Folha de S. Paulo


Conheça a pirata que liderou um exército de 200 homens no século 16

Se você tivesse nascido na Europa, no século 16 e fosse um menino, provavelmente trabalharia ao lado de seu pai desde os quatro anos de idade. Não haveria escola para frequentar, e você não seria poupado de obrigações por ser criança.

As meninas, por sua vez, deveriam ficar ao lado das mães, cuidando da casa, supervisionando as plantações e o rebanho. Mas em 1530, na Irlanda, nasceu uma garota totalmente diferente e obstinada chamada Grace O'Malley.

Filha do grande capitão Owen O'Malley, Grace se tornaria a primeira rebelde dos mares, chegando a liderar um exército de 200 homens e lutando contra as leis da Inglaterra. Ela antecipou famosas piratas do Caribe que viriam mais tarde, como Ann Bony e Mary Read.

Divulgação
Estatua da irlandesa Grace O'Malley (c 1530 - c 1603), foi chefe do cla O Maille no oeste da Irlanda, seguindo os passos de seu pai Eoghan Dubhdara O Maille se tornando uma Pirata. Credit: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Estátua da pirata Grace O'Malley no jardim do Westport House, na Irlanda

PRECONCEITO

Grace se apaixonou pelo mar muito cedo e decidiu que viveria navegando, o que não foi nada fácil. Quando contou seus planos ao pai, ele riu e a proibiu, alegando que seu cabelo ficaria preso no mastro do navio.

Segundo lendas, para provar que seria uma excelente aprendiz –tão boa quanto um menino–, Grace cortou suas lindas e longas mechas vermelhas, vestiu calças e prometeu a si mesma que seria a melhor de todos a bordo da embarcação.

Impressionado com a audácia da filha única, o capitão a aceitou, sempre aos risos. Depois, a apelidou de "Grainne Mhaol", que significava "Grace, a careca", e ela passou a atravessar os mares com o pai e o irmão.

Alta, magra e de pele clara, a menina se tornou uma bela jovem e se casou, pela primeira vez, aos 16 anos. Seu marido, Donald O'Flahetyrs, a acompanhava nas viagens e admirava sua astúcia, competência náutica e estratégia militar.

Conhecedora das correntezas, que percorrera desde pequena, ela falava vários idiomas: latim, francês, espanhol, grego, gaélico. Como não frequentara escola, é provável que tenha se instruído com tutores e, principalmente, seu pai.

Viúva após 19 anos de casamento, com o primeiro marido morto em uma batalha, Grace logo se casaria pela segunda vez. Ao todo, teve quatro filhos, mas há lendas que citam outras crianças.

ENCONTRO COM ELIZABETH 1ª

Apenas uma mulher disputava com seu poder e carisma na época: Elizabeth 1ª, a grande rainha da Inglaterra. Criada na corte, cercada por conselheiros e habituada a manipulações políticas, Elizabeth tivera uma infância que era oposta à de Grace.

Muitas lendas falam do encontro das duas adversárias, que tiveram uma longa conversa em latim. Elizabeth devolveu a Grace terras que lhe haviam sido tomadas e libertou seu filho e irmão da prisão.

Em troca, Grace concordou em usar sua liderança para defender a rainha de seus inimigos na terra e no mar. Depois disso, ambas passaram a trocar cartas que expressavam uma amizade marcada por rivalidade, respeito e identificação.

Grace viveu até quase 70 anos, o que era muito raro naquele tempo. Sua vida se tornou símbolo de liberdade na Irlanda e inspirou inúmeros poemas, lendas e canções.

HELOISA PRIETO é autora de diversos livros infantojuvenis e está escrevendo "A Rainha Pirata: As Aventuras de Grace O'Malley" (Edições SM), em parceria com o poeta Victor Scatolin


Endereço da página: