Folha de S. Paulo


'É muito difícil escrever para crianças', diz Míriam Leitão sobre primeiro livro infantil

Certa manhã, Míriam acordou inspirada. Ela sentou e escreveu algumas páginas sobre os passarinhos que viviam na sua fazenda, em Minas Gerais.

Mas, ao invés de apenas contar o que viu, ela se colocou no lugar dos passarinhos e narrou a história pelo ponto de vista deles. Míriam leu o livro para Mariana, 7, sua neta mais velha. A menina aprovou e ela resolveu levar a ideia adiante. Assim nasceu "A Perigosa Vida dos Passarinhos Pequenos" (Rocco, R$ 34,50 ).

Na trama, os passarinhos pequenos estão sendo ameaçados pela falta de árvores para fazer seus ninhos. Juntos, eles traçam um plano para mudar essa situação --ao mesmo tempo em que precisam se defender dos pássaros maiores.

Míriam Leitão é jornalista especializada em economia. Ela nasceu em Caratinga, Minas Gerais, e passou a infância lendo e observando a natureza, paixões que ela uniu no livro. Em entrevista para a "Folhinha", ela falou sobre sua infância, meio ambiente, literatura e, claro, pássaros.

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Folhinha - Quando a fazenda foi comprada?
Míriam Leitão - Em 1998. Eu e meu marido, Sérgio Abranches, percebemos que a mata era boa, então decidimos trabalhar para fazer a RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Natural). Passamos a cumprir várias regras do Ibama. Não podemos, por exemplo, cortar nenhuma árvore.

Quando começamos a proteger e plantar, logo vimos a primeira mudança: a água do poço do vizinho aumentou. Isso porque água e área vegetada têm relação direta, assim como a quantidade de pássaros e a área vegetada.

Como surgiu o nome Brejo Novo?
Brejo era o nome da fazendo do avô do meu marido, queremos dar a ideia de que esse brejo está sendo refeito.

Porque você escolheu a visão dos passarinhos pequenos para contar a história?
Eles são uma forma doce de falar do meio ambiente. Fui me envolvendo com os pequenos, nada contra o tucano, o gavião, a coruja, eles são lindos, mas, não quero esconder nada, eles atacam o ninho dos menores.

Como foi o processo de conhecer os pássaros, você teve aulas?
Foi muito interessante. Começou naturalmente, fui observando e ficando curiosa sobre eles. Antes de surgir a ideia do livro, eu e o Sérgio queríamos fazer o monitoramento da reserva para saber sobre a saúde da mata, porque algumas matas, por exemplo, não têm vida.

Contratamos dois monitores ambientais e depois de pesquisar eles ficaram surpresos: havia 156 espécies diferentes de aves.

Quando surgiu a ideia do livro comecei a mergulhar mais. Certo dia, acordei às 5 horas da manhã para passar um dia inteiro dentro da mata. Foi bom porque você esquece tudo quando está ouvindo e vendo pássaros.

O que te chamou mais a atenção?
Descobri coisas interessantes, por exemplo, que existem pássaros de mata aberta e pássaros de mata fechada. O sabiá consegue viver em área aberta, enquanto o tangará só sobrevive em locais onde as árvores dão frutos o ano todo. Foi bom apurar essas informações, porque não me acho uma especialista.

Quais mensagens você pretende passar no livro?
A primeira é a ambiental, da necessidade de preservar e de que precisam existir mais áreas cobertas com vegetação natural.

A segunda é de que ninguém consegue desenvolver um projeto sozinho. É preciso marcar um objetivo e traçar um caminho.

Na vida real muitas vezes enfrentamos o dilema: você está com um problema e chega um grupo externo com o mesmo problema. Existem duas opções, ou você se alia e se fortalece ou briga e, na maioria das vezes, se enfraquece.

Foi fácil escrever para crianças?
Não, é muito difícil, porque não somos mais crianças e porque fomos crianças em outra época. Mas eu queria brincar com elas.

Eu fui uma criança que tinha prazer na leitura, prazer de pegar o livro e descobrir página por página e queria recriar essa relação. As crianças de hoje estão dividas entre outras atenções, os games, por exemplo. Enquanto eles acionam uma parte do cérebro, os livros acionam outra. Essas atividades devem ser complementares.

Você costuma ler livros infantis?
Quando criança, eu largava qualquer brinquedo por um livro. Nada era tão engraçado quanto ler.

Quando tinha 10 anos entrei nos romances, porque não tinha mais livros para ler. Comecei com José de Alencar e Machado de Assis.

Algum deles é especial para você até hoje?
Li todos os clássicos dos irmãos Grimm e outros que ficaram muito marcantes, como "As aventuras do Barão de Munchausen" [Ed. Iluminuras, R$44,00], do século XVIII.

Ele tinha 200 páginas e eu li até gastar. O livro é muito surrealista, narra a história de um herói meio atrapalhado que entra em situações inverossímeis, como, por exemplo, cair no pântano, afundar e sair se puxando pelos próprios cabelos.

Qual a influência da leitura na sua vida?
Eu era muito tímida e quando ia falar os livros me davam segurança. Nesse livro eu quis tocar a todos com essa magia do livro. Ele te transporta, te faz mais forte e, sem dúvida, te prepara para qualquer profissão, você aprende a se organizar, a falar e a escrever bem.

Algum episódio te chamou mais atenção?
Depois que vi a cena dos passarinhos menores se defendendo dos gaviões, eu quis escrever pela perspectiva de quem sente a ameaça maior (apesar de os grandes também estarem ameaçados, porque todos lutam para que a mata cresça).

Vocês pretendem expandir a fazenda?
Sim, mas é um processo lento. Tudo é feito com investimento nosso e através de parcerias. É preciso ter convicção, acreditar que aquilo é certo, porque enquanto você planta muita gente continua desmatando.

No entanto, o Brasil é um país muito diverso, cada área da mata atlântica tem uma espécie diferente. No ano passado plantamos 700 mudas feitas por nós mesmos.

O Brasil também é um dos países que tem mais pássaros no mundo, temos que prestar mais atenção em todas essas riquezas.

As ilustrações de Rubens Matuck foram inspiradas nos pássaros que moram na fazenda Brejo Novo?
Rubens é mágico! Ele desenhou os pássaros sem conhecer a mata, só vendo as fotos, e o trabalho ficou maravilhoso. Estou completamente apaixonada pela ilustração do livro, por causa dele.

Pensa em escrever mais livros para o público infantil?
Sim, já estão prontos inclusive. O próximo "A Menina de Nome Enfeitado", também se passa numa área rural. Ele fala sobre o e encantamento de uma criança ao entrar no mundo da leitura e ver que as palavras tem significado.

Lançamento do livro em São Paulo
A Perigosa Vida dos Passarinhos Pequenos
QUANDO 29 de setembro, domingo, às 16h
ONDE Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, Pinheiros; tel. 00/xx/11/3814-5811


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