Folha de S. Paulo


Defesa de Marin acusa Del Nero e tenta desqualificar testemunhas

Seth Wenig/Associated Press
José Maria Marin chega a tribunal de Nova York para acompanhar seu julgamento
José Maria Marin chega a tribunal de Nova York para acompanhar seu julgamento

Um sangramento no nariz atrasou as considerações finais da defesa de José Maria Marin. O ex-presidente da CBF, réu no escândalo de corrupção da Fifa, passou a manhã com um lenço junto ao rosto. A culpa pode ter sido do ar seco de Nova York, que amanheceu coberta de neve, mas reforçou a estratégia de advogados do cartola.

Marin foi descrito aos jurados na corte do Brooklyn como um homem de idade avançada, frágil e quase senil. Seu advogado, Charles Stillman, lembrou que ele tinha mais de 80 anos quando assumiu o comando da CBF (Confederação Brasileira de Futebo) e mal sabia do que acontecia na direção da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) e da Fifa no momento em que "a presidência da CBF despencou do céu em seu colo".

"Ele estava em campo, mas não estava jogando", resumiu Stillman. "Ele participou do esquema de corrupção que acontecia ao redor dele ou só estava em campo no meio de tudo? Essa é a pergunta que os jurados devem fazer. Não podia ser mais claro seu papel marginal em tudo isso."

Stillman ainda voltou à analogia de Alejandro Burzaco, o empresário argentino que comandava a firma de marketing Torneos y Competencias no centro do esquema, de que Marin era como um rei que fazia os discursos e participava de cerimônias, mas era Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF, quem tomava as decisões.

"Marco Polo era quem mandava no show no futebol brasileiro", disse Stillman. "Os discursos pertenciam a Marin, mas as decisões eram de Del Nero. Ele era visto como quem mandava na CBF."

O advogado também lembrou que nas planilhas secretas de propina mantidas por Eladio Rodriguez, executivo da Torneos responsável pelas remessas, os pagamentos aparecem associados às iniciais "MP" e a "brasilero", termo singular, que indica, segundo Stillman, Del Nero.

Uma a uma, as testemunhas que depuseram contra Marin no caso foram sendo desqualificadas por Stillman.

Ele mostrou um cartaz aos jurados em que plaquinhas com os nomes de Burzaco, Rodriguez, J.Hawilla e outros delatores que fecharam acordos com a Justiça americana estavam presos com velcro. Cada vez que desmentia as afirmações de um deles, o nome era retirado desse quadro.

Na visão de Stillman, J.Hawilla, o dono da Traffic, não pode ser confiado porque, durante seu testemunho, reconheceu ter mentido ao FBI, a polícia federal americana -ele fez um pagamento de propina depois de ter começado a negociação para fechar seu acordo de delação premiada.

Burzaco e Rodriguez também não podem ser confiados, segundo o advogado de Marin, porque haviam feito arranjo semelhante com o governo dos Estados Unidos.

Um único argumento novo apresentado apresentado ao júri é o fato de Marin nunca ter escondido sua conta no Morgan Stanley em Nova York. Batizada Firelli, a conta está no nome de Marin e sua mulher, Neusa. O formulário do banco mostrado aos jurados tem também a assinatura e o endereço do casal.

"Se alguém quisesse esconder dinheiro, por que colocaria numa conta nos Estados Unidos? Isso não casa com a teoria de que ele tentou esconder dinheiro", disse Stillman. "Está claro que Marin e sua mulher eram os beneficiários dessa conta. Ele não tinha nada a esconder."

Stillman também descartou como indícios de crime os gastos vistosos de Marin em lojas de luxo, lembrando que o cartola já era um homem abastado mesmo bem antes de assumir a direção da CBF.

"Marin era rico", resumiu. "Pessoas ricas gastam dinheiro, e fazer isso não é crime."

Ele argumentou ainda que as várias transferências para a conta de Marin realizadas pelas firmas Support e Expertise, do empresário Wagner Abrahão, poderiam ser "negócios legítimos" e que afirmar que as remessas eram pagamentos disfarçados de propina era "pura especulação".

Seu último ponto foi que não há provas que Marin tenha lido o código de ética da Fifa e que não há ainda uma versão em português desse documento. A violação dos termos do regulamento, no caso, é o que embasa as acusações da Justiça americana.

ACUSAÇÃO

Da mesma forma que a defesa de Marin foi descolando os nomes das testemunhas de um painel, o procurador americano Sam Nitze rebateu, num último discurso ao júri, todas as tentativas de Stillman, advogado do cartola, de desqualificar as provas.

Nitze ironizou a afirmação da defesa de que Marin não saiu do banco de reserva. "Não podemos crer que Marin estava lá fora colhendo flores e não jogando o jogo."

Ele também lembrou um ponto do depoimento de Eladio Rodriguez, responsável pelos pagamentos da Torneos, em que o executivo afirmou que "brasilero" nas planilhas de propina era antes uma referência a Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e que foi mantida para indicar Marin e Del Nero depois da renúncia do cartola, por isso o termo está no singular.

O procurador disse ainda que o ato de disfarçar e esconder pagamentos ocorreu antes que o dinheiro chegasse à conta de Marin em Nova York. "Pessoas usam bancos americanos porque são estáveis e seguros e porque querem ter acesso ao dinheiro", disse Nitze. "O caminho do dinheiro é o que ficava escondido."

Também houve uma defesa enfática da veracidade dos depoimentos das testemunhas. Nitze mostrou a íntegra de trechos editados por advogados da defesa, e-mails, contratos e detalhes em planilhas que listam como a menção de um pagamento por executivos das empresas de marketing mais tarde aparecia corroborada em transferências ou nas planilhas.

Nitze relembrou ainda a gravação em que Marin é flagrado discutindo como recebeu propina pelos contratos da Copa do Brasil com J. Hawilla e lembrou referências aos pagamentos em anotações apreendidas pela polícia brasileira no cofre da Klefer, empresa de Kleber Leite.

áudio

Na conversa gravada pelo dono da Traffic, Marin diz que "vai conferir com Marco Polo", o que Nitze apontou como indício de que se Marin dividia esse pagamento de propina com Del Nero também poderia dividir outras transferências e que o fato de serem "gêmeos siameses", como depôs Alejandro Burzaco, não desmente que ele tenha recebido verba ilícita.

OUTRO LADO

O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, nega terminantemente que tenha recebido qualquer vantagem indevida em suas atividades. O dirigente diz ainda que não participou da negociação nem da assinatura de nenhum dos contratos sob investigação nos EUA.


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