Folha de S. Paulo


'Cadê o dinheiro que estava no cofre?', pergunta novo presidente do Santos

Keiny Andrade/Folhapress
José Carlos Peres, novo presidente do Santos
José Carlos Peres, novo presidente do Santos

O presidente eleito do Santos terá muito trabalho pela frente. José Carlos Peres, 69, só assume oficialmente em janeiro, mas já vem trabalhando nos bastidores. Segundo ele, o clube está com sérios problemas financeiros.

"Cadê o dinheiro que estava no cofre? Não sei. O Santos está zerado. É o que estamos levantando. Vai ter muita coisa pela frente ainda. Acho que o cenário não está muito diferente do que os últimos presidentes pegaram. Hoje, não tem nada! As contas estão zeradas", afirmou, em entrevista à Folha.

Para acabar com o rombo nas contas do clube, Peres promete limitar o salário do novo diretor de futebol, Gustavo Vieira, a pelo menos metade do que ganhava o diretor de futebol Dagoberto dos Santos, que tinha remuneração de R$ 130 mil e recebia premiações maior que os atletas, o que deixava os ganhos na casa dos R$ 200 mil mensais.

O presidente falou ainda sobre a conturbada relação do clube com a TV Globo, a reformulação do elenco para 2018 e os entraves para uma eventual chegada de Robinho.

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Folha - O Santos anunciou superávit de R$ 79,7 milhões, no terceiro trimestre de 2017, mas várias pessoas acusam o clube de inadimplência. Como o senhor pretende resolver isso?
José Carlos Peres - Cadê o dinheiro que estava no cofre? Não sei. O Santos está zerado. É o que estamos levantando. Vai ter muita coisa pela frente ainda. Acho que o cenário não está muito diferente do que os últimos presidentes pegaram. Hoje, não tem nada! As contas estão zeradas.

Qual é o tamanho da dívida do Santos?
Pelo conselho, até outubro eram R$ 460 milhões.

Tem dinheiro para 2018?
Tem recebimentos. Tem negociação com a Globo. Vou sentar com eles para conversar. Pode entrar, inclusive, dinheiro de renovação de contrato. Desde que respeite a marca do meu clube, desde que respeite o Santos, tenho o maior prazer de estar com a Globo. Mas tem de respeitar a marca do meu clube, que não é uma qualquer. E tem sido tratada como uma qualquer. Isso a gente não quer mais.

*O que o senhor faria se a Globo trocasse novamente uma partida do Santos por algum filme? [Em abril de 2015, a emissora deixou de exibir o jogo das quartas de final do Paulista entre Santos e XV de Piracicaba, em um domingo à tarde, para exibir o filme "Espetacular Homem-Aranha"]*
Não vai fazer isso. Garanto para você. Se fizer, tem uma ruptura. Quando eu digo que a negociação com a Globo passa pelo respeito à minha marca, já está falado qual é o desrespeito. Minha marca não será relegada a esse plano. O Santos é uma das três maiores marcas do mundo. É isso o que precisam entender. O que a gente quer é que o Santos seja respeitado. Toda vez que você senta de forma arrogante em uma negociação, não é boa. A gente só quer igualdade. O Santos não quer ser maior do que a Globo, mas não pode ser menor. Nada na vida é por acaso. Isso aconteceu por algum motivo e os caras deram uma tripudiada. Isso a gente quer entender. Quero conversar e entender tudo o que está acontecendo. O melhor para o Santos vai ser feito.

O senhor teve uma reunião com o presidente Modesto Roma Júnior. Já sabe o que vai encontrar pela frente no clube?
A reunião foi pacífica. Temos uma equipe trabalhando lá desde segunda-feira (18) para a gente ter uma ideia clara da situação do clube. Os números até agora são superficiais. Queremos chegar mais fundo para não ter surpresa. A minha gestão começa em 1º de janeiro. Espero que o presidente arque com a gestão dele até 31 de dezembro, sem fugir à minha responsabilidade. Não pode deixar nada para trás. O Santos, no ano que vem, tem de parar com esse negócio de todo dia ter uma notícia ruim. Vamos criar um departamento de reputação. A pessoa já está contratada. Trabalhava no Itaú. As grandes instituições tem departamento de reputação para você prever crise, não deixar nada sob dúvida.

O ex-diretor de futebol Dagoberto dos Santos sofria rejeição do elenco porque tinha um salário muito alto (R$ 130 mil por mês) e premiação maior que a dos atletas. O Gustavo Vieira, novo executivo do clube, vai ganhar a mesma coisa?
Vai ganhar menos. Sem dúvida. Bem menos. Esses números do Santos hoje são irreais. Primeiro porque o Santos não tem dinheiro. Segundo porque, se for para gastar, tem de gastar bem e o profissional tem de vir sabendo que está ganhando o justo. Vamos ter teto salarial até porque o Santos não está nadando em dinheiro. Futebol é muito prático. O Flamengo contratou o melhor técnico, na teoria. Contratou o melhor diretor de futebol, melhor diretor de finanças... Mas alguma coisa não encaixou. Minha preocupação com o diretor é dar o encaixe. É estar bem redondinho comigo, entender que existe uma hierarquia, que começa no jogador, passa pelo gerente, vai no diretor e termina no presidente e no comitê gestor, que toma as grandes decisões.

Em porcentagem, quanto seria esse "bem menos"?
Entre 50% e 60%. Tem de vir dar um pouquinho de sangue. O que não pode é o diretor ganhar três vezes mais que o jogador. Isso está errado. Tem de ser justo.

O senhor disse algumas vezes que é amigo do Delcir Sonda e ele disse que se o senhor fosse presidente para procurá-lo. Com o Santos sem dinheiro e precisando de reforços, é uma possibilidade?
Sem dúvida. Vamos reunir todos os santistas, o Santos tem de ter menos ódio e mais união. Não pode excluir ninguém que quer ajudar o Santos.

O Delcir é santista. Se a gente tem esse potencial de ajuda... Não só ele, mas há vários empresários, presidentes de companhias. Vamos chamá-los para contribuir com o Santos. Temos de aproveitar esse potencial. O amor pelo clube tem de prevalecer. O Santos era uma ilha em que você só chega com o barquinho do rei. Tem de acabar com isso. Tem de destruir esse barquinho, criar pontes. Todo mundo vai ter condição de ajudar o clube e propor bons negócios. Não é possível um empresário de futebol ter que falar com outro que tem mais entrada no clube [para negociar jogador]. Isso é imoral! Vai ter mais facilidade para todo mundo, desde que o negócio seja bom para o clube e transparente. Não teremos empresário de estimação.

A gestão do Modesto tinha um empresário que era chamado de "braço direito do presidente" [Luiz Taveira, agente com tráfego livre pelos corredores da Vila Belmiro]. Isso vai continuar assim?
Não vai ter. Isso é compromisso. Pode me cobrar. De um lado tem o comprador, do outro o vendedor. Tem de ser tratado de forma igualitária. É difícil, mas vamos quebrar [essa prática]. Quem chega ao clube tem de saber que tem um projeto por trás. E não vamos arredar o pé dos nossos princípios. Não vai ter empresário amigo, nem pegar dinheiro emprestado de empresário. Para isso tem instituição financeira, tem a federação que pode ajudar. Há outros meios. Isso cria um vínculo muito prejudicial ao Santos.

A eleição do Santos foi marcada por indícios de fraude [cerca de 2.000 novos se associaram ao clube nos últimos 16 dias antes do prazo final para participar da votação]. Pretende abrir alguma investigação?
No dia da eleição eu falei: "mesmo se vencermos, não vamos sentar em cima desse problema". Vamos fazer um recadastramento forte, investigar. Muitos sócios suspeitos vão parar de pagar [as mensalidades] agora e o número vai cair. De 2.600 suspeitos, vão sair muitos. Vamos chamar o Ministério Público para ajudar, dar transparência e avisar a imprensa quando providências forem tomadas. O sócio precisa saber que tudo no Santos será investigado. Não tem mais essa de "ganhei a eleição e acabou". Vamos apurar toda e qualquer suspeita no clube.

Teremos uma empresa de auditoria em janeiro para investigar a vida do clube. É um dinheiro bem gasto. Vai dar credibilidade com o mercado financeiro e com outras empresas. Todo mundo quer agregar seu nome ao futebol, desde que tenha transparência. Quem vai colocar sua marca em um clube tem de saber onde está colocando, para não passar vergonha. Não tem essa de "vamos olhar para frente". Vamos olhar para frente, sim, mas vamos apurar tudo.

O Orlando Rollo, seu vice-presidente, sempre teve uma relação forte com as torcidas organizadas. Como será o relacionamento do Santos com esses torcedores?
Vou falar por mim. O presidente tem o ônus e o bônus. Eles saberão que o Santos não tem condições mais de fazer gastos, o que é uma realidade. É um torcedor importante para o clube e que deve ser respeitado. O bom relacionamento é o de respeito mútuo. Dar privilégio é difícil, porque estamos enxugando despesas, buscando receitas e eles vão entender que tudo isso é para o benefício deles também. É para ter um time forte em campo. Só vai ter um time forte em campo se tiver uma administração com austeridade e gastos conscientes. Eles vão ter de entender que neste momento não faremos nenhuma loucura. Até porque é por causa de loucuras que o clube está nessa situação de exaustão financeira.

Logo depois que o senhor foi eleito, foi abraçado pelos outros dois candidatos de oposição. São muitos grupos políticos diferentes. Vai ser possível contemplar todo mundo na sua administração?
Quando você contempla, não é com cargos remunerados. O dia da eleição foi emocionante. Até guardei o vídeo. Os grupos estavam separados por baias. Na hora que [a vantagem no número de votos] começou a passar para o nosso lado, o pessoal do Nabil [Khaznadar] veio correndo comemorar com a gente. Do [Andres] Rueda também, o que mostra que a oposição estava unida, embora não tivesse se unido antes do pleito.

O senhor não vai distribuir cargos?
Não vou. Teremos as melhores cabeças. Se coincidir de as melhores cabeças estarem em algum desses grupos, não será excluído. Mas tem de ser uma cabeça que vai fazer o melhor e que você não vai achar no mercado uma pessoa tão comprometida quanto esta que escolheu. Mas não vamos distribuir [cargos]. Não vamos cair nessa maluquice, senão fica engessado.

Na última gestão o Santos multiplicou o número de funcionários. O que pretende fazer sobre isso?
Choque de gestão. Nosso intuito é esse. Sem dúvida vamos fazer enxugamento da máquina, mas de forma justa. Tem de fazer com bastante critério. O bom funcionário do Santos será mantido e valorizado. Existem cargos que a gente nem sabe para que existem. Vamos fazer uma análise justa para fazer essa depuração. Qualquer corte que houver não será pessoal, mas porque a situação exige. O sócio votou esperando isso.

Como será feita a divisão de jogos do Santos entre Pacaembu e Vila Belmiro?
Estamos fazendo um comunicado para a CBF para ver se já neste campeonato conseguimos fazer 50% e 50%, sem ter de ficar pedindo transferência. É onerosa, chata e difícil. Estamos pedindo também para a federação paulista. Precisamos de receita. Obviamente que, se há um clássico ou uma partida de maior interesse, não vamos dizer que o privilégio é de alguém. Até porque não terá torcida de Santos ou torcida de São Paulo. A torcida será uma só. Queremos unir. Temos que receber o torcedor com hospitalidade, um tratamento bem diferente do que ele recebe hoje.

O Robinho será contratado?
É um jogador identificado com o clube. Ele pode estar mal em qualquer clube, mas quando vem para o Santos, a alma dela muda completamente. Ele é muito bom de vestiário. Muita gente não gosta do Robinho, mas ele agrega. Gosto muito dele. Acho excelente pessoa. O único cuidado que a gente tem é a situação em que ele está hoje, porque estamos querendo crescer em torcida feminina [o atacante foi condenado em primeira instância na Itália por violência sexual. Não queremos nenhum choque de pensamento. A advogada dele já disse para não me preocupar com isso, então estamos tranquilos. A gente não quer entrar na vida pessoal do jogador. O diretor de futebol vai definir se isso será bom ou não.

O elenco profissional vai ter um teto salarial?
Sim. Já tem, não é?

Estamos falando de um teto para valer.
Vai ter um teto para valer.

Sem exceções?
Sem exceções. Mas quando você fala isso é um pouco forte porque de repente aparece uma oportunidade...

É isso o que sempre falam.
Uma exceção só! Hoje, tem várias. Não vamos perder oportunidade em uma negociação dura por causa de um valor pequeno. É um caso a estudar. Mas não teremos as várias que existem hoje.

Este elenco atual precisa de quantos reforços?
Está sendo analisado. Que vai precisar de reforços, não tenho dúvida. Há algumas posições que já chamam a nossa atenção, mas vai ter uma pessoa preparada para ver isso. É difícil falar em posições enquanto tem gente saindo. Futebol tem de ter planejamento. Estamos nos inteirando de muitas situações. O torcedor do Santos pode ficar tranquilo porque não será por falta de esforço e de trabalho que o Santos não vai voltar ao seu patamar.


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