Folha de S. Paulo


Adriana Falcão fala sobre seu livro infantil indicado ao Jabuti

Para muitos autores, escrever ajuda a curar feridas, a entender melhor seus sentimentos e a esclarecer suas dúvidas. A escritora Adriana Falcão, 54, lançou recentemente dois livros autobiográficos (ou seja, que falam sobre fatos que ela realmente viveu). Um deles foi voltado para crianças: "A Gaiola".

O livro trata do amor entre uma menina e um passarinho, que precisam enfrentar a dor da separação. Adriana o escreveu depois que ela e seu marido se separaram, e a obra lhe ajudou a enfrentar este momento delicado. No fim da escrita, ela conta, sentiu-se mais livre.

Na conversa abaixo, ela fala um pouco sobre a criação do livro, e também sobre a experiência de ser avó pela primeira vez.

Reprodução
Ilustração do livro
Ilustração do livro "A Gaiola"

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Em "A Gaiola", você trata de um tema difícil e autobiográfico. Por que quis escrever sobre isso?
Adriana Falcão - A minha neta nasceu em novembro de 2009. E em dezembro de 2009 eu me separei. A primeira coisa que fiz foi um livro de criança. Porque estava muito ligada de novo ao compromisso de falar com elas, por causa da minha neta. Antes escrevia para botar pra fora minhas inquietudes. Com "A Gaiola", pela primeira vez, foi uma necessidade pessoal. Trata de um tema muito forte. Quando me separei, fiquei muito perdida e tive que me reinventar. "A Gaiola" faz parte dessa reinvenção. Se hoje eu estou bem, feliz, devo muito a tudo que consegui reavaliar e expurgar [se libertar de algo] nesses dois livros. E me fez muito bem.

Como surgiu o caminho para falar sobre isso para crianças? A menina, a gaiola, o passarinho...
A gaiola já era uma imagem que eu usava quando falava com meus amigos sobre a separação. À medida que a gente ia se afastando, eu dizia que ia "alargando a gaiola". Essa história já foi muito usada, da menina e do passarinho, tem várias canções com isso. E ela cabia muito bem neste tema. Foi tudo com imagens para crianças –gaiola, passarinho–, mas é exatamente o que sinto. Como se existisse um mundo perfeito naquele amor. De alguém que ama alguém e não quer perder, e até pede pra ficar preso na gaiola para garantir que aquilo vai durar. Mas descobre que não, tem uma vida lá fora que ainda o atrai.

Você acha que dá para falar sobre qualquer tema com as crianças?
Penso em algo que está muito claro em tudo que escrevo, e principalmente para crianças: só com amor. Eu tinha muito medo de "A Gaiola" desfazer nas crianças a fantasia, o sonho de um amor eterno. Eu tinha tanta fé no amor, e coloquei o amor em cheque. Mas existem separações, e existe o amor em que as pessoas se dão inteiras mesmo, em que o amor é o mais importante.

O livro é dedicado à sua neta Isadora. Fale um pouco desta outra forma de amor, entre avó e neta.
É melhor do que ser mãe, é óbvio, porque não tem o trabalho do dia a dia. É engraçado porque com a Isadora, 5, a gente tem uma identificação muito grande. Isadora já contém minha mãe, meu pai, eu, minha filha, uma união de almas muito importantes pra mim. É como se ela fosse uma condensação da minha vida toda. A vida continua através dos filhos e dos netos. Não consigo te responder nada além desse clichê porque é essa mesmo a sensação. É o amor da continuidade. E é muito bom. Ter de novo uma criança aos 49, a idade que eu tinha quando ela nasceu, é uma renovação de esperança, uma aposta no futuro.

A literatura também pode ser uma gaiola para você?
Não. A literatura sempre me liberta. Claro que tem dia em que tenho que terminar um texto e não estou inspirada, e me dá uma sensação de aprisionamento porque não tenho como fugir. Isso quando é um texto sob encomenda, com um objetivo. Quando escrevo meus livros, tenho uma liberdade maior. Quando termino, em geral, acho que estou uma pessoa melhor do que estava quando comecei a escrever. E me sinto mais livre.


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