Folha de S. Paulo


Julgamento da Fifa debate se gesto de cartola foi ameaça de morte ou coceira

Mary Altaffer-17.nov.17/Associated Press
Manuel Burga, ex-dirigente do Peru acusado de corrupção e de ter feito gesto de ameaça a Burzaco
Manuel Burga, ex-dirigente do Peru acusado de corrupção e de ter feito gesto de ameaça a Burzaco

A primeira semana do julgamento dos ex-dirigentes sul-americanos José Maria Marin, Manuel Burga e Juan Ángel Napout, envolvidos no escândalo de corrupção da Fifa, em Nova York, apresentou revelações sobre propinas de empresas, corrupção de governos e esquemas de compra de votos.

Terminou com uma discussão sobre a condição da pele de um dos réus.

Na sexta-feira (17) à tarde, depois que a juíza mandou o júri para casa para o fim de semana, os promotores que passaram a semana detalhando a corrupção no futebol internacional mudaram de rumo e afirmaram que dois aparentes gestos de cortar a garganta feitos no tribunal por Manuel Burga –uma antiga autoridade do futebol peruano que enfrenta uma acusação de formação de quadrilha para a prática de crimes– tinham sido uma tentativa de intimidar a primeira testemunha chamada a depor, o argentino Alejandro Burzaco.

"Provavelmente há motivos para se acreditar que ele tentou influenciar a testemunha", disse a juíza Pamela Chen, do Tribunal Distrital Federal para o Distrito Leste de Nova York. Ela estava avaliando se devia prender Burga, libertado sob fiança.

O comentário da juíza provocou um grito do advogado de Burga, Bruce Udolf, que atribuiu os gestos a um problema de pele que causa coceira no pescoço de seu cliente. Ele disse que em vez de ser mandado para a cadeia, como pediram os promotores, Burga precisava consultar um dermatologista.

Os gestos, feitos na terça-feira (21) e na quarta (22), foram captados por câmeras e deverão ser apresentados como provas pelo governo, juntamente com depoimentos da testemunha à qual os gestos teriam sido dirigidos.

Burzaco, um empresário argentino que há dois anos se declarou culpado de participar da rede de atividade criminosa global, terminou seu depoimento no processo na manhã de sexta-feira.

Durante os quatro dias em que ele participou, disse que Burga solicitou propinas e aceitou promessas de futuros pagamentos. Mas, segundo Burzaco, Burga queria ser pago somente em dinheiro porque temia aceitar o que lhe deviam enquanto era investigado por lavagem de dinheiro no Peru.

Enquanto Burzaco era escoltado para fora do púlpito das testemunhas na terça, informou a um agente federal sobre o gesto inicial de Burga, disse a juíza na sexta-feira. Na quarta, Burzaco começou a chorar durante seu depoimento, depois do segundo gesto feito por Burga.

Intimidação de testemunhas, assim como formação de quadrilha, podem acarretar em pena de até 20 anos de prisão, o que significaria a possibilidade de uma sentença de 40 anos para Burga, que tem 60, caso seja considerado culpado dos dois crimes.

Burga, um advogado que usava terno escuro e gravata com nó apertado na sexta, comia bolachas enquanto caminhava pelo corredor no quarto andar do tribunal durante uma pausa de manhã.

Os promotores pediram que ele fosse reenviado à cadeia diante da ameaça que representa, na opinião deles.

Por enquanto, a juíza Chen modificou suas condições de fiança, colocou rastreador em seu telefone e limitou suas ligações a três números, pertencentes a sua mulher, seu advogado e a linha de serviços pré-julgamento do tribunal. A mulher de Burga é gerente de um pequeno hotel em Lima, segundo Udolf.

"Se Burga é tão ousado a ponto de fazer isso no tribunal", disse a juíza, "há certa preocupação" sobre a ameaça que ele pode representar. Ela acrescentou que levou em consideração que ele não está sendo julgado por crime violento e que não tem histórico de crime violento.

O júri do julgamento é anônimo, depois de "tentativas documentadas de obstrução da justiça e intimidação de testemunhas", o que foi citado em documentos do tribunal neste outono.

Burzaco deverá dar sua interpretação dos gestos de Burga na próxima semana. Na sexta ele falou sobre o assunto só com os promotores, em particular.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


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