Folha de S. Paulo


Conheça crianças que nasceram de 'produção independente' e não têm pai

Assim que chegou da escola, Rafael, 3, perguntou: "Mãe, o que é Dia dos Pais?".

A dúvida surgiu porque ele vive em um modelo de família que poderá ser cada vez mais comum –a de mães que decidiram ter um filho sozinhas, sem um pai.

A chamada "produção independente" é possível com a ajuda da ciência. O método mais comum para a mulher ficar grávida nesses casos é a fertilização in vitro, que usa células doadas por um homem (veja abaixo).

Não é que a criança não tenha pai: o doador é o pai biológico dela. Mas a mãe e a criança não saberão quem é essa pessoa –a lei não permite que o laboratório revele. Nem o doador sabe para quem suas células foram doadas. Dessa forma, ele não fará parte da família nem exercerá o papel paterno.

Lilian Gouvea, 50, mãe de Rafael, explicou para ele o que é Dia dos Pais: "É uma data para filhos e pais comemorarem. Como você não tem um, festejamos nós dois." Ela leva o filho para a escola, às aulas de natação, prepara a comida, ajuda no banho, faz tudo.

Para Belinda Mandelbaum, do Instituto de Psicologia da USP, é importante que uma criança como Rafael tenha relações próximas também com outras pessoas. "Precisa desenvolver outros vínculos e não ficar em uma 'bolha' materna. Geralmente, o pai faz esse papel. Sem ele, outras pessoas devem fazer isso, como avós, tios e padrinhos", opina.

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Fertilização

DOIS EM UM

Desde os anos 1970, embriões de bebês podem ser gerados em laboratório. Um casal pode recorrer a esse método se não conseguir ter filhos naturalmente, mas ele também é utilizado por mulheres que decidem ser mães sozinhas, com a célula de um doador.

"Quem procura a produção independente normalmente é uma mulher com mais de 35 anos, que não tem namorado ou marido, mas tem vontade de ser mãe", diz Edson Borges, especialista em reprodução humana da clínica Fertility, em São Paulo.

Foi o caso de Marilene Alves, 46. "O desejo de ser mãe fica forte, mesmo sem ter alguém para ser o pai." Após a fertilização in vitro, em 2014, nasceram os gêmeos Pedro e Lucas. O procedimento pode custar em torno de R$ 20 mil. Marilene conseguiu pagar menos (R$ 5.000) com a ajuda do Projeto Beta, que leva em conta a renda para definir o preço.

DÚVIDAS

Quando a criança começa a crescer, é natural que surja uma curiosidade sobre o fato de não ter um pai presente. Para a psiquiatra Belinda Mandelbaum, o melhor é que a criança saiba a sua origem. "Todo mundo precisa saber de onde veio."

O tema é abordado na novela "Sete Vidas", exibida às 18h na Globo (classificação 10 anos). Na história, filhos que nasceram de um doador conhecem o pai.

"Se um dia o Rafael quiser procurar o doador, eu ajudo, se for possível", diz Lilian Gouvea.

Mas isso ainda não passa pela cabeça dele, que tem só três anos. Ao ser questionado por um amigo quem era o seu pai, Rafael respondeu: "É o 'dindo'". "Ele supre essa figura com o padrinho. Por enquanto, ele é bem resolvido", conta a mãe.


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