Folha de S. Paulo


Para psicóloga, emoção falou mais alto e faltou liderança na seleção

A emoção falou mais alto no jogo do Brasil contra a Alemanha e faltou liderança -algo que acontece com frequência em equipes brasileiras (no futebol e fora dele).

A análise não é de um especialista técnico em futebol, mas de uma psicóloga, Maria José Tonelli, especialista em psicologia social –área tratada por Sigmund Freud desde "Psicologia de grupo e análise do ego", de 1921.

Doutora em psicologia social e vice-diretora da Escola de Administração de Empresas da FGV, Tonelli falou com a Folha sobre o comportamento da seleção, do ponto de vista de uma equipe, após os 7 a 1 na semifinal da Copa.

De acordo com ela, o brasileiro é muito emotivo e tem mais problemas para reagir a uma dificuldade em equipe, como, por exemplo, no caso do futebol, tomar cinco gols antes dos 30 minutos do primeiro tempo.

No lugar de garra, surge a apatia.

"Eles perderam frente a uma equipe [da Alemanha] que joga tecnicamente, analiticamente, e não só na emoção", explica.

Leia a entrevista completa.

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Folha- Do ponto de vista de uma equipe, o que pode ter acontecido com o Brasil na semifinal contra a Alemanha?
Maria José Tonelli- Existe uma questão da experiência de uma equipe que nunca tinha jogado junto. Isso é bem importante. A equipe estava em campo jogando pela primeira vez juntos sem aqueles que são os seus dois líderes, Neymar e Thiago Silva. Não houve tempo para a equipe se preparar para isso. Como uma equipe pode estar bem junta se não teve tempo para trabalhar junta? Isso acontece também nas equipes em empresas. Além disso, não dá para enfrentar outro time forte, inclusive tecnicamente, como a Alemanha, sem uma liderança. E, na liderança, a questão da personalidade é fundamental. Neymar é jovem, simpático, aparentemente conseguia manter o grupo unido e imprimia um ritmo ao grupo.

Aparentemente o time se desestabilizou após os primeiros gols da Alemanha, no começo do primeiro tempo. No lugar de garra veio a apatia. Isso é comum em equipes brasileiras?
Sim, mas existe um contexto de momento. Os primeiros gols realmente desarticularam a equipe. Eles perderam frente a uma equipe que joga tecnicamente, que não é só emoção. São elementos que interferiram na atividade do grupo. E, volto a dizer: não era um grupo ainda. Para poder se consolidar, o grupo precisaria interagir um pouco mais. Além disso, por mais que uma pessoa não faça o jogo, a ausência dos dois líderes em campo do time parece ter sido fundamental.

David Luiz conseguiu ser um bom líder como capitão do time no lugar de Thiago Silva?
Tenho a impressão de que não. Ele estava apático. Uma pessoa pode ser uma figura incrível, simpática, um ótimo jogador, como é David Luiz, mas não necessariamente é um bom líder.

O que é um bom líder?
É aquele com quem você se identifica e que traz uma série de características que você tem ou gostaria de ter. O líder tem de fazer com que cada um esteja satisfeito e, ao mesmo tempo, mobilizado pelo interesse comum. O líder está disposto a trabalhar por todos sem deixar de trabalhar por ele. Isso é um pouco o Neymar. Leva um tempo para ter uma afinidade com um novo líder. Eles podem ter treinado alguns dias, mas não tinham jogado nenhum jogo de fato.

Vimos no jogo contra o México, que empatou zero a zero e foi para prorrogação, que o capitão do time, ou seja, o líder, sentou na bola e chorou. O Brasil reage mal ao sinal de que vai perder?
Sim. Nós não temos um bom preparo para quando algo dá errado. Isso faz parte da nossa cultura, embora no jogo contra a Alemanha, pelo que eu entendi, continuou havendo um apoio da torcida. A gente não tem tanto um espírito guerreiro como, por exemplo, justamente o povo alemão. A Alemanha tem historicamente uma capacidade de se reerguer, o brasileiro não. Em algum momento eu fiquei com medo de que eles não conseguissem terminar o jogo.

Chorar no jogo é ruim?
Não, é bom colocar para fora. Mas é interessante notar, especificamente, a questão da emotividade da equipe. A seleção brasileira é uma equipe que mostra mais emotividade do que a "média", choram mais, são mais religiosos. Seja quando ganha, que tem algo muito explosivo, seja quando perde. Repare que os alemães estavam ganhando, mas não estavam tão efusivos. Para o brasileiro, tudo fica grande, mas não necessariamente é pensado. A equipe tem manifestado essas emoções ao longo dos jogos, mesmo quando ganham. Acho que é a questão de ter menos emoção e mais preparo técnico, e isso não é restrito apenas ao futebol.

Como você observa a questão da emoção na formação de equipes do Brasil?
Já foi pior, mas ainda se observa muito paternalismo, escolhas menos baseadas em meritocracia e mais em relações de parentesco e de proximidade. Isso ainda faz parte, mas já diminui. Essa questão de meritocracia precisa ser reforçada na cultura brasileira. Não precisamos ir ao extremo de nos tornarmos países "frios", mas, sim, precisamos fazer escolhas menos emotivas. As empresas brasileiras percebem essas questões e têm, cada vez mais, profissionalizado seus negócios.

Isso é uma característica latina?
Sim, é muito diferente dos países anglo-saxões, por exemplo. Ninguém é contra as emoções, mas, veja, em alguns momentos o próprio técnico do time [Felipão] parecia estar atordoado pelo o que estava acontecendo. Nesse momento, alguém tem de tomar posição. Como em uma empresa em que um time está perdendo...é necessário que alguém assuma a liderança.

A Copa do Mundo é no Brasil. O brasileiro está preparado para lidar com pressão?
Não, e há uma pressão que ultrapassa o que deveria. Sempre se fala, em propagandas na TV, que somos um time de 200 milhões, mas não somos. O David Luiz, por exemplo, pediu desculpas na saída do jogo. Ele não tem de pedir desculpas. Alguém teria de perder. Espero que a gente possa aprender do ponto de vista prático e simbólico. Se a gente não sabe lidar com as emoções isso tem consequências práticas. É um aprendizado para todos, não só para o futebol. O país precisa melhor sua produtividade e sua eficiência, tecnicamente também. Do meu ponto de vista, o que vimos no futebol retrata também alguns aspectos da sociedade brasileira que precisam ser desenvolvidos.

E agora? O que esperar de uma equipe tão abalada e sem líder em campo para o jogo de sábado?
É possível se reerguer. Mas vai ser preciso um trabalho de liderança de alguém do próprio grupo ou do técnico[do Felipão] e da psicóloga da seleção. O próprio Júlio César [goleiro da seleção brasileira] disse, ao final do jogo, que "agora é voltar para casa." Mas não acabou ainda. Existe um desânimo realmente muito grande. Depende muito de quem vai ser o próximo adversário. Acho que existe no futebol e no imaginário coletivo uma questão bastante acirrada contra os argentinos que pode dar mais garra para o time brasileiro do que se o jogo for contra a Holanda.

Do ponto de vista da psicologia organizacional, como se trabalha uma equipe que perdeu uma situação e logo vai enfrentar outra?
Gosto do exemplo de Henrique V, que conseguiu mobilizar uma tropa completamente largada, desmotivada e vencer uma luta [no século, seu exército conseguiu derrotar o grosso do exército francês e dos seus aliados]. Sempre é possível. Dá para encontrar força em uma situação adversa. Vai depender do trabalho, de alguém conseguir mobilizar a equipe. Cada jogador tem seu valor, o que importa é quem vai assumir a liderança e mobilizar positivamente a equipe. Ou seja: o líder, agora, é mais do que fundamental.


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