Folha de S. Paulo


Crianças saíram às ruas para pedir impeachment de Fernando Collor em 1992

Milhares de pessoas foram às ruas de todo o Brasil essa semana para pedir redução das tarifas de metrô, ônibus e trem. E muitas crianças acompanharam seus pais durante os protestos.

A "Folhinha" de amanhã (22) traz uma matéria com crianças que participaram das manifestações em São Paulo.

Mas essa não será a primeira vez que o caderno fala com crianças em grandes protestos. Há 20 anos, em 1992, jovens também saíram às ruas para pedir a saída do presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. Muitas crianças participaram na época, pintando os rostos de verde e amarelo e usando roupas pretas como forma de protesto.

Confira reportagem de 5 de setembro de 1992.

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O Brasil está bem bagunçado

"O Brasil está mais bagunçado que quarto de criança". Esse é o jeito encontrado por Cláudia Cruz, 10, para explicar a confusão com o presidente Collor. As crianças dizem que só veem CPI, PC Farias e Collor na TV, em jornais e revistas. Elas definem CPI como "Comissão Não Sei o Quê de Inquérito".

Veja como as crianças veem a crise política e o que significam coisas complicadas como CPI e impeachment.

Presidente tem direito de se defender
Mariana Fonseca, 11, acha que o presidente deve ter o direito de se defender antes que peçam sua saída do governo. Diz que até agora "não há provas suficientes. Muitos políticos roubam e querem aparecer como bonzinhos".

Fernanda Nobre, 11, acha que Collor está passando por uma fase difícil. "Se eu estivesse no lugar dele, eu renunciaria".

Para Marcelo Pelliciari, 11, quem governa o país não pode fazer as coisas escondido.

E Paulo Silveira, 13, fala que se o Collor for culpado deve sair do governo. "No lugar dele assume o vice-presidente. Ninguém sabe direito quem é Itamar Franco, vice-presidente do país", diz.

Victor Moriyama/Folhapress
Capa da edição de 5 de setembro de 1992
Capa da edição de 5 de setembro de 1992

Cláudia vestiu preto na Paulista

Cláudia Cruz,10, acha que o país está vivendo uma confusão. "Primeiro, o irmão do presidente briga com ele. Depois, aparecem os 'fantasmas', que não são fantasmas de verdade. Deve ser mais uma armação do PC. Agora tem o impeachment, que é alguma coisa parecida com 'vamos tirar o presidente do cargo'". Cláudia conta que passeou vestida de preto na avenida Paulista em 16 de agosto: "Na Paulista ganhou o preto. Só a TV Globo disse que ganhou o verde-amarelo".

Dinheiro vai para PC
Gustavo Quitério, 11, diz que "o presidente não devia ter deixado o PC ter pago as contas dele. Se ele não tivesse deixado, o irmão dele não tinha nada para falar dele". Para Gustavo, está todo mundo pensando que não vale a pena pagar impostos, pois o dinheiro vai para a conta do PC. E explica:" Quero um videogame, mas o PC pega o dinheiro e dá para a secretária. A secretária dá ao filho e é o filho quem compra o videogame", diz.

Fantasma não assusta
Cássio Castardella, 10, fala que a CPI investigou e já provou que PC Farias dava cheques e contratava 'fantasmas' para passar outros cheques. Alguns desses cheques, diz o menino, foram para pagar contas de Collor. "Fantasmas", explica Cássio, são pessoas que têm um nome, mas assinam cheques com outro nome. "Esses 'fantasmas' não assustam o presidente porque estão do seu lado', diz.

Tem gente revoltada
Carolina Lopes, 10, acha que muitas pessoas que votaram no Collor estão revoltadas: "O Brasil está muito confuso e essa bagunça começou com o PC e acabou no Collor".

'É só pega dinheiro'
Hélio Takashi, 8, diz que a política é só "pega dinheiro, pega dinheiro, pega dinheiro'. Ele fala que não sabe o que significa impeachment, mas "deve ser roubo".

Política é feia
Talita Gonzalez, 9, estuda no colégio Arquidiocesano. Ela acha feita a política do Brasil. Diz que o PC Farias "não está fazendo uma coisa boa". Talita conta que viu nos jornais e revistas, mas não entende direito o que é CPI e impeachment.

Interessa Pouco
Rafael Abdala, 10, diz saber que a CPI investigou o PC. Ele fala que o presidente tem que sair do governo. Rafael não sabe quem fica no lugar do Collor se ele deixar o cargo. "Política interessa um pouco às crianças e muito aos adultos", diz.

Crianças na rua
As crianças estão também nas ruas contra o governo Collor. Usam fantasias de fantasmas e colocam faixas na cabeça. O menino de óculos e sua família participaram da manifestação de 25 de agosto no Vale do Anhangabaú.

Entenda a 'confusão' no Brasil
A "confusão" no Brasil começou quando Pedro, irmão do presidente Fernando Collor, disse que PC Farias era "testa de ferro" de Fernando em negócios "fora da lei". Testa de ferro é quem faz papel de outra pessoa. Para investigar, foi montada uma CPI.

Um motorista, Eriberto França, disse que PC pagava as contas do presidente. Ele sabia disso porque era motorista de Ana Acioli, secretária de Collor.

A CPI viu que muitos cheques da empresa do PC iam para a conta de Ana. Ela usava o dinheiro para pagar as contas do presidente. A CPI encontrou "fantasmas", pessoas que assinavam cheques com nomes falsos para esconder que PC estava por trás.

Collor negou. Pediu para os brasileiros vestirem verde-amarelo em 16 de agosto. A maioria saiu de preto, para protestar contra ele. Collor disse na TV que seu ex-secretário particular, Cláudio Vieira, é quem colocava dinheiro na conta de Ana.

O dinheiro, falou Vieira, vinha do outro que ele tinha comprado no Uruguai. A compra foi chamada de "Operação Uruguai". Mas apareceu a secretária Sandra Oliveira, que disse que isso era invenção de Vieira. Falou que assistiu à invasão porque trabalha na empresa ASD, onde foi criada a "Operação Uruguai".

A CPI mostrou que Collor está envolvido com PC. Ele pode sofrer impeachment: deixar de ser presidente.


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