Folha de S. Paulo


Cartolas teriam recebido até US$ 3 mi em propina pela Copa América-2015

Don Emmert - 14.nov.2017/AFP
Corte federal do Brooklyn, em Nova York, onde acontece o julgamento de cartolas sul-americanos
Corte federal do Brooklyn, em Nova York, onde acontece o julgamento de cartolas sul-americanos

Mais uma ponta do novelo de supostos pagamentos de propina a cartolas do futebol sul-americano começou a ser destrinchada no julgamento do escândalo de corrupção da Fifa, que entra em sua terceira semana em Nova York.

Depois do depoimento bombástico do empresário argentino Alejandro Burzaco, ex-homem forte da empresa de marketing esportivo Torneos y Competencias, Santiago Peña, responsável pelas finanças da Full Play, outra empresa argentina, depôs sobre valores que teriam sido pagos a presidentes das federações com assento na Conmebol.

De acordo com Peña, US$ 15,3 milhões em propina foram pagos relativos à edição de 2015 da Copa América –US$ 3 milhões ao presidente da Conmebol, US$ 3 milhões ao chefe do futebol argentino, US$ 3 milhões ao representante brasileiro na confederação continental, US$ 6 milhões a cartolas de seis países (o chamado Grupo dos Seis) e US$ 300 mil ao então secretário-geral do órgão.

Peña não deu detalhes sobre qual cartola brasileiro teria recebido propina –na época, Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF, ocupava o assento do Brasil na Conmebol, mas José Maria Marin, que agora está sendo julgado em Nova York, atuava como o chefe do futebol brasileiro.

"Os pagamentos eram relacionados a conseguir influência e lealdade dos presidentes", afirmou Peña. "Eram pagamentos secretos, registrados numa planilha de Excel gravada num pen drive. Tudo isso ficava registrado como 'cuentas' e 'pagos'."

Essa planilha foi mostrada aos jurados na Corte de Justiça do Brooklyn em detalhe. Nela, cada cartola era identificado com suas iniciais.

Depois de maio de 2015, no entanto, quando a polícia prendeu sete dirigentes do futebol mundial em Zurique, revelando a investigação da Justiça americana, as iniciais foram trocadas por nomes de marcas de carro –Honda, por exemplo, era uma referência a Juan Ángel Napout, ex-chefe do futebol paraguaio e ex-presidente da Conmebol, e Fiat era Manuel Burga, ex-chefe do futebol peruano.

Nenhum brasileiro é citado no arquivo em questão.

O termo "Globo" aparece associado a um pagamento de US$ 5 milhões. Peña, no entanto, não entrou em detalhes sobre a natureza da transação, não especificou se o termo estaria relacionado à TV Globo e nem se o valor seria propina.

Burzaco, outra testemunha da acusação, havia mencionado a TV Globo em seu depoimento, dizendo ter negociado pagamento de propinas com Marcelo Campos Pinto, então executivo da emissora. A empresa nega qualquer relação com pagamentos escusos.

Entre os mais citados no documento, Napout teria recebido pagamentos mensais, entre eles dinheiro para a compra de ingressos de um show de Paul McCartney e vários pagamentos de aluguéis de casas de luxo no Uruguai.

Esses valores eram transferidos de contas bancárias espalhadas pelo mundo, uma delas no Bank of America, em Nova York, e outra no Hapoalim, com agências na Suíça.

Um dos contratos firmados entre a Full Play e a federação que comanda o futebol paraguaio, então sob a direção de Napout, teve como intermediária uma empresa chamada Ciffart, que a procuradoria americana apontou como "Traffic ao contrário", sugerindo uma relação com a empresa de marketing esportivo do brasileiro José Hawilla.

Na negociação, essa empresa teria recebido US$ 4,66 milhões em propina pelos direitos de transmissão dos jogos da seleção paraguaia pelas eliminatórias da Copa do Mundo do ano que vem.

Há ainda um pagamento de US$ 2.315 para um anel que teria sido dado de presente à mulher de Manuel Burga, ex-chefe do futebol peruano, também réu no processo.

O depoimento de Peña corrobora o que foi dito por Burzaco, testemunha da acusação ouvida na semana passada. A Full Play, empresa para a qual Peña trabalhava, formava parte da Datisa ao lado da brasileira Traffic e da argentina Torneos y Competencias.

Essa joint venture, segundo as testemunhas, era a responsável pelos pagamentos relativos a propina atrelada à transmissão das edições de 2015, 2019 e 2023 da Copa América, além de uma edição especial do torneio, no ano passado, nos Estados Unidos.

OUTRO LADO

Uma das advogadas da defesa de Juan Ángel Napout, ex-presidente da Conmebol e ex-chefe do futebol paraguaio, abriu a acareação da testemunha afirmando que Santiago Peña embasou todo o seu depoimento em informações que ouviu dos ex-chefes, Hugo Jinks e Mariano Jinkis, os donos da Full Play.

Silvia Piñera-Vázquez disse ainda que todo o conhecimento de Peña das transações depende de informações de terceiros, e que ele nunca realizou pagamentos diretos a seu cliente nem confirmou se Napout recebeu, de fato, os montantes em questão.

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30 MESES DEPOIS
O que aconteceu com os dirigentes presos na Suíça

Jeffrey Webb
ex-presidente da Concacaf

> Acusado de receber propina na venda de direitos comerciais de campeonatos da Concacaf. Indiciado por conspiração para extorsão, conspiração para fraude financeira e conspiração para lavagem de dinheiro
> Declarou-se culpado e concordou em devolver US$ 6,7 milhões
> Já foi julgado. Sentença será anunciada em 24 de janeiro de 2018

Eduardo Li
ex-presidente da federação da Costa Rica

> Acusado de receber propina na venda de direitos comerciais das eliminatórias da Copa. Indiciado por conspiração para extorsão, fraude financeira e conspiração para fraude financeira
> Declarou-se culpado e devolveu US$ 668 mil
> Já foi julgado. Data de anúncio da sentença será definida

Eugenio Figueredo
ex-presidente da Conmebol

> Foi acusado pela Justiça americana de receber propina na venda de direitos da Copa América. Indiciado por conspiração para extorsão, fraude financeira, e lavagem de dinheiro, aquisição ilícita de naturalização e auxílio na elaboração fraude fiscal
> Fez acordo de delação com a Justiça uruguaia e foi extraditado para o país. Ficou detido até abril de 2016, hoje aguarda julgamento em prisão domiciliar

Rafael Esquivel
ex-presidente da federação da Venezuela

> Acusado de receber propina na venda de direitos comerciais da Copa América. Indiciado por conspiração para extorsão, fraude financeira e lavagem de dinheiro
> Declarou-se culpado e concordou em devolver US$ 16 milhões
> Já foi julgado. Data de anuncio da sentença ainda será definida pela Justiça americana

Julio Rocha
ex-presidente da federação da Nicarágua

> Acusado de levar propina na venda de direitos comerciais das eliminatórias da Copa do Mundo. Indiciado por conspiração para extorção e conspiração para fraude financeira
> Declarou-se culpado e concordou em devolver US$ 292 mil
> Já julgado. Data de anúncio da sentença será definida

Costas Takkas
ex-assessor da presidência da Concacaf

> Acusado de ter facilitado pagamento de propina para Jeffrey Webb na venda de direitos comerciais das eliminatórias da Copa do Mundo. Indiciado por conspiração para lavagem de dinheiro
> Declarou-se culpado
> Foi condenado na última terça (31) a 15 meses de prisão

José Maria Marin
ex-presidente da CBF

> Acusado de receber propina na venda de direitos comerciais da Copa América, Libertadores e da Copa do Brasil. Indiciado por conspiração para extorsão, conspiração para fraude financeira e conspiração para lavagem de dinheiro
> Declarou-se inocente
> Julgamento começa nesta segunda (6)

Também se declararam inocentes de todas as acusações:

Manuel Burga
ex-presidente da federação peruana

> Acusado de receber propina na venda de direitos comerciais da Libertadores, Copa América e outros torneios da Conmebol. Indiciado por conspiração para extorsão, fraude financeira e lavagem de dinheiro
> Declarou-se inocente
> Julgamento começa nesta segunda (6)

Juan Ángel Napout
ex-presidente da Conmebol

> Acusado de receber propina na venda de direitos comerciais da Libertadores, Copa América e outros torneios da Conmebol. Foi indiciado por conspiração para extorsão, conspiração para fraude financeira e conspiração para lavagem de dinheiro
> Declarou-se inocente
> Julgamento começa nesta segunda (6)

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LINHA DO TEMPO
Caso Marin

27.mai.2015
Operação conjunta de autoridades dos EUA e da Suíça prende Marin em Zurique, antes de congresso da Fifa. Ele e dez acusados de corrupção são banidos pela federação

3.nov.2015
Após cinco meses de cárcere na Suíça, Marin é extraditado para os EUA. Em Nova York, Justiça determina o valor da fiança (US$ 15 milhões) e ele passa a cumprir prisão domiciliar na cidade

Brendan McDermid/Reuters
O ex-presidente da CBF José Maria Marin chega aos EUA após ser extraditado
O ex-presidente da CBF José Maria Marin chega aos EUA após ser extraditado

3.dez.2015
O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, e o ex-presidente da entidade, Ricardo Teixeira, são indiciados pela Justiça dos EUA, acusados de corrupção

26.abr.2016
Justiça dos EUA autoriza Marin a sair de casa para passeios de até quatro horas, um dia na semana. Antes, só podia sair seguido de segurança para se encontrar com advogados, participar de audiências, ir ao mercado ou à igreja

Camila Svenson/Folhapress
José Maria Marin, que cumpre prisão domiciliar em Nova York, vai à missana St. Patrick's Cathedral
José Maria Marin, que cumpre prisão domiciliar em Nova York, vai à missana St. Patrick's Cathedral

3.nov.2016
Marin é autorizado a sair de casa até sete vezes por semana, num raio de 3,2 km

21.fev.2017
Cartola tem recurso recusado pela Justiça dos EUA. Ele tentava anular a acusação de formação de quadrilha

18.out.2017
Pamela K. Chen, juíza do caso nos EUA, aceita pedido da procuradoria, que solicitou proteção ao júri que julgará a denúncia contra Marin. Membros não terão nomes divulgados e ficarão isolados durante o julgamento

Segunda (6)
Começa o julgamento de Marin. Primeira fase será de seleção dos jurados. Doze pessoas serão selecionadas em conjunto pela defesa e pela acusação em uma lista de quase 200

13.nov.2017
Após seleção dos jurados, serão ouvidas as testemunhas de defesa e acusação

Dez.2017
Começa fase de análise das provas

Jan.2018 a mar.2018
Data prevista para a divulgação da sentença


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