Folha de S. Paulo


Doze títulos de ficção estrangeira compõem a seleção do 'Guia'

Sem Tetas Não Há Paraíso

A ambição e a vaidade são conselheiras pouco confiáveis, Catalina sabe disso, mas como recusar o hipnótico canto das sereias? A garota tem 14 anos e não suporta mais viver na penúria, sem qualquer perspectiva aceitável.

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Sem Tetas Não Há Paraíso, por Gustavo Bolívar Moreno
Sem Tetas Não Há Paraíso, por Gustavo Bolívar Moreno

Catalina já aprendeu que, nas comunidades infectadas pelo narcotráfico, a maneira mais rápida de escapar da pobreza é entrar para o harém de um traficante. O problema é o número do sutiã. Os chefes do tráfico gostam de meninas peitudas. Por isso, a adolescente é sempre preterida na hora do recrutamento.

O primeiro romance do colombiano Gustavo Bolívar Moreno, lançado em 2005, narra a desastrada jornada de Catalina em busca dos implantes de silicone que abrirão as portas do paraíso. Devagar, somos conduzidos ao centro de uma realidade sórdida, que não está restrita aos subúrbios das grandes cidades da Colômbia. A ambição e a vaidade são conselheiras pouco confiáveis no mundo todo. Catalinas existem aos milhares e "o melhor negócio do mundo são as clínicas de estética", o narrador conclui. (NELSON DE OLIVEIRA)

AUTOR: Gustavo Bolívar Moreno
TRADUÇÃO: Luís Carlos Cabral
EDITORA: Record
QUANTO: R$ 45 (308 págs.)
AVALIAÇÃO: muito bom

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Destino La Templanza

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Destino La Templanza, por María Dueñas
Destino La Templanza, por María Dueñas

A espanhola María Dueñas escreve longas narrativas, segundo a crítica, "viciantes e arrebatadoras", jamais "profundas e inquietantes". Numa palavra: romances de sucesso, com muito açúcar e gordura, cheios de clichês que agarram feito o diabo. Dizem que seu primeiro livro, "O Tempo Entre Costuras" (2009), já vendeu um milhão de exemplares em mais de 25 países, surpreendendo até o editor. O segundo romance, "A Melhor História Está por Vir" (2012), não foi um fenômeno comercial, mas não fez feio. Agora temos o terceiro.

A trama de "Destino La Templanza" transcorre na segunda metade do século 19 e se espraia por três cenários: México, Cuba e Espanha. Mauro Larrea, um empresário falido, enfrenta muitas adversidades para sair do fundo do poço. É um romance de superação (outra exigência do formato), cheio de intrigas e histórias paralelas.

O novo melodrama de María Dueñas supre uma necessidade básica de centenas de milhares de leitores, de um pouco de açúcar e gordura na dieta. (NELSON DE OLIVEIRA)

AUTOR: María Dueñas
TRADUÇÃO: Sandra Martha Dolinsky
EDITORA: Planeta
QUANTO: R$ 49,90 (480 págs.) e R$ 33,18 (e-book)
AVALIAÇÃO: bom

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O Primeiro Homem Mau

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O Primeiro Homem Mau, por Miranda July
O Primeiro Homem Mau, por Miranda July

Os dez anos que separam o primeiro filme de Miranda July (o delicado "Eu, Você e Todos Nós", de 2005) da publicação deste seu primeiro romance provam que o rótulo, tantas vezes pretensioso, de "artista multimídia" é adequado ao brilho que a autora tem revelado em diferentes suportes: seu antológico conto "A Equipe de Natação" (do volume "É Claro que Você Sabe do que Estou Falando", de 2007) soma-se aos registros de performances e exposições e ao segundo longa ("O Futuro", de 2011) na observação, de acuidade e humor raros, das idiossincrasias sociais da modernidade.

Aqui, July faz brotar da crônica da discreta gerente de uma academia de autodefesa para mulheres, às voltas com uma hóspede indesejável e com sua intimidade com bebês alheios, surpreendente romance de formação de uma quarentona até então preservada dos "ataques" da vida e do amor. Como se vê, não se trata de "uma grande história de amor americana do nosso tempo". Ainda bem! (ROBERTO ALVES)


AUTOR: Miranda July
TRADUÇÃO: Caroline Chang e Christina Baum
EDITORA: Companhia das Letras
QUANTO: R$ 44,90 (304 págs.) e R$ 29,90 (e-book)
AVALIAÇÃO: muito bom

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Hereges

Após o sucesso de "O Homem que Amava os Cachorros", romance de ficção dominado pela figura de Trótski -e, por extensão do trotskismo, tema suficiente para despertar paixões-, o cubano Leonardo Padura infiltra-se em outro tema complicado: o judaísmo em Cuba.

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Hereges, por Leonardo Padura
Hereges, por Leonardo Padura

São três histórias entrelaçadas com engenho: um garoto judeu tenta refugiar-se em Havana durante a Segunda Guerra; uma jovem cubana emo luta para defender amores e melancolias; um detetive rastreia o paradeiro de um quadro de Rembrandt desaparecido de um leilão.

O detetive, "por supuesto", é Mario Conde, estrela dos romances policiais de Padura, e responsável por costurar as três histórias. O título se explica na força libertária da heresia frente à hipocrisia: cada protagonista é um personagem que confronta a realidade ao redor. Um grande romance que concilia o social, o histórico e o policial. (RONALDO BRESSANE)

AUTOR: Leonardo Padura
TRADUÇÃO: Ari Roitman e Paulina Wacht
EDITORA: Boitempo
QUANTO: R$ 56 (508 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo

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Joe Speedboat

Os romances que celebram a amizade improvável -holandeses ou não (é o caso deste livro de Tommy Wieringa, trazido ao Brasil com a leva de autores do Café Amsterdã, promovido pela fundação destinada a divulgar a literatura do pessoal lá dos Países Baixos)- saíram de "Aventuras de Huckleberry Finn" (1884), a seminal ode à bravura composta por Mark Twain (1835-1910).

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Joe Speedboat, por Tommy Wieringa
Joe Speedboat, por Tommy Wieringa

Adiante da trama, encontra-se o herói: Fransje, de apenas 15 anos. Semelhante a Huck, ele quer provar algo. Huck gostaria de fazer o que lhe desse na telha e adota o ex-escravo Jim como modelo.

Fransje sofreu um acidente. Cadeirante e mudo, encontra em Joe Speedboat a saída. Mal sabe ele que Joe -libertário, livre, ao menos na aparência- tem os seus próprios grilhões.

Guardadas diferenças etárias (e descontada certa maldade deste resenhista), o livro de Wieringa é uma versão infantojuvenil do blockbuster francês "Intocáveis". (JOCA REINERS TERRON)

AUTOR: Tommy Wieringa
TRADUÇÃO: Cristiano Zwiesele do Amaral
EDITORA: Rádio Londres
QUANTO: R$ 39,90 (336 págs.)
AVALIAÇÃO: regular

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Tirza

Além da escrita implacável, que encadeia de modo sagaz cada frase na direção da seguinte, a narrativa deste romance de Arnon Grunberg, nome central da nova literatura holandesa, trata de temas problemáticos da atualidade: colonialismo, crise conjugal, hiato entre gerações, racismo, transformações na família, esgotamento do capitalismo, limites do sexo, pedofilia... e até distúrbios alimentares.

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Tirza, por Arnon Grunberg
Tirza, por Arnon Grunberg

Tudo centrado na figura do editor Hoffmeester, um dos personagens mais desagradáveis já surgidos -foi abandonado pela mulher, que não suporta o modo insosso como ele encara o sexo e o amor, e é desprezado pela filha primogênita, que o considera um conservador avarento e repulsivo.

Seu drama: apesar de detestar a humanidade, ama obsessivamente a filha caçula, Tirza, e ela está para deixar seu perfeito lar na companhia de um homem de ascendência árabe. Sarcasmo e melancolia tingem cada linha dessa obra-prima, verdadeira bomba-relógio cujo engenhoso clímax deixa qualquer leitor estatelado na poltrona. (RONALDO BRESSANE)

AUTOR: Arnon Grunberg
TRADUÇÃO: Mariângela Guimarães
EDITORA: Rádio Londres
QUANTO: R$ 53,50 (464 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo

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Complexidade Moral

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O Sol é Para Todos, por Harper Lee
O Sol é Para Todos, por Harper Lee

"O Sol É Para Todos", lançado nos anos 1960, vende até hoje mais de um milhão de exemplares por ano nos EUA. Com tanto sucesso, é difícil entender por que a autora concordou em publicar uma sequência do livro tantos anos depois. "Vá, Coloque um Vigia", escrito nos anos 1950, ficou escondido, ou perdido, até o ano passado, quando foi lançado. Um crítico do jornal "The New York Times" chamou o evento de maior estelionato literário da história. Houve correria para comprar os primeiros exemplares e alguns leitores devolveram o livro quando descobriram que Atticus Finch tinha se transformando, no novo livro, num advogado racista.

Os bastidores da publicação são misteriosos."Vá, Coloque um Vigia" teria sido a primeira redação de "O Sol É Para Todos". À época, um editor teria sugerido a Harper Lee que rescrevesse o livro do ponto de vista da menina Jean Louise, filha de Atticus. Deu certo.

O sucesso de "O Sol É Para Todos" se explica por alguns motivos: Louise volta o olhar para a infância na cidade de Maycomb, Alabama, quando seu pai defende um cliente negro acusado de estuprar uma mulher branca.

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Vá, Coloque um Vigia, por Harper Lee
Vá, Coloque um Vigia, por Harper Lee

A voz da menina de então dez anos, que procura entender onde está a verdade em meio às turbulências raciais da cidade, encarando com honestidade e inteligência a complexidade moral da democracia norte-americana, é o ponto forte do livro. E ainda atual.

Já em "Vá, Coloque um Vigia", um narrador distanciado deixa-se contaminar pelo discurso de ódio e segregação racial. A leitura dos dois livros na sequência deixa nítido como "Vá, Coloque um Vigia" serviu de base e expurgo para o outro. (ROBERTO TADDEI)

O Sol é Para Todos
AUTOR: Harper Lee
TRADUÇÃO: Beatriz Horta
EDITORA: José Olympio
QUANTO: R$ 45 (364 págs.) e R$ 31 (e-book)
AVALIAÇÃO: muito bom

Vá, Coloque um Vigia
AUTOR: Harper Lee
TRADUÇÃO: Beatriz Horta
EDITORA: José Olympio
QUANTO: R$ 40 (252 págs.) e R$ 28 (e-book)
AVALIAÇÃO: regular

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Falsos segredos

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Falsos Segredos, por Alice Munro
Falsos Segredos, por Alice Munro

Comparada à tradição brasileira, a extensão dos contos de Alice Munro (prêmio Nobel de 2013) está mais para a novela. De difícil definição, esse gênero tico-tico-no-fubá certamente se caracteriza pelo poder de sugestão, elíptico e alusivo, de sua estrutura narrativa. Apoiada em tais elementos, Munro constrói a existência dos habitantes de Carstairs, pequena cidade canadense, com mais ou menos 10 mil palavras.

A cartografia de vilarejo e sua geopolítica também impõem o ritmo de pesadelo, tão típico em lugares claustrofóbicos, ainda mais quando conduzido com simplicidade. Nos oito contos, o aprisionamento dos personagens se deve à imutabilidade das instituições, ao casamento e à cronologia da progressão pequeno burguesa: nascer, estudar, crescer, negociar, multiplicar e morrer.

A autora compreende esse jogo temporal como poucas, é uma maestra do tempo e do espaço, explorando a mecânica dos correios -a espera da carta, o arrependimento do envio- com a força de seus diálogos e ações.

(JOCA REINERS TERRON)

AUTOR: Alice Munro
TRADUÇÃO: Celina Porto Carrero
EDITORA: Globo/Biblioteca Azul
QUANTO: R$ 44,90 (320 págs.) e R$ 31,40 (e-book)
AVALIAÇÃO: ótimo

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A Rainha da Neve

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A Rainha da Neve, por Michael Cunningham
A Rainha da Neve, por Michael Cunningham

Barret Meeks, 30 e tralalá, foi penabundeado pelo namorado enquanto caminhava sozinho, por mensagem de texto. Foi sua primeira vez, e não sabia como responder. "Um e-mail iria parecer coisa de velho; um telefonema, um ato de desespero", diz o primeiro capítulo imparável do novo romance de Cunningham (prêmio Pulitzer por "As Horas", adaptado ao cinema com Meryl Streep e Nicole Kidman). Quatro dias depois, atravessando o Central Park, ele vê uma estranha luz no céu.

Tyler, irmão mais velho de Barret, é um músico viciado em cocaína. Ele está bloqueado e não consegue compor uma balada em homenagem a Beth, sua namorada que está nas últimas.

Que merda, você deve estar pensando, que coisa deprimente. Que lindo, digo e repito eu, esse Cunningham sabe realmente escrever. Mais: não tem um pingo de medo de falar a verdade sobre os sentimentos e revelar as piadas de mau gosto do titereiro com a vida daqueles que criam, que amam. Que sofrem. Livrão. (JOCA REINERS TERRON)

AUTOR: Michael Cunningham
TRADUÇÃO: Regina Lyra
EDITORA: Bertrand Brasil
QUANTO: R$ 35 (252 págs.) e R$ 24 (e-book)
AVALIAÇÃO: Muito bom

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Para Você Não Se Perder no Bairro

Nem sempre um encontro fortuito algo bizarro é apenas uma situação curiosa que deve ser esquecida. Ela pode ser a chave para um passado que ficou sufocado na memória, um ponto da vida do qual inconscientemente se foge. É o que acontece com o solitário escritor Jean Daragane, personagem principal deste romance do francês Patrick Modiano, Nobel de 2014.

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Para Você Não Se Perder No Bairro, por Patrick Modiano
Para Você Não Se Perder No Bairro, por Patrick Modiano

Um dia, ele recebe um telefonema de um sujeito que achara, numa estação de trem, sua caderneta de endereços. No encontro para devolver a caderneta, o enigmático Gilles Ottolini lhe pergunta sobre um nome que aparece na caderneta, um tal Guy Torstel. Daragane já não se recorda da pessoa. Mas Gilles, leitor de Daragane, lembra-o de que esse nome aparece em seu primeiro romance. Aos poucos, o quebra-cabeças do passado começa a se movimentar, em três camadas: a do presente, a da infância da personagem num lugarejo chamado Saint-Leu-la-Fôret, e a do momento em que escreveu seu primeiro livro. (HEITOR FERRAZ MELLO)

AUTOR Patrick Modiano
TRADUÇÃO Bernardo Ajzenberg
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 19,50 (144 págs.)
e R$ 12,50 (e-book)
AVALIAÇÃO: ótimo

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Os Casos de Amor de Nathaniel P.

Em sua elogiadíssima estreia, Adelle Waldman examina metodicamente, com bom humor, a mente de um escritor em início de carreira. Na opinião de Lena Dunham, criadora e roteirista da série "Girls", "Waldman fez o que parecia impossível: chegou ao âmago da condição feminina moderna com o monólogo de um homem que ama odiar as mulheres".

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Os Casos de Amor de Nathaniel P., por Adelle Waldman
Os Casos de Amor de Nathaniel P., por Adelle Waldman

Perdão, mas os comentaristas acima do Equador estão exagerando. O romance não é tão contundente assim. Em suas páginas não há nada tão arguto -pensamento ou comportamento- que já não esteja em Philip Roth, Jonathan Franzen ou David Foster Wallace.

Desconfio que a intenção da autora não foi apenas mostrar que os homens são rasos e o amor é uma comédia de erros. Essa tese já foi muito bem defendida pelos especialistas: Flaubert, Machado e Proust. A beleza do romance de Waldman está mais nos detalhes. No modo proustiano como os pequenos gestos são descritos -o movimento das mãos, um olhar-, revelando incontáveis marcas antropológicas. (NELSON DE OLIVEIRA)

AUTORA: Adelle Waldman
TRADUÇÃO: Marcia Blasques
EDITORA: Casa da Palavra
QUANTO: R$ 39,90 (256 págs.) e R$ 26,99 (e-book)
AVALIAÇÃO: muito bom


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