Folha de S. Paulo


Empresários mantêm clube de polo em Bauru que ajuda 4.000 crianças

Quando jovens, os irmãos Zopone costumavam afirmar que suas vidas transitavam entre dois mundos: não eram nem nobres nem pobres.

Filhos de um vendedor e uma professora de escola pública, aprenderam que um cotidiano simples pode ser compensado com solidariedade.

Sem luxo, fizeram da educação um trunfo para o crescimento, formaram-se engenheiros e construíram carreiras e uma empresa sólida.

Ao olhar para trás, Cláudio, 51, compreende o quanto sua própria trajetória influenciou a empreitada que considera sua maior conquista.

Ele e o irmão Claudenor, 53, criaram em 2010 um projeto esportivo baseado Bauru (a 343 km da capital), cidade natal deles, chamado Futuro.

Sete anos se passaram e o Futuro se tornou mais do que uma realidade. O projeto, que começou com apenas seis atletas, foi rebatizado para ABDA (Associação Bauruense de Desportes Aquáticos) e hoje atende cerca de 3.900 pessoas da cidade com práticas de natação, atletismo e polo aquático, que foi o gatilho do investimento.

Os dois irmãos foram jogadores da modalidade durante a adolescência.

"No polo não dá para enganar. Quem não treina não consegue jogar. É nosso conceito: se não estiver forte na vida, não vai a lugar algum", afirmou Cláudio à Folha.

A ambição do programa é inclusão. A ampla maioria das crianças que vão à associação são de famílias pobres.

Segundo o engenheiro, boa parte chega com "verme, sarna, piolho ou subnutrida". Muitos dos jovens têm parentes em situação prisional.

Quem é aceito -e já houve até 600 crianças em lista de espera- pode comer em um dos três restaurantes com os quais a ABDA tem parceria e ganha vestimentas.

"Compramos roupas para as crianças do projeto para que elas possam andar de cabeça erguida", disse Cláudio.

Nos frequentes festivais esportivos que organiza, todos os participantes recebem medalha de participação.

O mais curioso é que ele e o irmão, como mecenas, bancam do bolso 95% do clube, cujo custo de manutenção gira em torno de R$ 5 milhões ao ano. O resto vem dos poucos patrocínios e projetos de lei de incentivo ao esporte.

Ainda que não tenha pretensão competitiva, a ABDA virou uma referência no polo aquático nacional, com conquistas estaduais e nacionais em categorias que vão do
sub-12 ao sub-19, tanto masculino quanto feminino. As seleções de base estão lotadas de competidores provenientes de Bauru.

O time adulto, que é composto por jovens formados na base, passou recentemente a disputar a Liga PAB (principal campeonato nacional).

Além dos jogadores de polo aquático, outros atletas com boas notas e rendimento esportivo ganham bolsas de estudo para a faculdade.

ESTRUTURA

Para dar conta do salto no contingente, Cláudio adquiriu espaços de dois clubes da cidade que estavam abandonados e os revitalizou.

Hoje, a ABDA tem seis piscinas e duas pistas de atletismo espalhadas por suas sedes. Deve receber um evento internacional de polo aquático de base no próximo ano.

Uma das piscinas, coberta, foi usada pela seleção húngara de polo, uma das mais tradicionais do mundo, na preparação para a Rio-2016.

A costura da vinda dos húngaros foi feita por Attila Sudar, desde 2012 treinador na ABDA e ele próprio ex-jogador da seleção magiar.

Os caminhos de Attila e Cláudio se cruzaram quando o empresário brasileiro procurava um técnico para encabeçar o projeto esportivo.

Após indicação de um intermediário, ambos se encontraram na Europa. Logo acertaram um contrato, nunca de fato assinado. "Demos a 'parola' um ao outro e desde então sou da ABDA", disse Sudar, misturando um pouco do idioma italiano, onde atuou por boa parte de sua carreira.

"Achei que era um acordo com uma equipe normal. Mas nunca tinha encontrado na minha vida um projeto como o da ABDA. Só tenho superlativos a respeito", afirmou o húngaro, que trouxe ao Brasil a mulher e os dois filhos.

Sudar é um dos expoentes de uma equipe multidisciplinar que tem médico, nutricionista, psicólogo, assistente social e professor particular. Ao todo, são 55 profissionais.

A estrutura e natureza do projeto chamaram a atenção do COB (Comitê Olímpico do Brasil), que propôs parceria com a associação voltada ao alto rendimento. A produção de talentos, sobretudo no polo aquático, interessa para os próximos ciclos olímpicos.

Cláudio gostaria de gastar até mais no projeto. "O brasileiro é caridoso, mas pouco solidário. Ninguém dá a ferramenta. É o que tentamos fazer aqui", comentou.


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