Folha de S. Paulo


Do candomblé ao budismo, crianças falam como é o Natal em diferentes religiões

Como é o Natal de crianças que não seguem a religião católica?

A "Folhinha" de 22 de dezembro de 2001 entrevistou meninos e meninas que seguem diferentes religiões: candomblé, budismo, judaísmo e islamismo. E perguntou o que o dia 25 de dezembro representa para elas.

Leia a baixo a íntegra da reportagem.

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Você imagina que o Natal é comemorado apenas do jeito que você conhece? Saiba que há quem comemore de forma diferente. Muita gente, aliás, nem comemora essa data natalina, que é uma festa cristã, pois marca o nascimento de Jesus Cristo.

A Folhinha conversou com crianças praticantes de diferentes religiões para saber como elas passam o dia 25 e como vivenciam os diversos aspectos de suas religiões.

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BUDISTA CANTA MANTRAS À NOITE

Os budistas entrevistados pela Folhinha até comemoram o Natal, "mas com outro enfoque", conta a mãe de Arthur Silva, 5. Ambos são praticantes do budismo tibetano.

Porém o professor de budismo Roque Severino diz que isso não acontece em países em que essa religião é mais difundida, como a China e a Índia.

"O budismo está no nosso coração", diz Arthur, segurando o colar com a imagem de Buda que nunca tira do pescoço. "É para me dar proteção", explica.

Embora ainda não saiba escrever, ele fez ma sádana (livro de mantras), em que "escreveu" os mantras (canções religiosas) e desenhou uma imagem de Buda.

Beatriz Fragata, 4, sabe alguns mantras de cor e os entoa antes de dormir. "Eu comecei a cantá-los para ela ficar tranquila e não ter pesadelos", diz a mãe da menina.

Caio Guatelli - 22.dez.01/Folhapress
Crianças oram diante de altar budista
Crianças diante de altar budista

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ORIXÁS REPRESENTAM AS FORÇAS DA NATUREZA

Iemanjá, Xangô, Iansã e Oxalá são alguns dos orixás (deuses) cultuados pelos adeptos do candomblé. Provavelmente você já ouviu falar de alguns deles, mas já sabe o que eles significam? "No candomblé, os orixás são a própria natureza", explica Péricles Egydio, 10.

Ele é filho de Oxalá (pai de todos os orixás). No candomblé, todas as pessoas têm um orixá, para o qual fazem orações e oferendas. Quando são iniciadas, as pessoas incorporam seus orixás nos rituais que acontecem nos terreiros.

Mãe Sílvia, ialorixá do terreiro Axé Ilê Obá, em São Paulo, fala que eles fazem a ceia e trocam presentes de Natal. Mas a festa não tem nenhum significado religioso para os adeptos do candomblé. Péricles confirma: "Não dá para misturar as coisas, os cristãos têm suas crenças e nós, as nossas".

Marco Antônio Donesi, 11, diz que fica chateado com o preconceito. "Tenho um professor que discriminou um aluno por causa da religião (o garoto era praticante do candomblé), e eu fui falar com a diretora". Péricles não se incomoda e diz: "tenho orgulho em ser 100% negrão".

Eles participam de todas as cerimônias do terreiro e incorporam os orixás –16 no total. "Cada um tem sua dança e uma saudação", explica Péricles. Para Amanda Reis, 9, que é filha da orixá Nanã, todos eles têm a mesma importância. "Eles são a nossa vida; eles fizeram o mundo."

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UM DIA COMO OUTRO QUALQUER

Na mesquita de São Bernardo do Campo, o garoto muçulmano Mouhamed Hassan, 12, deu um lenço à repórter da Folhinha e comentou: "Você não pode ficar aqui desse jeito, vista isso". Só depois de cobrir a cabeça e os braços e de tirar os sapatos é que começamos a entrevista.

Os seguidores do islamismo não comemoram o dia 25 de dezembro que, para eles, é um dia normal. "As pessoas até me falam 'Feliz Natal', mas eu não ligo. A gente esquece, pensa em outras coisas", diz Carima El Orra, 8.

Neste mês, enquanto os católicos esperam o Natal com árvores, perus e presépios, os muçulmanos passaram pelo Ramadã (nono mês do calendário islâmico, em que são celebradas datas importantes da religião) e jejuaram desde o nascer até o pôr-do-sol.

Os muçulmanos acreditam que, com isso, a alma se purifica. "Quando nós jejuamos, o legal é sentir o que os pobres sentem", fala Carima, que assim como algumas crianças da mesquita, fala árabe.

A amiga dela, Leila Ali Abdouni, 8, contam que algumas meninas oferecem o lanche de propósito quando elas estão em jejum. "Nós ficamos com vontade, mas deixamos para depois", diz. Algumas crianças já quebraram o jejum, mas isso só deve ocorrer em situações extremas, como quando bate aquela dor de estômago.

Quando questionado sobre os atentados de 11 de setembro, o garoto Ahmad Amame, 9, diz: "O presidente Bush (EUA) não tinha provas e já saiu matando civis inocentes. Acho que Osama não foi o culpado. A minha religião não mente". Depois de dizer essa frase, o menino Ahmad saiu esbaforido pela porta da mesquita.

André Sarmento - 22.dez.01/Folhapress
Leila e Carima em mesquita em São Bernardo do Campo
Leila e Carima em mesquita em São Bernardo do Campo

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HANUKAH OCORRE PERTO DO NATAL

Os judeus não comemoram o Natal, mas têm uma festa que geralmente acontece neste mês, o Hanukah (pronuncia-se ranucá).

A data do Hanukah muda, pois o calendário dos judeus é lunar. Os meses são diferentes e, a cada três anos em média, eles têm um ano de 13 meses.

Em vez de presentes, as crianças judias costumam ganhar dinheiro durante o chanuká. "Eu gosto do dinheiro e de comer os sonhos", diz Thales Aronis, 12. "Gosto de acender as velas", diz Liat Baroukh, 8. "E eu, de brincar de sevivon (espécie de pião)", completa Liat Wolff, 8.

Esses são alguns dos elementos típicos da festa. O Hanukah comemora a vitória dos judeus sobre os gregos, que queriam impor a sua religião àquele povo. O símbolo é o hanukiah (espécie de candelabro de nove velas). Por isso, a cerimônia é conhecida como "festa das luzes".

Assim como o Hanukah, outras festas do calendário judeu acontecem em datas próximas às das comemorações cristãs. "Eu gosto do Purim porque é uma festa alegre e eu me fantasio", fala Karen Rosemberg, 7. O Purim acontece perto do Carnaval.


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