Folha de S. Paulo


Filmes de Tarkóvski repotencializam a experiência radical de seu cinema

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Tarkóvski durante a filmagem de
Tarkóvski durante a filmagem de "O Espelho"

Em diálogo com o diretor russo Andrei Tarkóvski (1932-1986) —reproduzido no filme "Tempo de Viagem"—, o roteirista Tonino Guerra afirma não crer na reprodução de quadros e na tradução de poesia: "a arte é muito ciumenta, exige que se chegue até ela." A arte cinematográfica, que pode e deve ser reproduzida com qualidade, como é o caso nestes dois lançamentos da Versátil, poucas vezes terá exigido tanto (e garantido tão compensadores retornos) de nossa disponibilidade estética e espiritual como nos filmes do cineasta. Não por acaso, "Nostalgia" inicia-se pelo desejo de ver de perto um belo quadro, pouco acessível em uma antiga igreja perdida num campo italiano. Ver e rever seus filmes pode confrontar a dessacralização e o imediatismo consumista de nossos hábitos cinéfilos.

O volume da excelente coleção "A Arte de...", que repõe em circulação (em cópias restauradas) quatro filmes de Tarkóvski, destina-se a esses fundos mergulhos e soma-se a iniciativas que têm renovado o interesse e alcance de sua reduzida mas potente filmografia: a retrospectiva de filmes (de e sobre ele), em 2012, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; o belo livrinho com as suas delicadas polaróides ("Tarkóvski - Instantâneos"); as edições brasileiras dos seus "Diários - 1970-1986" e do roteiro de seu último longa, "O Sacrifício" e, no âmbito acadêmico, os "Cadernos de Pesquisa Kinoruss nº 1: Tarkovskianas". Por outro lado, as marcas de seu cinema se fazem sentir em filmes de grandes diretores: das paisagens metafísicas do conterrâneo Sokurov à atmosfera de silêncios que habita os filmes do turco Nuri Bilge Ceylan, passando pela rica seiva poética que alimenta a trama e os ramos da "Árvore da Vida" do americano Terrence Malick.

A caixa traz filmes estrategicamente selecionados, que compõem leitura instigante e pouco óbvia de sua obra: de seu primeiro longa, "A Infância de Ivan" (1962), marco de sua afirmação autoral, forjada por dentro da moldura de filme "de gênero" de guerra, neste caso, passa-se à caleidoscópica estrutura narrativa de "O Espelho"(1975), seu longa menos visto e conhecido entre nós e o que contém mais forte visada autobiográfica.

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Daí, chega-se ao ápice da arte tarkovskiana com "Nostalgia" e o referido "Tempo de Viagem" (codirigido com Tonino Guerra), ambos realizados na Itália em 1983, no início de seu exílio (tornado definitivo) da União Soviética: nos livres desvãos ensaísticos do documentário já estão em jogo os elementos que Tarkóvski descobriu em si mesmo "em viagem" e fez inscrever no tempo fílmico de "Nostalgia". Neste, a pura experiência da presença e ação de complexos sentimentos e modos de estar-no-mundo toma o espectador por completo, sem recorrer a desgastados esquemas representacionais e dramatúrgicos.

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O "pacote russo" completa-se com a requintada edição limitada de "Solaris" (1972), a primeira das duas desestabilizadoras incursões do cineasta pelo universo da ficção científica, que se consumariam de modo ainda mais radical em "Stalker", de 1979.

A ARTE DE ANDREI TARKÓVSKI
DIRETOR: Andrei Tarkóvski
DISTRIBUIDORA: Versátil
QUANTO: R$ 49,90
AVALIAÇÃO: ótimo

SOLARIS
DIRETOR: Andrei Tarkóvski
DISTRIBUIDORA: Versátil
QUANTO: R$ 49,90 (Blu-ray)
AVALIAÇÃO: ótimo


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