Folha de S. Paulo


É natural que crianças queiram aprender programação, diz psicóloga

É natural que crianças queiram saber como os computadores funcionam. Essa é a opinião da psicóloga Andrea Jotta sobre a procura dos pequenos por cursos de programação.

Algumas escolas privadas já até oferecem esse tipo de aula para os alunos –na maior parte, porém, adolescentes.

"Elas nem sempre aceitam o que vem pronto, feito por empresas", diz ela. "A tendência é que elas queiram que os programas se encaixem às suas necessidades."

Andrea Jotta é professora e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Psicologia e Informática (NPPI) da PUC de São Paulo e estuda a relação entre as pessoas e as novas tecnologias midiáticas, como internet, redes sociais e games.

Em entrevista à "Folhinha", ela comenta os prós e contras dos cursos de programação para crianças e alerta os pais sobre a importância de não supervalorizar o mundo virtual no desenvolvimento dos filhos.

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Folhinha - Considerando o tempo que as crianças já passam no computador voluntariamente, qual a sua opinião sobre o ensino de programação para crianças?

Andrea Jotta - Elas sempre tiveram a tecnologia no dia a dia delas, acaba sendo um passo quase automático elas quererem saber como aquilo acontece. Existe uma tendência do próprio usuário criar o que ele procura no virtual, sem estar mais na mão de grandes empresas. O que para os mais velhos pode ser visto como um absurdo, para as crianças é natural.

Algumas falam que passam a ficar mais tempo no computador depois de começar o curso. Isso não é prejudicial?
A partir do momento em que você tem os smartphones, acaba sendo utópico pensar que uma hora essas crianças vão se desligar. É como a luz elétrica, você não percebe mais se ela está ligada ou desligada.

Esses cursos seriam então uma consequência de as pessoas estarem se acostumando com a tecnologia e quererem descobrir o que existe por trás dela?
Exatamente. Esse consumidor virtual nem sempre aceita o que vem pronto. Os mais velhos estão muito acostumados a consumir o que grandes empresas estão fazendo para eles, sem nenhuma grande alteração. Mesmo que aquilo não seja perfeito, você vai se adequar ao programa. A tendência é que essas crianças queiram que o programa se encaixe às necessidades delas. Por isso, as aulas de programação e aplicativos acabam sendo utilizadas como pedagogia.

Algumas crianças entrevistadas falaram que estão fazendo o curso porque querem trabalhar com isso no futuro. Ele serve como complemento à formação no mercado de trabalho?
É trabalho, é um campo a ser aberto, mas o desenvolvimento de uma criança se dá de forma integral. Os pais têm que pensar que a criança não é um adulto, ela vai consumir o que lhe for dado para consumir. Se essa criança tem como hábito ficar muito tempo no computador, vale a pena negociar. Ela faz o curso, mas, em contrapartida, vai fazer outras coisas, como jogar bola, olhar o céu, ir à praia. A virtualidade não entra para substituir contatos ou experiências que a criança possa vir a ter com outras coisas.

Antes, aprendia-se computação por tentativa e erro. Ter um curso com uma proposta pedagógica sobre computação é positivo?
Sim, porque você está diminuindo a possibilidade de, nessa tentativa e erro, ela encontrar alguma coisa que não esteja madura o suficiente para ver. Quando se está em um ambiente fechado, como acontece com os cursos, trata-se de um lugar mais limitado. A possibilidade de uma criança entrar em um beco escuro no mundo virtual dentro de um curso pedagogicamente estruturado é muito menor do que se estiver sozinha.

Alguma recomendação para os pais que buscam cursos de programação para os filhos?
Acho que eles não podem supervalorizar isso, porque existe essa onda de que essas crianças podem virar "superstars". Por mais que os pais olhem o filho na computação e nos cursos de aplicativo e o vejam como um pequeno gênio –porque para os adultos isso é superdistante–, para as crianças, é normal. Para eles não é muito difícil entender como funciona. Também é importante não deixar a criança na internet 24 horas por dia. São crianças e devem ser tratadas como tais. É preciso observar: seu filho está se alimentando, está dormindo?


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