Folha de S. Paulo


'Dá pra falar tudo para a criança, mas não de qualquer jeito', diz escritora

A autora Marina Miyazaki Araujo encontrou uma maneira delicada de abordar um tema difícil no livro "Pai Francisco" (Pólen Editorial; R$ 25,90). Partiu de uma canção popular que tem o mesmo nome para falar de um menino que tem o pai na prisão.

Deferentemente da música –que diz "Pai Francisco entrou na roda tocando seu violão; vem de lá seu delegado e pai Francisco foi pra prisão"–, no livro quem conta a história é o próprio garoto, com um jeito de falar típico das crianças. E uma compreensão sobre Francisco típica de um filho: cheinha de amor.

A "Folhinha" conversou com a autora para saber mais sobre o livro. Por e-mail, ela contou a história de um garoto que tem o pai na cadeia e leu o livro, e alertou sobre a importância de proteger as crianças cujos pais cumprem pena.

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Folhinha - Por que decidiu falar sobre este tema? Já passou por situação similar?
Marina Miyazaki Araujo - Não passei por situação similar. Decidi falar sobre o tema principalmente porque a família, na maioria dos casos, fica desassistida em vários aspectos. Além do descaso, sofrem tanto preconceito quanto a pessoa que está cumprindo a pena. E as crianças são as maiores vítimas, não há quem as proteja, nem as fortaleça para as situações que enfrentam na escola, por exemplo. Acho que não há quem lhes dê voz, de certa forma são "invisíveis" para a sociedade.

Como surgiu a ideia? Veio da canção Pai Francisco?
De muita coisa. Quando eu era criança e ouvia a cantiga de roda "Pai Francisco", achava estranho a música não dizer o motivo da prisão do pai Francisco, afinal ele estava apenas tocando violão! Na verdade, eu não gostava de ouvir essa música, acho que em solidariedade ao pai Francisco, fazia o meu boicote em segredo.

Depois, quando veio a música "Velho Francisco", do Chico Buarque, fiquei imaginando como teria sido a vida do Velho Francisco. Mas, além, dessas coisas, as mais importantes foram já ter trabalhado com pessoas que tiveram parentes presos, e com profissionais que atuavam diretamente com os egressos do sistema penal (ex-detentos), na reinserção social e no trabalho.

Acha que existem temas tabu ou dá para falar sobre qualquer assunto para crianças?
Acho que dá pra falar qualquer coisa, mas não de qualquer jeito. É só ser simples, sem teorizar muito. Acho desnecessário ficar antecipando aquilo que depois ela mesma pode descobrir sozinha, ou pode vir a perguntar mais madura. Não adianta aprofundar muito o assunto. Mesmo a criança mais genial tem a mesma maturidade emocional de qualquer outra criança. O assunto do livro é complexo e pesado pra qualquer adulto, e para a criança também é, por isso acho importante falar, ela é membro da família, está passando pelo mesmo problema, tem direito a saber. E, se não falarmos, ela estará lidando com isso sozinha.

Quais as dificuldades que encontrou para abordar o tema? E quais os cuidados que procurou ter?
Não vitimizar, não fazer da criança um coitadinho –até porque ninguém pode ser tratado como coitadinho. Outra dificuldade foi eliminar juízo de valor, conceitos, preconceitos pra ter um pensamento quase imaculado de criança. Bem, foi o que tentei, mas tenho consciência da impossibilidade. Meu medo era ficar piegas, adulto imitando criança é um perigo.

Por que escolheu falar em primeira pessoa, e com uma linguagem próxima à da fala da criança?
Falar em terceira pessoa só se fosse uma outra criança falando por essa criança, porque um adulto contando essa história teria a interferência que eu não queria. Acho que, quando é a criança dizendo o que sente, o assunto polêmico e pesado entra com maior facilidade para aqueles que ainda guardam um preconceito sobre o tema. Além disso, falar em primeira pessoa me facilita a empatia.

Como tem sido a recepção das crianças e dos leitores? Chegou a trabalhar o livro com filhos de presidiários?
Tem sido interessante porque a maioria dos comentários tem vindo de adultos, e tenho me surpreendido com os "marmanjos" dizendo que choraram, ou melhor, que "caiu um cisco nos olhos". O Emicida, por exemplo, elogiou o livro numa rede social.

Mas tive um retorno que considero o mais importante de todos, de um menino cujo pai cumpre pena em regime fechado, e disse que o menino do livro é igual a ele. Ele contou que esperava pelo pai para ensiná-lo a andar de bicicleta e, hoje, diz que o pai vai se orgulhar ao saber que aprendeu a andar de bicicleta sozinho.

É exatamente isso que eu penso, ele não é um coitadinho, cresce com/por algo que lhe fortalece: a ligação que tem com o pai. E isso independe do que a sociedade pensa desse homem, o importante é o que o filho pensa desse pai.


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