Folha de S. Paulo


Em troca de maior acesso ao mercado chinês, Hollywood faz parcerias inéditas no país

O jeitão debochado e politicamente incorreto de Tony Stark é a marca do Homem de Ferro nos cinemas.

Mas, no terceiro longa da série, tudo o que o herói de Robert Downey Jr. fizer terá de passar antes pelo crivo do Partido Comunista da China.

A coprodução de "Homem de Ferro 3", firmada entre a Disney e a chinesa DMG é apenas um exemplo da onda de projetos entre Hollywood e o gigante
asiático.

Para os americanos, é a chance de avançar mais sobre o país que, até 2020, deve ultrapassar os EUA como o maior mercado cinematográfico do mundo.

Já os chineses, veem nas parcerias uma oportunidade de se tornar um importante polo exportador de cultura.

"A China e os Estados Unidos cozinham juntos com o objetivo de abocanhar para si o maior pedaço da torta", resume o espanhol Pello Zúñiga, jornalista radicado em Pequim e especializado na indústria cultural chinesa.

Uma das iniciativas mais ambiciosas é a da americana DreamWorks. Em agosto passado, foi anunciada a joint venture Shanghai Oriental DreamWorks, com 55% do capital nas mãos de três empresas estatais chinesas.

A meta é empregar 2.000 mil pessoas e produzir até três filmes por ano.

Um deles é "Kung Fu Panda 3", que deve ficar pronto em 2016, ano em que também será inaugurado um complexo com cinemas e outras atrações, orçado em US$ 3,2 bilhões (R$ 6,4 bilhões).

Também em agosto, foi a vez do diretor James Cameron ("Avatar") anunciar uma joint venture com empresas estatais chinesas para produzir equipamentos para filmagens em 3D.

"Os chineses veem o 3D como o futuro", disse Cameron ao jornal "Financial Times".

Para Hollywood, a coprodução tem uma grande vantagem: escapar do limite de 34 produções estrangeiras por ano -recentemente, o governo chinês permitiu mais 14 produções, desde que em 3D.

Por outro lado, trabalhar com Hollywood é a chance do cinema chinês, que produz 500 longas por ano, de aprimorar a capacidade mercadológica de seus filmes fora de suas fronteiras.

Para os americanos, a contrapartida pode ser difícil. Antes de ser rodado, o roteiro precisa ser revisado e aprovado pela Administração Estatal de Rádio, Filme e Televisão, órgão censor do governo.

A entidade tem parâmetros draconianos para cenas de sexo e violência, além, é claro, para temas políticos.

No ano passado, por exemplo, "Tropa de Elite 2" teve 24 minutos cortados. Já o documentário "Uma Noite em 67", sobre os festivais de música da Record, foi censurado, provavelmente pelas referências à ditadura militar.

"Na China, você tem de ser bom em lidar com o governo e com o consumidor", explicou o americano Dan Mintz, presidente da DMG Entertainment, empresa privada de entretenimento chinesa.

AFP
chineses assistem ao filme
Chineses assistem ao filme "Avatar", na Província de Anhui

DRIBLAR CENSURA

As parcerias entre Hollywood e a China ocorrem no momento em que aumentam as restrições para a produção de entretenimento no país, afirma Robert Cain, presidente da Pacific Bridge Pictures e há 20 anos atuando como consultor e produtor de projetos entre os EUA e países asiáticos.

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Folha - A abertura do governo chinês a Hollywood ocorre num momento em que a censura restringe produções estrangeiras, principalmente na TV. Como explicar isso?

Robert Cain - As regras que estão impondo não almejam apenas o entretenimento estrangeiro como também aumentam as restrições sobre o que os produtores locais podem fazer. É uma contradição, porque está cada vez mais difícil criar produtos de entretenimento na China.

Qual o impacto das restrições nos roteiros das coproduções?

É um grande desafio desenvolver um roteiro que possa satisfazer não apenas as exigências de coprodução que a China tem como também as restrições da censura e ainda ser um sucesso comercial local e internacional. É complicado. E há poucos roteiristas na China que podem escrever filmes competitivos.

Qual é a importância da ampliação da cota de filmes estrangeiros de 20 para 34, mesmo sendo 14 produções adicionais em 3D?

Mostra que a China deseja cumprir com suas obrigações do acordo [de aumentar o número de produções estrangeiras] com a Organização Mundial do Comércio. Isso traz mais competição ao mercado e, teoricamente, mais faturamento em bilheteria.

Editoria de Arte/Folhapress
CHINA DEVE ULTRAPASSAR EUA EM BILHETERIA ATÉ 2020

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