Folha de S. Paulo


Livros têm que tirar as crianças de onde elas estão, diz autor de 'Até as Princesas Soltam Pum'

Ilan Brenman nasceu em Israel, mas chegou ao Brasil quando tinha 5 anos, em 1979. Seus pais são argentinos, os avós, russos, e ele tem familiares nos Estados Unidos, na Alemanha e em outros cantos do mundo.

"Eu digo que sou a ONU, posso fazer uma Assembleia Geral das Nações Unidas com os meus familiares", conta Brenman, rindo.

Um dos mais bem-sucedidos escritores no Brasil, Ilan Brenman lança três novos livros que se juntam aos mais de 60 já editados. Em "Histórias do Pai da História" (Companhia das Letrinhas), o autor faz uma adaptação de cinco narrativas da obra seminal do grego Heródoto, "História".

Patricia Stavis/Folhapress
Para o escritor Ilan Brenman, os livros infantis têm de fazer sorrir, chorar e tirar a criança de onde ela está
Para o escritor Ilan Brenman, os livros infantis têm de fazer sorrir, chorar e tirar a criança de onde ela está

Em "Gabriel e a Copa do Mundo de 2014" e "Clara e a Olimpíada de 2016" (Brinque Book), ele coloca a duplinha já conhecida do público infantil para suar jogando futebol e praticando reinvenções das modalidades esportivas dos Jogos Olímpicos.

Por telefone, Ilan Brenman concedeu a seguinte entrevista à Folha.

*

Folha - Quando começou o seu interesse por "História", de Heródoto?
Ilan Brenman - Sou um apaixonado pelas histórias antigas há muitos anos. Leio tudo de história antiga que cai em minhas mãos, dos antigos gregos, dos persas. Recentemente, li dois livros do [escritor americano] Gore Vidal que eram um buraco na minha vida: "Criação" e "Juliano". Talvez faça algo relacionado a essas obras também. Comecei a ler "História" há muito tempo, mas dei início a esse projeto há uns quatro anos. Confesso que o que mais me interessou foi as narrativas fabulosas, que eu chamei de fofoca porque estava na cara que o Heródoto ouviu aquelas histórias e ele as narra como se fossem verdade. Depois encontrei essas mesmas histórias em contos populares medievais. Ou seja, eram lendas e ele encarou aquilo como verdade. A gente aprende muito lendo o que as pessoas escreveram no passado. As pessoas que desprezam o passado e que têm esse discurso de olhar só para frente me irritam profundamente. O passado elucida muita coisa.

O que mais te interessa nessas histórias?
Meu interesse está muito ligado à construção das narrativas. As narrativas antigas eram construídas com contadores de histórias, com fofocas, era mais ou menos "quem conta um conto aumenta um ponto", e isso me fascina demais. Isso se parece muito com os dias de hoje. A gente está em plena ebulição. Veja o que rola no Facebook, existem discussões diárias sobre o que aconteceu, o que não aconteceu, sobre o que é verdade e o que não é verdade, o que é ficção e o que não é ficção etc. Mas antigamente eles não tinham Facebook, era no pé do ouvido [risos].

"História", de Heródoto, é enorme, dividido em nove livros, centenas de narrativas. Quais foram os seus critérios de seleção das histórias que você usou no seu livro?
Como é dirigido para crianças, fiz uma seleção de histórias que elas pudessem curtir e se interessar. Tenho muitos livros para crianças pequenas, mas esse é para as maiores, mais familiarizadas com o mundo da leitura, que possam se divertir como eu me diverti.

Me parece possível também uma leitura compartilhada para os menores. É uma forma de apresentar novas palavras para os mais novos e desafiá-los.
É muito bom ouvir você falando isso. Quando faço livro para os pequenos sempre busco esse ideal [enriquecer o vocabulário dos leitores]. Se a criança não ouve uma palavra nova, nunca vai aprendê-la. A literatura infantil é infantil porque a criança lê, mas é literatura antes de tudo. A literatura infantil tem que crescer, tem que assombrar, ampliar repertório, fazer sorrir, chorar, deslocar as crianças do lugar onde elas estão. Acho que tenho conseguido esse caminho. A leitura compartilhada desse livro é possível, sim, sem dúvidas.

E a escolha da ilustradora, como foi feita?
Eu já tinha um livro com a Anuska, que é uma ilustradora maravilhosa. Fizemos juntos "O Que a Terra Está Falando", sobre o conflito no Oriente Médio. É um texto bem diferente, mais filosófico.

O trabalho gráfico está muito bonito. Você normalmente participa desse processo?
Sem falsa modéstia, como autor me sinto um pouco pioneiro nessa questão. Antes do meu primeiro livro, que é de 1997, eu já trabalhava com programas de leitura, tive uma relação muito forte com a literatura infantojuvenil e sempre fui apaixonado pelos ilustradores. Entendo a literatura para criança como alta literatura também. Temos que dar às crianças o que temos de melhor, tanto no texto quanto no projeto gráfico, aquilo é arte pura. Quero ter os meus parceiros sempre ligados ao meu trabalho. Busco sempre apresentar ao meu editor o artista que acompanha meus pensamentos e participar do processo de criação em conjunto. No caso da Anuska, foi assim.

Você lança também dois outros livros, "Gabriel na Copa do Mundo de 2014" e "Clara e a Olimpíada de 2016", que fazem parte de uma coleção.
Essa coleção eu tenho desde 2007 com a [ilustradora] Silvana Rando. E faz muito sucesso, é muito popular entre as crianças. Esses novos têm essa pegada. Fiz em 2009, quando o Brasil foi escolhido como sede das duas competições esportivas, mas saíram só agora. O livro do Gabriel arrebentou, esgotou em duas semanas. Só vivi isso com "As Princesas que Soltam Pum", que é o meu best-seller. Mas são livros bem diferentes do "Histórias do Pai da História", são para crianças menores. Essas personagens são as minhas filhas. E as histórias foram nascendo do meu cotidiano, de quando elas eram pequenininhas. Às vezes, alguns livros infantis parecem ser feitos apenas para os pais. O adulto fica deslumbrado, mas e a criança?


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