Folha de S. Paulo


Chega ao país o primeiro livro da trilogia de Mia Couto sobre império africano

O AMAMENTE JAPONÊS

Os romances da chilena Isabel Allende costumam lançar mão, com competência, dos clichês que agradam leitores pouco exigentes ou que se contentam com dramas pessoais batidos e se arrastam por longos períodos de vida das personagens, atravessando contextos históricos facilmente reconhecíveis, para dar aquela sensação de intimidade entre a experiência do sujeito e seu entorno.

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No caso de "O Amante Japonês", a autora se vale da clássica relação amorosa entre amantes de extratos sociais diversos, tipo a dama e o vagabundo, ou entre uma garota rica e o filho do jardineiro de sua família, que por acaso é japonês. Assim, a trama pode ser entremeada ao episódio de Pearl Harbor e a Segunda Guerra Mundial, separando os pombinhos apaixonados.

Claro que haverá o reencontro de Alma e Ichimei, premido pelos conflitos pessoais e sociais, a cena bonita da vovó relatando aos netinhos o caso de amor edificante, tipo Dona Benta, e tudo acaba de forma poética, com a lembrança de uma carta, onde se lê que "é fantástico estar vivo". (REYNALDO DAMAZIO)

O AMAMENTE JAPONÊS
QUANTO: R$ 39 (294 PÁGS.)
AUTOR: ISABEL ALLENDE (TRADUÇÃO - JOANA ANGÉLICA D'AVILA)
EDITORA: BERTRAND BRASIL

MELANCOLIA

Depois do sucesso de Karl Ove Knausgard, outro norueguês vem aportar ao português: Jon Fosse, eterno cotado ao Nobel. "Melancolia" é seu primeiro romance no Brasil —onde é conhecido por peças de densidade comparável a Ibsen — e, por óbvias razões estilísticas, o leitor o posicionará ao lado de Beckett e Thomas Bernhard.

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A primeira parte, em primeira pessoa, nos aprisiona na mente de um sujeito obsessivo e neurótico ""a sensação é de mergulhar em areia movediça. Hertervig é um pintor de paisagens nascido em 1830 que vai estudar em Düsseldorf. As dúvidas sobre seu talento e o amor de Helene o corroem, dando à escrita um ritmo alucinatório, devido às frases curtas e repetitivas e às espantosas imagens mentais criadas pelo narrador à medida que perde a razão.

Depois de 300 páginas, já em 1902, surge um narrador na terceira pessoa, que segue a irmã de Hertevig anos após a morte do pintor; pelas cem páginas seguintes, a escrita deixa de ser claustrofóbica para se tornar arejada, encantatória e evocativa. Um impressionante retrato do artista enquanto louco. (RONALDO BRESSANE)

Melancolia
QUANTO: R$ 48 (408 PÁGS.)
AUTOR: JON FOSSE (TRADUÇÃO - MARCELO RONDINELLI)
EDITORA: TORDESILHAS

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BUNKER

Perguntado sobre a densidade sombria da maioria de seus livros para jovens leitores, Kevin Brooks respondeu: "Não consigo evitar, a escuridão vem naturalmente a mim". Seu romance mais recente, o primeiro publicado no Brasil, confirma essa declaração. "Bunker: Diário da Agonia" narra a desventura de seis pessoas sem qualquer ligação entre si, de repente sequestradas e aprisionadas num bunker.

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O primeiro a ser capturado é um adolescente de 16 anos, de família rica. É ele quem mantém o diário sobre o sequestro. Tudo o que o leitor-voyeur fica sabendo 'quase nada, apenas conjecturas' passa pela mediação confusa do rapaz. Quem é o sequestrador? Qual seria sua real intenção? Essas questões perdem o valor conforme vão chegando os companheiros de infortúnio: uma menina de nove anos, um dependente químico, uma corretora imobiliária, um consultor financeiro e um físico de 70 anos.

Há câmeras e microfones. Um jogo? Um reality show? Impiedoso, o romance é sobre clausura e privação extrema. (NELSON DE OLIVEIRA)

Bunker
QUANTO: R$ 39,90 (272 PÁGS.) E R$ 24,50 (E-BOOK)
AUTOR: KEVIN BROOKS (TRADUÇÃO - FABRICIO WALTRICK)
EDITORA: VERGARA & RIBA

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MULHERES DE CINZAS

"Mulheres de Cinzas" é o primeiro livro da trilogia "As Areias do Imperador", do moçambicano Mia Couto. Com uma literatura em que fatos históricos e um mundo mítico e lírico se misturam, o escritor, desta vez, mergulha num projeto amplo "sobre os derradeiros dias do Estado de Gaza, o segundo maior império da África dirigido por um africano", como ele mesmo escreve numa nota introdutória.

Para começar a rever o passado de Moçambique e a colonização portuguesa, ele cria dois discursos que se alternam ao longo deste primeiro romance: o primeiro é o de uma jovem negra, Imani (que quer dizer "quem é?"), que mora num vilarejo familiar tensionado pelas duas culturas: a opressão e os massacres do imperador Ngungunyane e da Coroa Portuguesa; o segundo são as cartas de um sargento português, Germano de Melo, enviado a Nkokolani para defender a população local dos ataques do imperador, mas sem soldados, nem mesmo armas novas.

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Imani foi convocada para recepcionar Germano, já que ela fala português, aprendido com padres missionários. A tensão parece cruzar os corpos desses protagonistas, marcados pela morte iminente. Mito e história se reúnem numa espécie de alegoria da guerra da colonização, ou talvez de qualquer guerra em que as vítimas são aqueles que plantam, cantam, dançam e sonham cotidianamente com o amor que se distancia.

Ou como escreve Mia Couto, numa das epígrafes de um dos capítulos: "A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer. Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos". (HEITOR FERRAZ MELLO)

Mulheres de Cinzas
QUANTO: R$ 39,90 (408 PÁGS.) E R$ 27,90 (E-BOOK)
AUTOR: MIA COUTO
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS

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O PAI MORTO

É de se espantar que um dos autores que mais influenciaram a geração atual de escritores norte-americanos tenha tão poucas traduções no Brasil. Este é o primeiro romance e apenas o segundo livro de Donald Barthelme (pronuncia-se Barthelmê) lançado por aqui (agora em excelente versão de Daniel Pellizzari). O primeiro, a coletânea de contos "Vida de Cidade", é de 1975, e está há muito fora de catálogo.

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Barthelme ocupou as páginas da "New Yorker" dezenas de vezes com textos que fizeram a cabeça de leitores e escritores nos anos 1960 e 70 e que deveriam estar em qualquer antologia de contos. Seus romances, como "O Pai Morto" e "Snow White", não produziram impacto menor.

Em sua escrita, chama a atenção a liberdade com que faz movimentar seus personagens e tramas, sugerindo uma influência surrealista. Mas aqui há o risco de engano. Nele, não há gratuidade, mas sim a destreza de utilizar diversos recursos à sua disposição. É um autor consciente de sua potência e de onde quer levar o leitor. Ainda que nesse caminho esteja também a perda de rumo. (ROBERTO TADDEI)

O PAI MORTO
QUANTO: R$ 34,50 (240 PÁGS.) E R$ 24,50 (E-BOOK)
AUTOR: DONALD BARTHELME ( TRADUÇÃO - DANIEL PELLIZZARI)
EDITORA: ROCCO

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A ESTRADA

Nessa coletânea de contos do ucraniano Vassili Grossman (1905-1964), autor do já clássico "Vida e Destino", a montagem não é de uma simples antologia: para cada momento, há um prefácio escrito por Robert Chandler e Yury Bit-Yunam (que assinam ensaios no final do volume). Esses textos iniciais localizam a produção de Grossman, desde seus primeiros escritos, mais próximos às orientações do regime soviético, até as narrativas em que fica claro seu rompimento com as amarras oficiais e que lhe custaria alguns processos.

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Apesar das transformações por que passa sua literatura, podemos acompanhar o tratamento literário da violência, como em Isaac Bábel, mas ao mesmo tempo afastando-se de seu modelo, como também o retrato duro e cruel da Rússia durante a guerra. Como lembram os organizadores, ele foi um dos primeiros escritores a tratar dos horrores do nazismo, como em "O Velho Professor" e "O Inferno de Treblinka", "uma das primeiras publicações em qualquer idioma sobre um campo de extermínio nazista". (HEITOR FERRAZ MELLO)

A estrada
QUANTO: R$ 54,90 (336 PÁGS.)
AUTOR: VASSILI GROSSMAN (TRADUÇÃO - IRINEU FRANCO PERPETUO)
EDITORA: ALFAGUARA

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SEM SAÍDA

Mal-entendidos e acidentes do acaso, sempre atrapalhando os planos mais minuciosos, são o gatilho das situações criadas por Patricia Highsmith em seus romances de crime. Mais que os mistérios de um assassinato, para essa ficcionista felina interessavam as pessoas falíveis 'culpadas ou inocentes' e seus conflitos morais. Não à toa, o psicologismo de Dostoiévski é logo citado quando comentamos seus melhores "thrillers".

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"Sem Saída", lançado em 1954, mostra com riqueza de detalhes como a opinião pública pode destruir um indivíduo. Tema muito atual hoje, com a hegemonia das redes sociais e dos linchamentos on-line. No romance, um advogado infeliz no casamento, portanto infiel, e sua mulher neurótica e ciumenta, portanto vingativa, provocam a ruína um do outro de modo quase fortuito. Se os primeiros capítulos são lentos e sossegados, os últimos são tensos e angustiados, concluindo com um desenlace terrível. Era assim que a felina Highsmith gostava de torturar seus leitores. (NELSON DE OLIVEIRA)

Sem Saída
QUANTO: R$ 39,90 (280 PÁGS.) E R$ 20,90 (E-BOOK)
AUTOR: PATRICIA HIGHSMITH (TRADUÇÃO SONIA PINHEIRO)
EDITORA: BENVIRÁ

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UM GUARDA-CHUVA PARA O DIA DE HOJE

O narrador deste romance do alemão Wilhelm Genazino é um homem que trabalha como testador de sapatos em Frankfurt. Percorre as ruas da cidade com diferentes calçados para, como diz o gerente Habedank, "escrever relatórios os mais exatos possíveis acerca das suas sensações ao andar". Além da movimentação incessante, o narrador está ocupado com a partida de Lisa, que o abandonou, e com as dificuldades financeiras. Ele perambula, imiscuindo-se no cotidiano das pessoas, driblando encontros indesejáveis e tentando organizar reminiscências e frustrações.

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Em um percurso circular e labiríntico por uma cidade ao mesmo tempo desenvolvida e acanhada, o tédio e a convivência são marcados por um tom desalentado. Vez ou outra eclode uma passagem que questiona a linguagem e a capacidade do narrador em dizer a verdade. Assim, certa folga de linguagem confere leveza a um estilo grosseiro e autoirônico, o que torna o personagem e sua história cativantes, apesar de meio desagradáveis. (BRUNO ZENI)

Um guarda-chuva para o dia de hoje
QUANTO: R$ 39 (208 PÁGS.)
AUTOR: WILHELM GENAZINO (TRADUÇÃO MARCELO BACKES)
EDITORA: APICURI

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UMA MENINA ESTÁ PERDIDA NO SEU SÉCULO À PROCURA DO PAI

A obra de Gonçalo M. Tavares, principalmente romances sob a chancela "O Reino" (iniciada por "Jerusalém", de 2006, e na qual este novo livro poderia ser abrigado), problematiza a decadência humana a partir das tragédias do século 20, de maneira semelhante aos périplos de W.G. Sebald, porém com enfoque e fatura distintos: onde o alemão procura reter memorialisticamente um mundo concreto que se esvai, o português apela ao metafísico.

Seus personagens, como Marius e Hanna, registram a morte dos sentimentos. Em meio aos escombros da Segunda Guerra, ambos vagam ""a adolescente Hanna à procura do pai, o misterioso Marius à procura de si mesmo, de seu passado nebuloso.

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Inesperado renovador da arte novelística em tempos desesperançados inclusive para a literatura, Gonçalo M. Tavares contribui com esta sua nova entrega para a voga de romances neurológicos. Poderia ser filmado por Wim Wenders, mas pelo Wenders dos bons tempos, dos anos 1970 e 80. (JOCA REINERS TERRON)

Uma menina está perdida no seu século à procura do pai
QUANTO: R$ 39,90 (240 PÁGS.)
AUTOR: GONÇALO M. TAVARES
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS

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NÃO É MEIA-NOITE QUEM QUER

Para a protagonista desse romance multifacetado, uma casa é um grande órgão externo, um exoesqueleto conectado à mente por múltiplas vivências e recordações. Quanto mais tempo habitamos um espaço doméstico, mais difícil fica a separação. A casa da infância, por exemplo, jamais sairá de nós, mesmo que estejamos a 10 mil quilômetros de distância.

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A narrativa polifônica do premiado Lobo Antunes fala de uma professora de meia-idade que volta à antiga casa de praia da família, onde passava as férias quando criança. Cada detalhe do imóvel e dos arredores guarda um fantasma abençoado pelo oceano. Nessa última visita 'em breve a casa será vendida', o presente e o passado surgem misturados. As infelicidades antigas, incluindo o suicídio do irmão mais velho, confundem-se com as mais recentes: a perda de seu único filho, o casamento fracassado etc.

"Não É Meia-Noite Quem Quer" (verso de René Char) é uma sinfonia fúnebre, um espaço de negatividade. O mesmo vale para toda a obra de Lobo Antunes. (NELSON DE OLIVEIRA)

Não É Meia-Noite Quem Quer
QUANTO: R$ 59,90 (480 PÁGS.)
AUTOR: ANTÓNIO LOBO ANTUNES
EDITORA: ALFAGUARA

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ASSIM COMEÇA O MAL

Certos autores estão circunscritos a temas. É o caso, para ficarmos num clássico, de Dostoiévski e seu ataque a positivismo e racionalismo. Há outros, como Javier Marías, que restringem sua obra não somente a uma visão das coisas, mas a determinado período. É frequente, nos livros do espanhol, a ambientação disposta no período imediatamente posterior ao franquismo.

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Em "Assim Começa o Mal", temos Juan de Vere, garotão que vai trabalhar com o cineasta Eduardo Muriel e se imiscui no infeliz casamento deste com Beatriz Noguera. São os anos 1980, iniciou-se a abertura, mas o divórcio ainda não é legal. Muriel incumbe seu assistente de investigar o escandaloso Van Vechten; passo a passo, Vere abandona sua figuração em troca de papel mais relevante.

Novelão dickensiano desenvolvido com segurança, marcado pela habitual volúpia discursiva de Marías, mantém curioso paralelismo com "Reparação", de Ian McEwan. Ambas as tramas exploram vidas afetadas por decisões desastrosas. (JRT)

ASSIM COMEÇA O MAL
QUANTO: R$ 49,90 (520 PÁGS.) E R$ 34,90 (E-BOOK)
AUTOR: JAVIER MARÍAS (TRADUÇÃO EDUARDO BRANDÃO)
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS


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