Folha de S. Paulo


Garoto autista e mãe escrevem livro sobre dragãozinho perdido da família

Quando tinha dois anos, Thor Cugnier Guenther foi diagnosticado com autismo. Os médicos não sabiam se ele conseguiria falar um dia. Hoje, aos 11 anos, o garoto acaba de lançar um livro e conta como teve a ideia: "A professora de português me passou uma tarefa e eu pensei em transformar num livro. Adoro dinossauros e dragões", diz ele à Folha por telefone.

"O Bebê Dragão", lançado em outubro, é sobre um dragãozinho, chamado Popeye Júnior, cujo ovo foi encontrado por uma família de humanos. Ao longo da história, o dragão e seu amigo, RJ, tentam encontrar os verdadeiros pais de Popeye Júnior.

A aventura foi criada e desenhada pelo próprio Thor e depois escrita pela mãe, Claudia Guenther. Ela aponta que o filho está sempre tendo novas ideias. "Tudo na cabeça dele vira história, e ele tem uma para contar todo dia", diz. "Falam que crianças com autismo têm dificuldade com interação social, de se colocar no lugar do outro, de entrar no mundo da imaginação, mas o Thor acabou rompendo com essa característica."

Como não tiveram apoio de editoras, Thor e a mãe lançaram o livro de forma independente. Em 2011, Claudia, que é fonoaudióloga, também havia publicado "A História do Thor: um Tom e um Som para as Palavras que Não Foram Ditas", contando como foi o processo de diagnóstico e tratamento do filho.

A mãe conta que Thor sempre estudou em uma escola regular. "A relação que ele tem com a turma é um barato, a turma o abraçou", diz Claudia.

Quando está em época de aula, o menino vai à escola de manhã e, quando não ocupa a tarde com os atendimentos terapêuticos ou dever de casa, adora assistir a animações. "Hoje vai ter um filme do Charlie Brown e do Snoopy", disse ele na entrevista. "Eu acompanho tudo sobre cinema e sei quando vão ser as estreias."

Thor diz que não vê a hora de escrever um próximo livro. E ele já tem até o enredo na cabeça: "Vai ser uma história no deserto do Saara: os vilões vão ser coiotes, vai ter uma águia que não sabe voar e uma naja sem veneno", revela.

O QUE É AUTISMO

O autismo –ou Transtorno do Espectro Autista– afeta diferentes aspectos da comunicação. O professor Estevão Vadasz, do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, explica que os principais sintomas são dificuldade em estabelecer contato visual, problemas de socialização, comportamentos repetitivos e até mesmo falta de coordenação motora em alguns casos.

"Cada caso pode ser mais intenso ou menos intenso. Mas, se a criança é tratada adequadamente, como foi o caso do Thor, ela vai tendo uma melhora", diz. Vadasz reitera que o diagnóstico deve ser feito o mais cedo possível, com um ano e meio, para que o tratamento possa surtir melhores resultados.

"Tenho muitos pacientes já adultos e adolescentes que estão namorando e na faculdade", diz. "Há uma possibilidade muito grande de viverem uma vida normal."

Estima-se que existam no país 2 milhões de crianças com autismo, mas 95% delas ainda não foram diagnosticadas. "Geralmente no Brasil o diagnóstico é tardio, feito entre o quinto ou sexto ano de vida. Ainda dá para trabalhar bem, mas não é o ideal", aponta Vadasz.

O pesquisador afirma que a criatividade de Thor é comum em muitos autistas. "Eles têm uma fixação muito grande em dinossauros, dragões, criam personagens. Na parede do meu consultório, tenho um quadro de uma criança que desenhou um dragão e hoje em dia ela é adulta e virou ilustradora", conta.


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