Folha de S. Paulo


O nigeriano: "O espírito de 1994 e 1998 precisa voltar nas oitavas"

Esta é uma Copa do Mundo de recordes.

Muitos deles foram quebrados, maldições foram superadas e novas marcas foram atingidas. A Nigéria está no limiar de uma delas. Desde 1998, os nigerianos não haviam passado da fase de grupos da Copa do Mundo, e a crença popular era de que este ano tínhamos uma equipe capaz de deixar o passado na lata de lixo.

Trata-se da seleção que venceu a Copa das Nações Africanas, como aconteceu antes da Copa do Mundo de 1994, uma equipe montada exclusivamente com jogadores jovens e comandada por um técnico que é visto como dotado de uma aura de vitória.

Não admira, portanto, que o empate sem gols contra o Irã tenha sido recebido com uma pitada de sal por milhões de nigerianos, que se sentiram desiludidos e decepcionados.
Por três Copas do Mundo consecutivas, a Nigéria vinha representando um continente que não conseguia colocar mais de uma equipe nas oitavas de final. No Brasil, são dois os times africanos na segunda fase da competição, o que reduz bastante essa carga.

A França, como líder do Grupo E, é vista como adversário difícil, e a Nigéria, segunda colocada no Grupo F, entrará nas oitavas desfavorecida, o que cai bem para os meninos do treinador Stephen Keshi.

O comandante nigeriano declarou depois da partida contra o Irã que seu time melhoraria ao longo da competição, e os fatos provaram que ele estava certo, quando a Nigéria demoliu a Bósnia-Herzegóvina. A determinação, esforço e vontade de vencer eram tão palpáveis que os europeus orientais nem perceberam o que os havia atingido.

Contra a Argentina, a favorita do grupo, os nigerianos também começaram com tudo e, em uma das partidas mais empolgantes até o momento, enfrentaram os sul-americanos de igual para igual até que a magia de Messi os desigualasse.

Depois da partida, o treinador Keshi disse que "Messi não é deste mundo, é de Júpiter". Isso ficou evidente porque, nos 20 minutos de jogo depois que Messi saiu de campo, os nigerianos tomaram o controle da partida e ficaram bem perto de arrancar um empate.

O jogo contra a França chega depois de os nigerianos já terem disputado três partidas e estarem mais em forma. O entendimento entre os jogadores melhorou, a forma de jogo da equipe está clara e a confiança cresceu.

Infelizmente, a Nigéria também vem sofrendo com as lesões, a mais recente atingiu o herói nigeriano Michael Babatunde, que passou por uma cirurgia na mão e está fora da Copa do Mundo. Isso se segue à perda de Elderson Echiejile e Godfrey Oboabena.

Incidentalmente, Babatunde também veio do banco da seleção, uma revelação esperando por acontecer. E há novas revelações aguardando no mesmo banco do qual ele saiu.

As notícias da Nigéria indicam que Victor Moses, o jogador que Babatunde havia tirado do time, está faminto por ação e louco para entrar em campo. Outros dos reservas nigerianos, como Gabriel, Nwofor, Uzoenyi e Odunlami, também estão esperando para explodir, e prontos a "explorar" o infortúnio do colega, e deixar sua marca no time.

Um adversário europeu cai bem para a Nigéria. A história da Copa do Mundo está repleta de casos em que africanos se deram bem contra adversários europeus. O fato de a Nigéria não ter jogado bem na Copa do Japão e Coreia do Sul em 2002 não a impediu de empatar contra a Inglaterra em sua partida final.

Talvez devamos nos inspirar na chocante derrota da França diante dos senegaleses estreantes, em sua partida inicial da Copa do Mundo de 2002. Uma derrota que espantou o mundo e levou os africanos às quartas de final daquele Mundial.

A Nigéria não se incomodaria em repetir o feito, considerando que a seleção francesa deste ano não é tão letal quanto a de 2002, e aquele time não passou das quartas.

Não estamos, com isso, desconsiderando os meninos de Didier Deschamps, que avisaram ao mundo que não pretendiam perder ao abrir a Copa derrotando Honduras por 3 a 0. Para provar que o resultado não havia sido acidente, eles esmagaram a Suíça por cinco a dois e, mesmo com seis mudanças na equipe titular para a partida final contra o Equador, conseguiram empatar em 0 a 0. A Copa do Mundo do Brasil mostra todo o arsenal francês, deixando para trás o fantasma do lamentável desempenho na África do Sul em 2010.

Se estamos falando de qualidade, ela não falta à seleção da França. O líder de uma matilha de atacantes letais é Karim Benzema, do Real Madrid, que está tendo seu melhor momento defendendo a seleção de seu país, com a ajuda de Olivier Giroud e do agressivo Antoine Griezman, do Real Sociedad, que ajudam os azuis a não sentirem a ausência do lesionado Franck Ribéry.

O que se diz, porém, é que a força da equipe francesa reside no seu meio de campo, onde o pequenino Mathieu Valbuena, Paul Pogba, Yohan Cabaye e Blaise Matuidi operam. É uma combinação letal que já acumula 108 partidas pela seleção e 16 gols.

O conjunto é muito ofensivo, talentoso, sempre avançando, adotando uma abordagem tática positiva em seus passes. E a linha defensiva não impressiona menos. É lá que Patrice Evra, do Manchester United, reina supremo, com Bacary Sagna, do Arsenal, e Mamadou Sakho, do Liverpool, cobrindo o confiável goleiro Hugo Lloris.

Se há um jogador que conhece bem essa equipe francesa é o goleiro nigeriano Vincent Enyama, cujas façanhas com o Lille no campeonato francês fizeram dele um dos melhores arqueiros da Europa, e talvez do mundo.

Para a equipe nigeriana, será preciso garra e determinação contra uma seleção europeia que é franca favorita. Diante da França, os nigerianos terão de demonstrar o espírito da Copa atual, que já viu a derrota de forças como a Itália, Inglaterra, Portugal e Espanha. Os "Super Eagles" da Nigéria acreditam que mais um europeu esteja por cair.

Ainda que complicações extracampo tenham gerado distrações entre os nigerianos, acredita-se que, se os problemas puderem ser controlados e resolvidos, ao contrário do que aconteceu com Gana e Camarões, os "Super Eagles" estão destinados a voar para a quartas de final pela primeira vez em sua história.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Editoria de Arte/Folhapress

Endereço da página: