Folha de S. Paulo


Nadadoras discutem as diferenças entre competir aos 77 e aos 20 anos

ao seu tempo

Aos 77 anos, Maria Anita Margarido Assuar trata como piada quando alguém sugere a ela que está na hora de deixar a natação. "É como respirar", conta.

Maria Anita começou a praticar natação quando já tinha 47 anos e hoje disputa travessias em mar aberto com até 10 km. Integra a equipe masters do clube Paulistano.

As três décadas de natação de Maria Anita representam uma vez e meia o tempo de vida de Carolyne Mazzo, 20, nadadora do clube Pinheiros, cujo principal objetivo é chegar à Olimpíada de Tóquio, em 2020.

A convite da Folha, elas, que não se conheciam até então, participaram da série de diálogos entre representantes de diferentes gerações. A conversa integra o projeto "Ao Seu Tempo", iniciativa do jornal para mostrar como o brasileiro se relaciona com a idade.

Victor Parolin/Folhapress
Nadadoras Carolyne, 20, Maria Anita, 77, conversam sobre esporte e primeiros momentos na piscina
Nadadoras Carolyne, 20, Maria Anita, 77, conversam sobre esporte e primeiros momentos na piscina

COMEÇO

MARIA ANITA
"Praticava esgrima, mas tive um trauma na coluna cervical. Aí o ortopedista recomendou que eu me dedicasse à natação e às caminhadas. Àquela altura, eu só sabia nadar para não morrer afogada...

Como eu já tinha 47 anos, entrei na natação como master, eu nunca havia nadado de forma competitiva. Completo 78 anos no mês que vem, minha trajetória na natação já tem mais de 30 anos.

Nado no clube Paulistano desde então. Ao lado de mais 30 colegas, fui uma das fundadoras da Associação Paulista Masters de Natação.

Me sinto muito gratificada por ter descoberto a natação. Me dá saúde, bom humor."

CAROLYNE
"Nado desde criança [começou aos nove anos] e fui muito influenciada pela minha família. Mas hoje não sobrou ninguém, só eu fiquei no esporte.

Um sonho é continuar competindo por um longo tempo".

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ENERGIA

CAROLYNE
"Acho que os nadadores masters têm mais energia do que a gente."

MARIA ANITA
"Têm mesmo!"

CAROLYNE
"É comum eu chegar para treinar às 6h e os masters estão saindo da piscina. E a gente ainda reclama que nosso treino é muito cedo..."

MARIA ANITA
"Mas vocês, em geral, também têm faculdade. Nós já somos aposentados ou estamos próximos disso. É uma vida mais tranquila. Mas vocês chegam lá."

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METAS

CAROLYNE
"Meu objetivo é estar em Tóquio, em 2020".

MARIA ANITA
"Você tem muitos anos pela frente. Em outros tempos, nadadores com 20 anos [idade de Carolyne] já estavam encerrando a carreira. No primeiro, segundo ano de faculdade, já deixavam [a natação competitiva]. Hoje em dia, não é assim".

CAROLYNE
"Eu vejo nadadores com 35 anos fazendo as melhores marcas da vida, pegando a primeira Olimpíada".

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EMOÇÃO

MARIA ANITA
"Foram diversos momentos emocionantes nesses 30 anos de natação, como ver a Maria Lenk batendo um recorde com quase 90 anos. Ou acompanhar pessoas com deficiência física que nadam águas abertas. Também é bastante emocionante quando eu consigo completar uma prova que achava que não conseguiria".

CAROLYNE
"Admiro o atleta que alcança um objetivo importante, como a quebra de um recorde. Bater um recorde é muito bom, uma sensação incrível. Parece que você nem se cansou na prova".

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PRECONCEITO

MARIA ANITA
"No masters, já houve preconceito com idade. Um árbitro foi afastado da ABMN (Associação Brasileira de Masters de Natação) por dizer algo como 'velho só daqui para o cemitério'. É desagradável, não é? Você está tentando estender sua qualidade de vida e vem alguém assim e te poda. Essa situação foi foi dramática.

Às vezes ouço: 'Não estaria na hora de parar de nadar?' Aí é sinal de que a pessoa não entende nada de esporte. É preciso ter atividade física até morrer.

Veja a Maria Lenk [maior nadadora brasileira]. Ela praticamente morreu nadando. Tinha treinado no dia, sentiu-se mal depois do treino e faleceu. Já tinha mais de 90 anos [morreu aos 92 anos]".

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PIADA

MARIA ANITA
"Nunca pensei em desistir da natação. Quando alguém me sugeriu algo assim, eu levei como piada. Nadar é como respirar, caminhar.

Ao fim de um prova ou de um treino, você se sente desintoxicada. Há uma sensação de missão cumprida".

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ESTILOS

MARIA ANITA
"Nado todos os estilos, sou eclética. Muito mal, mas todos (risos). Os que mais gosto são crawl e costas. Meu borboleta mede 25 m, não me peça pra nadar mais do que isso que eu não chego (risos). Gostoso mesmo é nadar costas".

CAROLYNE
"Costas é o que gosto menos. Nado peito, 100 e 200 m. Em competições, quando é necessário, também medley".

MARIA ANITA
"No meio de uma maratona aquática, quando quero descansar, eu vou de peito. Dá tempo de levantar a cabeça, olhar onde está. E depois continuar o crawl".

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ÁGUAS ABERTAS

MARIA ANITA
"Comecei nas piscinas, mas depois passei também a fazer travessias. Atualmente eu prefiro águas abertas às piscinas. Você levanta de madrugada, vai de ônibus para o local da prova [mar ou rio], encontra os amigos, confraterniza. É um oba-oba bem legal".

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ÍDOLOS

MARIA ANITA
"Aqui em São Paulo, tivemos muito gente boa, como o Manoel dos Santos [recorde mundial dos 100 m livre em 1961] e a Adriana Pereira [recorde sul-americano dos 50 e 100 m livre nos anos 80]. Lá pra atrás, teve ainda Tetsuo Okamato [o primeiro atleta a ganhar uma medalha olímpica na história da natação brasileira]. E a própria Antonieta Gonçalves [considerada por Maria Anita como sua mentora], que bateu diversos recordes".

CAROLYNE
"E o Michael Phelps?"

MARIA ANITA
"Ele é espantoso. Largou [as competições] e voltou com aquela forma maravilhosa. É único, não?"

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TRAJES

MARIA ANITA
"Os masters gostam de usar os novos materiais. Quem tem poder aquisitivo compra e usa."

CAROLYNE
"O visual mudou, ficou melhor. Todos querem sair bonitos na foto (risos)"

MARIA ANITA
"Existem 'n' modelos maravilhosos, espaciais até (risos)"

CAROLYNE
"Vejo vídeos antigos, havia quem nem usasse óculos."

MARIA ANITA
"Na piscina, no estresse da largada, em geral, eu mergulho e perco os óculos. Por isso, já desisti de usar. Mas em águas abertas, eu vou tranquilamente. Na largada, depois que todos já saíram feito loucos na minha frente, eu vou. Nem que seja a última a chegar, mas eu chego."

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RECOMEÇO

CAROLYNE
"Esse ano, 2017, me marcou muito.

Eu sempre consegui ganhar minhas provas, mesmo competindo com pessoas mais velhas do que eu. Mas 2017 não foi fácil. Perdi minha mãe [Daniely Gomes de Souza Mazzo] no começo deste ano e não consegui nadar a competição seguinte. Depois, passei a nadar muito mal. Chegava em oitavo ou nem chegava à disputa final em provas em que eu costumava ir muito bem.

Do meio do ano em diante, consegui focar mais. Tentei chegar onde sempre estive por ela [minha mãe] e também por mim. Neste final de ano, consegui pegar as medalhas de volta. Foi a fase que mais me marcou no esporte. Terminei o ano bem feliz.

Minha mãe era quem mais me incentivava. Me levava aos treinos mesmo quando começavam às 4h, ia às competições, preparava meus suplementos. E ela sabia tudo. Conhecia minhas adversárias, me dizia como eu deveria nadar. Meu pai [Marco Aurélio Mazzo] não dava muita atenção, mas hoje ele acompanha."

*

RAIO-X

MARIA ANITA, 77

NOME Maria Anita Margarido Assuar
NASCIMENTO 28 de janeiro de 1940, em São Paulo
CLUBE Paulistano
PRINCIPAIS ESTILOS crawl e costas

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CAROLYNE, 20

NOME Carolyne Gomes de Souza Mazzo
NASCIMENTO 23 de março de 1997, em São Paulo
CLUBE Pinheiros
PRINCIPAL ESTILO peito


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