova York, marco do movimento gay moderno.

Nazario
Ilustração do espanhol Nazario, que está em
Ilustração do espanhol Nazario, que está em "No Straight Lines"

Em português, o título da HQ significa "sem linhas retas" -mas, em inglês, "straight" também quer dizer "hétero", além de "reto".

O livro reúne o trabalho de celebridades como Alison Bechdel (de "Fun Home", publicado no Brasil pela Conrad) e de desconhecidos do grande público. Não há inéditos nem previsão de sair no Brasil.

"São quadrinistas que representam uma minoria oprimida usando um meio desrespeitado para falar sobre questões complexas de identidade e justiça", afirma Hall.

Os trabalhos têm uma estética em comum, apesar de variada, com influências vindas dos comix (os gibis com xis, mais undergrounds), da arte erótica gay de Tom of Finland e dos fanzines punk.

As obras são marcadas pelas décadas em que foram produzidas. A partir dos anos 1980, por exemplo, passam a tratar da Aids. A introdução da coletânea traz um resumo.

Editoria de Arte/Folhapress

SIGNIFICADO

Há quem diga que quase tudo nos quadrinhos é gay. Os super-heróis, paladinos saradões do mainstream, vivem sob suspeita, vestidos com colantes supercoloridos.

"Sempre houve um grau de homoerotismo, da relação suspeita entre Batman e Robin à ilha da Mulher Maravilha, cheia de mulheres vivendo sem homens", diz Hall.

O termo "quadrinho gay", para a antologia, significa as obras que discutem a experiência homossexual a partir de um ponto de vista pessoal. Isso inclui sexo explícito.

Mas nem todos os autores publicados são gays, e nem todos os autores gays foram incluídos. "O importante era o material produzido, e não quem o produziu", diz Hall.

"O rótulo limita a aceitação do público", diz à Folha Tim Fish, autor de HQs de temática gay. "Por outro lado, amo amo amo saber quais de meus colegas saíram do armário."

Tanto Hall quanto Fish, que está na coletânea, concordam que, apesar de nem sempre ser a intenção, essas revistinhas têm papel social.

"Queria apenas entreter caras gays com histórias com as quais eles pudessem se relacionar", explica Fish.

"Ficava surpreso a cada vez em que um fã me dizia o quanto meu trabalho significou para ele. Saber que o que ele fazia era uma experiência comum era algo importante."

No Brasil, a produção é esparsa. Para o quadrinista Laerte, que assina o desenho acima --uma resenha do livro "Judith Butler e a Teoria Queer"--, pode ser devido à diferença entre o movimento gay nacional e o americano.

"O Brasil vive contradições entre a suposta liberalidade e o conservadorismo", diz.


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