Folha de S. Paulo


Jornalista de 9 anos rebate críticos e se torna estrela da mídia

Associated Press
Hilde Lysiak começou seu jornal,
A norte-americana Hilde Lysiak começou seu jornal, "Orange Street News", com 7 anos

Uma jornalista de 9 anos de idade se tornou sensação na mídia esta semana, quando foi tema de artigos nos jornais "Washington Post" e "Guardian" e entrevista ao programa de TV "Good Morning America". Novas entrevistas virão.

Tudo começou quando Hilde Kate Lysiak, editora responsável e repórter do "Orange Street News", um jornal mensal com circulação de 200 exemplares, publicou a primeira reportagem sobre um homicídio em seu bairro, no sábado.

A manchete: "Exclusivo: assassinato na rua 9!"

Usualmente, o site de Hilde contém notícias locais sobre a comunidade, com algumas reportagens sinalizadas como destaque por meio de um luminoso de polícia, em vermelho e azul: "Urgente: Gambá Morto a Tiros na rua Grove! Talvez Raivoso!", diz uma das manchetes.

Mas foi o homicídio e a resposta seca da repórter aos críticos que a lançaram ao estrelato na mídia e conquistaram jornalistas do mundo inteiro.

No dia do homicídio, Hilde foi ao local do crime, entrevistou vizinhos e postou um artigo, uma foto e um vídeo. "Um homem é suspeito de ter assassinado sua mulher a marteladas", ela escreveu, acrescendo que "moradores reportaram ter visto uma pessoa transportada em uma padiola, mas foram instruídos pela polícia a não falar com a mídia".

Quando o artigo dela foi postado, surgiram muitos comentários e críticas na página de Facebook do "Orange Street News". Algumas pessoas questionaram se era apropriado que uma menina de 9 anos cobrisse um homicídio. Houve quem sugerisse, até, que ela deveria estar brincando de boneca.

O que Lysiak fez? Ela gravou um vídeo. Usando um broche que dizia "amo a liberdade de expressão" e uma fita vermelha nos cabelos, ela encarou a câmera e leu alguns dos comentários negativos sobre ela –mais ou menos como fazem as celebridades que leem diante as câmeras do programa "Jimmy Kimmel Live" tweets desairosos sobre elas. Veja abaixo.

OSN Responds To Critics

"Acho repulsivo que essa menininha bonitinha acredite ser uma jornalista de verdade", ela leu, citando um comentário. "Por que as crianças não querem mais fazer chá para suas bonecas?"

Lysiak ofereceu sua resposta, em seguida.

"Sei que alguns de vocês prefeririam que eu me sentasse e ficasse quieta porque tenho 9 anos", ela disse. "Se vocês querem que eu deixe de cobrir as notícias, saiam da frente de seus computadores e façam alguma coisa quanto a elas".

E depois, aproximando o rosto da câmera: "E aí, bonitinha o suficiente para vocês?"

Lysiak postou o vídeo no domingo. Em poucos dias, ele se tornou sensação, e numerosos veículos noticiosos escreveram ou gravaram vídeos sobre ela.

O pai de Hilde, Matthew Lysiak, disse que a família recebeu tantos telefonemas que ele teve de desligar o telefone. Mas mais tarde eles começaram a conversar com as agências de notícias. Na quinta-feira, Hilde e a mãe, Bridget Reddan, 38, foram entrevistadas no "Good Morning America". Mais tarde naquele dia, a menina e sua família foram levados a uma visita improvisada à redação do "New York Times".

Matthew Lysiak, que no passado foi repórter policial do "Daily News", disse que o trabalho dele expôs sua filha ao jornalismo, e que ela era "obcecada" por reportar casos de vandalismo em seu bairro. A menina começou a desenvolver fontes na área e conquistou a confiança das pessoas –e foi assim que ela conseguiu furar todos os demais veículos quanto ao homicídio na rua 9.

Matthew disse que ele e a mulher estavam orgulhosos da maneira pela qual Hilde encarou as críticas.

"Uma coisa é conseguir um grande furo, mas na vida você terá de enfrentar muitas adversidades desse tipo", disse Matthew, que edita "levemente" os artigos da filha e a ajuda a editar as manchetes.

A família morava em Brooklyn antes de se mudar em 2014 para Selinsgrove, uma cidade de 5,8 mil pessoas na Pensilvânia, cerca de 80 quilômetros ao norte de Harrisburg. Lysiak disse que a filha acompanhava o seu trabalho quando ele fazia reportagens em Nova York.

Hilde e a irmã Isabel, 12, estudam em casa; as duas outras filhas do casal tem 4 anos e 18 meses de idade, respectivamente. Os pais disseram ter dado liberdade às filhas para que sigam suas paixões, sob a teoria de que o envolvimento as fará aprender.

"Eu entendo", disse Matthew Lysiak. "É compreensível que alguém questione por que uma menina de nove anos está cobrindo uma cena de crime".

Mas ele disse que os pais atuais vivem tão preocupados com sequestros de crianças e outros crimes que se tornam superprotetores. A despeito das críticas, ele diz, os moradores do bairro vêm sendo muito prestativos com Hilde, que percorre as ruas locais de bicicleta mesmo no inverno.

Os admiradores do trabalho da menina vão além da família. Marvin Rudnitsky, presidente do Legislativo municipal de Selinsgrove, disse acreditar que os moradores apreciem os "esforços" de Hilde.

"É claro que todo mundo sorri quando ela não consegue alcançar o microfone nas reuniões do Legislativo a que presido", ele disse, por e-mail. Mas ainda assim, revelou, ele a chama de "Sra. Lysiak" e trata suas perguntas com seriedade.

Mesmo profissionais da mídia noticiosa expressaram admiração por seu trabalho. "Creio que Hilde Lysiak seja uma jovem impressionante e ambiciosa", disse Teri Henning, presidente da Pennsylvania NewsMedia Association, por e-mail. "Ser curiosa –e disposta a andar atrás da notícia– são qualidades essenciais para o bom jornalismo, e ela certamente demonstrou as duas coisas".

Jornalistas e cinéfilos provavelmente verão motivo para curiosidade na semelhança entre o nome da menina e o do personagem interpretado por Rosalind Russell em "Jejum de Amor", comédia romântica de 1940 em que a atriz contracena com Cary Grant. A personagem de Russell, Hildy Johnson, é uma repórter engraçada e loquaz.

A família só veio a descobrir o filme cerca de um ano atrás, quando um amigo o mencionou. "Hilde amou o personagem", o pai da menina disse. Ele comprou um pôster do filme para ela, e o cartaz está pendurado em seu quarto.

A menina parece pouco impressionada com a fama que ganhou como repórter que virou notícia. "Sinto que a atenção tem a ver com minha idade e não com o meu trabalho", ela disse.

Em um café da manhã em um restaurante Applebee's perto de sua casa, recentemente, Matthew Lysiak tentou avaliar os sentimentos da filha sobre a atenção feroz da mídia. Mas ela não estava prestando muita atenção, porque estava esperando o retorno de um telefonema à polícia sobre uma série de casos de vandalismo que cobriu. Mais cedo, ela havia passado 45 minutos rondando a delegacia de polícia, apesar do frio.

Adotando o lema dos bons repórteres, o de que a qualidade de seu trabalho é sempre medida pela qualidade de sua reportagem mais recente, ela voltou a Selinsgrove um dia depois da rápida passagem por Nova York e foi direto para a delegacia, de novo em busca de detalhes sobre uma detenção no caso de vandalismo.

Ela esperou por uma hora, e voltou de mãos vazias –dessa vez.

Tradução: PAULO MIGLIACCI


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