Folha de S. Paulo


Confira seis indicações de livros de ficção estrangeira pelo 'Guia'

A REVOLUÇÃO DA LUA

Mais conhecido pelas aventuras do comissário Montalbano, o siciliano Andrea Camilleri trocou momentaneamente as tramas policiais pelas conspirações palacianas. "A Revolução da Lua" se passa na Sicília do século 17. Nesse romance, o autor trata de um ponto cego na historiografia oficial.

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Salvo raríssimas exceções (Cleópatra, Elizabeth I e outras poucas), o poder sempre esteve nas mãos masculinas. Analisando as cronologias dos vice-reis da Espanha e da Sicília, o escritor percebeu que quase todas omitem um dado: em 1677, a Sicília foi governada por uma mulher. Durou apenas 27 dias o governo de Eleonora de Moura, mas Camilleri enxergou nos fiapos de informação a marca de uma mulher extraordinária.

Complôs, atentados, subornos, levantes, a trama está cheia deles. Talvez a circunspecta História não esteja muito confortável, flagrada mais uma vez a serviço da ficção. Mas concordo com Diderot, quando diz que a verdade da subjetividade literária é sempre mais verdadeira que a da objetividade histórica. (NELSON DE OLIVEIRA)

AUTOR Andrea Camilleri
TRADUÇÃO Joana Angélica d'Avila Melo
EDITORA Bertrand Brasil
QUANTO R$ 39 (210 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom

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JUNCOS AO VENTO

Dentre os blogues mais interessantes da rede está o http://writersnoonereads.tumblr.com (Escritores que ninguém lê), autodefinido assim: "Estes escritores são famosos em alguma parte da internet ou do mundo. Alguns podem ser famosos na própria família ou em sua própria mente.

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A italiana Grazia Deledda (1871-1936) poderia estar entre eles, mas não está. Segunda mulher a ganhar o Nobel (em 1926), permanecia inédita no Brasil.

"Juncos ao Vento" relata a luta das quatro irmãs Pintor contra as convenções restritivas e o machismo paterno na Sardenha natal da autora. O ambiente é rural, a natureza é o metro que serve para medir manifestações do espírito humano e seus limites, o lar é ao mesmo tempo lastro e âncora.

Lia, uma das filhas, revolta-se, parte e morre em outra cidade. Seu filho é devolvido, a casa familiar é a prisão onde o tempo parece estanque e a ilha, o espelho do isolamento. A propósito, Grazia Deledda é uma escritora que deve ser lida. (JOCA REINERS TERRON)

AUTOR Grazia Deledda
TRADUÇÃO Maria Augusta Mattos
EDITORA Carambaia
QUANTO R$ 74,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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O VENTO QUE ARRASA

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Um mecânico sorumbático e durão e seu filho, ou enteado, não sabemos bem, um adolescente frágil e carente. Um pastor apaixonado pelo ofício e sua filha, uma garota impaciente com a religião do pai.

No meio do desolado pampa, numa estrada perdida, o carro do pastor quebra. O calor é insuportável e sente-se no ar a iminência de uma tempestade. O mecânico demora a consertar o carro. Lembranças moles confluem-se nas mentes dos quatro personagens —sobretudo lembranças das mulheres que abandonaram seus filhos.

Com esses escassos elementos, a argentina Selva Almada fez um romance instigante. Temos a sensação de que algo terrível vai acontecer -só que, quando acontece, não parece tão terrível assim.

Parece apenas óbvio. A religião pode ser comunhão, pode ser a fôrma que forma o mundo, pode ser a saída mais próxima? Muitas perguntas que a linguagem clara e magnética de Almada deixa sem respostas. Excelente estreia. (RONALDO BRESSANE)

AUTOR Selva Almada
TRADUÇÃO Samuel Titan Jr.
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 29,90 (128 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom

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MEMÓRIA DA ÁGUA

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O premiado romance de estreia da finlandesa Emmi Itäranta é uma distopia marcada pela sede. Num futuro distante, sucessivas guerras devastaram o meio ambiente. Agora o recurso mais precioso —a água— significa tudo: criação e destruição, vida e morte. A escassez tornou a água um mineral quase sobrenatural.

A nova realidade sociopolítica é revelada aos poucos, filtrada pela percepção de Noria Kaitio, filha e aprendiz de um mestre do chá. Nesse futuro árido, a China expandiu seu império. Suas tradições são seguidas em outros pontos, entre elas a cerimônia do chá e a opressão militar.

Se há uma distopia fardada, também haverá uma fagulha de revolta. Essa faísca ocorre quando o pai de Noria revela seu maior segredo: uma fonte natural de água, desconhecida do governo. Mas a garota logo percebe que "os segredos desgastam o laço entre as pessoas". Considerações morais sobre os "criminosos da água" são o ponto alto dessa narrativa animada pelo esoterismo oriental. (NELSON DE OLIVEIRA)

AUTOR Emmi Itäranta
TRADUÇÃO Christian Schwartz
e Liliana Negrello
EDITORA Galera
QUANTO R$ 35 (288 págs.) e R$ 24 (e-book)
AVALIAÇÃO muito bom

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ESTAÇÃO ATOCHA

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Ben Lerner publicou três livros de poesia muito marcados pela New York School, de Frank O'Hara e John Ashbery. A influência deste último foi fundamental para desenvolver o estilo conversacional de seus poemas em prosa, e igualmente Ashbery aparece como figurante nas obsessões de Adam Gordon, protagonista deste romance de estreia.

"Estação Atocha" descreve com verve as idas e vindas de um poeta que recebeu bolsa para passar o ano em Madri, pesquisando sabe-se lá o que, talvez a si mesmo. A vagabundagem subsidiada inclui festas, haxixe e muito autoengano. Sem falar espanhol, incerto de seu talento ou sua cultura, Adam vê o próprio puritanismo encurralado pela liberalidade latina.

Temperado com esse desejo reprimido, o humor autodepreciativo de linhagem judaica dá o tom das tergiversações hilárias do personagem. Ben Lerner está entre os melhores praticantes de um gênero que poderia ser definido como "romance-ensaio", também praticado por Tom McCarthy e, entre nós, por Michel Laub. (JOCA REINERS TERRON)

AUTOR Ben Lerner
TRADUÇÃO Gianluca Giurlando
EDITORA Rádio Londres
QUANTO R$ 35,50 (224 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom

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CONTOS DE KOLIMÁ

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Com este título, a editora 34 dá início à publicação dos seis volumes do autor russo Varlam Chalámov (1907-1982), que passou mais de 20 anos, em dois períodos, preso na União Soviética, acusado de "atividades contrarrevolucionárias".

O título do livro alude aos campos de trabalhos forçados de Kolimá, na Sibéria, para onde o escritor foi enviado em 1937 e de onde só retornaria para Moscou em 1953, quando deu início à publicação de uma obra testemunhal que totaliza mais de 2.000 páginas.

A crueza dos contos se ergue em uma prosa clara, que dá ênfase às atividades de trabalho, convivência e sobrevivência. Sobressaem a atenção aos detalhes da rotina diária e aos elementos dilacerantes do dia a dia, como o frio, a fome, a hierarquia brutal, a violência, a doença, a morte sempre próxima e alguns mínimos prazeres —como os cigarros e as histórias ouvidas e recontadas. O caráter de testemunho e o ponto de vista interno são acompanhados de uma dinâmica narrativa que confere aos relatos força e dramaticidade contrastantes com a sobriedade da escrita. (BRUNO ZENI)

AUTOR Varlam Chalámov
TRADUÇÃO Denise Sales e Elena Vasilevich
EDITORA 34
QUANTO R$ 49 (304 págs.)
AVALIAÇÃO *


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