Folha de S. Paulo


Fifa afasta Del Nero da presidência da CBF após escândalo de corrupção

Nelson Almeida - 3.mar.2017/Folhapress
O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero
O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero

O presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Marco Polo Del Nero, foi banido provisoriamente do futebol pela Fifa por 90 dias a partir desta sexta-feira (15). A decisão foi tomada pelo comitê de ética da entidade e pode ser estendida por até 45 dias.

Segundo o comitê, o cartola está banido de todas as atividades relacionadas ao futebol no Brasil e no exterior. Ele será na presidência da CBF por Antônio Carlos Nunes, 79, o coronel Nunes. O ex-presidente da Federação Paraense de Futebol é o vice mais velho da entidade, critério previsto no estatuto da confederação para a substituição do presidente.

"A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) informa que recebeu nesta sexta-feira (15) a notificação da decisão do Comitê de Ética da Fifa, determinando a suspensão por 90 dias do presidente Marco Polo Del Nero. A entidade informa que, em cumprimento à citada decisão e em linha com seu Estatuto, o vice-presidente Antônio Carlos Nunes de Lima assume interinamente a presidência", disse a nota emitida pela entidade.

Desde maio de 2015, quando o FBI começou a prender cartolas envolvidos em corrupção, Del Nero nunca mais viajou para o exterior. Ele é acusado na Justiça dos EUA de participar de um esquema de recebimento de propina com cartolas da América do Sul.

José Maria Marin, seu antecessor, é julgado nos EUA por extorsão, fraude financeira e lavagem de dinheiro no âmbito do escândalo de corrupção da Fifa.

Nesta quinta (14), durante suas considerações finais no julgamento, o advogado de Marin, Charles Stillman, lembrou analogia de Alejandro Burzaco, empresário argentino que comandava a firma de marketing Torneos y Competencias e estava no centro do esquema de pagamento de propinas, de que Marin era como um rei que fazia os discursos e participava de cerimônias, mas era Marco Polo Del Nero quem tomava as decisões.

"Marco Polo era quem mandava no show no futebol brasileiro", disse Stillman. "Os discursos pertenciam a Marin, mas as decisões eram de Del Nero. Ele era visto como quem mandava na CBF."

Del Nero também é alvo de inquérito da Polícia Civil de São Paulo, que apura irregularidades em convênios firmados pelo dirigente com o governo do Estado de São Paulo quando ele ainda comandava a FPF (Federação Paulista de Futebol).

O cartola está na presidência da CBF desde 2015 e tentaria a reeleição no próximo ano. Ele ainda não se pronunciou sobre a decisão da Fifa.

A decisão pelo banimento provisório foi tomada pelo grego Vassilios Skouris, presidente da câmara de arbitragem do Comitê de ética da Fifa, seguindo recomendação da colombiana Maria Claudia Rojas, presidente da câmara de investigação do mesmo órgão. Ambos ocupam seus cargos desde maio deste ano.

Segundo o código de ética da Fifa, a punição provisória aplicada a Del Nero pode ser dada quando há indícios de violação do código de ética e "uma decisão definitiva sobre o caso pode não ser tomada suficientemente cedo" ou para prevenir que a pessoa acusada interfira em investigação em andamento no comitê. O dirigente será convocado a fazer sua defesa perante o comitê.

Esta é a segunda vez que Del Nero se afastará da presidência da CBF desde que foi eleito, em abril de 2015. Em dezembro do mesmo ano, após ser indiciado pela Justiça dos EUA, o dirigente se licenciou do cargo.

Naquela ocasião, o deputado federal Marcus Vicente (PP-ES), vice-presidente da CBF como representante da região Centro-Oeste, assumiu interinamente o cargo. Em janeiro, coronel Nunes foi empossado como presidente da entidade. O cargo, porém, era apenas protocolar. Nos bastidores, era Del Nero quem continuava mandando na confederação. O cartola voltou a assumir oficialmente cargo em abril do ano passado.

AMIGOS NA FIFA

Na última segunda-feira (11), a defesa do ex-presidente da CBF José Maria Marin resolveu trazer à tona o atual presidente da entidade, Marco Polo Del Nero, e comparar sua situação à de Marin, durante depoimento.

"Quase sempre eles [Marin e Del Nero] estavam juntos", disse o advogado James Mitchell, que defende Marin. Ele interrogava o investigador da Receita Federal americana Steve Berryman, que é testemunha de acusação e depõe desde a última quinta (7).

Para Mitchell, a conduta da Fifa com Marin, que foi banido da instituição, não foi a mesma com Del Nero, e isso contraria a suposta política de "tolerância zero" da entidade contra corrupção e fraude. Eles frequentavam as mesmas reuniões e estavam sujeitos ao mesmo código de ética, argumentou o defensor.

A juíza Pamela Chen, porém, interrompeu as perguntas, retirou os jurados da sala, ouviu as partes e decidiu que não iria permitir a linha de argumentação, por considerar que ela não prova nada sobre os fatos contra Marin, e que a Fifa e seu posicionamento em relação aos investigados não está em jogo.

A magistrada chegou a afirmar que isso só provaria que "Del Nero tem mais amigos em esferas superiores do que Marin".

NA PLANILHA

Durante julgamento realizado no dia 30 de novembro, José Eladio Rodríguez, testemunha da acusação, que era responsável pela execução das transferências da Torneos y Competencias, indicou que o ex-diretor da Globo Marcelo Campos Pinto, que antes negociava a compra de direitos de transmissão esportiva para o grupo de TV brasileiro, e Maco Polo Del Nero recebiam propina. Ele se referia a Marcelo Campos Pinto como "MPC" e Del Nero como "MPC".

A testemunha afirmou que quando citava a sigla "MP" fazia uma referência aos dois brasileiros, Del Nero e Marin. Nas palavras dele, eles "eram um só, viviam juntos, sempre os via juntos".

Essa confusão também aparece nos e-mails de Rodriguez. Numa série de mensagens que mandou como lembrete para seu próprio endereço eletrônico, o ex-executivo da Torneos listava pagamentos a serem divididos entre Marin e Del Nero, entre esses uma transferência de US$ 3 milhões de junho de 2013.

OUTRO LADO

Em nota, Del Nero negou ter recebido propina e destacou que todos os contratos considerados suspeitos pela Justiça americana foram assinados antes de 2015, quando o dirigente assumiu o comando da CBF. Ele, no entanto, não comentou nada a respeito da punição imposta pelo comitê de ética da Fifa.

"A tentativa de réus e delatores se livrarem de acusações que lhe são dirigidas através do expediente corriqueiro de atribuir a terceiros inocentes a prática da infração em troca de benesses processuais é comum nos tribunais e não pode ser aceita como verdade absoluta", afirmou Del Nero, em referências as acusações feitas por delatores e pelos advogados de José Maria Marin contra ele durante o julgamento.

"Meus advogados requererão, no momento processualmente adequado, o arquivamento dessas graciosas especulações investigativas e a adoção das contramedidas cabíveis", afirmou.

Leia a íntegra da carta de Del Nero

À vista da decisão de Comitê de Ética da Fifa proferida na data de hoje bem como às últimas notícias divulgadas pela mídia, que se referem ao julgamento do ex-presidente da CBF José Maria Marin na Corte de Justiça do Brooklin, Nova York, EUA, cumpre-me, em respeito à opinião públicas com vistas a restabelecer a verdade, esclarecer que:

1 - Não estou sendo julgado naquela Corte de Justiça americana, eis que os acusados no processo em questão são os senhores Burga, Napout e Marin, ex-dirigentes de entidades internacionais voltadas ao futebol.

2 - Como presidente eleito da CBF e sucessor cronológico de Marin, natural que meu nome pudesse ser referido como representante da entidade nos dias que correm, até como dado de esclarecimento sobre os limites temporais da administração precedente.

3 - Assumi a presidência da CBF em 2015, passando a responder por ela a partir desse momento, início de meu mandato, nada tendo a ver com os contratos por ela celebrados nos anteriores, que são precisamente os que se acham sob investigação da Justiça americana e na Fifa.

4 - No julgamento em curso na jurisdição norte-americana não surgiu - mesmo porque nunca existiu - dado concreto e documental de qualquer recebimento de vantagens ilícitas de minha parte, embora os investigadores do FBI - mundialmente reconhecidos com os mais capacitados do Planeta - tenham realizado uma completa devassa em minha vida econômica, fiscal e bancária. Nenhum centavo de real, euro ou dólar foi encontrado como a mim destinado, tampouco contas bancárias ocultas ou estruturas secretas, contrariamente ao que se constatou em relação a outros acusados.

5 - As contratações de que participou a CBF e que se acham sob suspeita e julgamento, SÃO TODAS ANTERIORES À MINHA GESTÃO E NÃO FORAM POR MIM ASSINADAS.

6 - A tentativa de réus e delatores se livrarem de acusações que lhe são dirigidas através do expediente corriqueiro de atribuir a terceiros inocentes a prática da infração em troca de benesses processuais é comum nos tribunais e não pode ser aceita como verdade absoluta.

7 - Fica lançado aqui o repto para que qualquer pessoa, entidade, órgão de imprensa, instituição ou investigador, nacional ou estrangeiro, aponte e comprove a existência de conta bancária, fluxo financeiro ou dado contábil que espelhe qualquer recebimento de vantagens indevidas de minha parte.

8 - Meus advogados requererão, no momento processualmente adequado, o arquivamento dessas graciosas especulações investigativas e a adoção das contramedidas cabíveis.

9 - Em suma, como nada de irregular pratiquei e, por isso mesmo, não posso aceitar o enxovalhamento de minha honorabilidade, manifesto aqui o meu enfático repúdio à essas leviandades acusatórias e renovo o desafio: antes de acusarem a quem nada deve, apresentem provas e documentos que indiquem as contas bancárias, as remessas, o meu envolvimento - direto ou indireto - com empresas investigadas, o recebimento ou o "caminho do dinheiro" já que modernamente nenhum centavo é movimentado sem que fiquem visíveis rastros... ou então, que se insinuem maldades contra quem nada de ilícito praticou.


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