Folha de S. Paulo


Por jogo limpo, pentatleta brasileira receberá prêmio na Bélgica

Os combates em revezamento misto na esgrima se desenrolavam naquele dia 20 de março de 2016 no Colégio Militar de Buenos Aires, capital da Argentina, até que a brasileira Stephany Saraiva perfilou-se para duelar com a guatemalteca Isabel Brand.

Para a carioca, que na época tinha 20 anos, uma vitória era importante por se tratar de seu segundo Pan-Americano, competição relevante no cenário internacional.

Stephany ainda tentava se firmar no pentatlo moderno, modalidade que adotara quatro anos antes como alternativa às decepções que colecionara depois de nove temporadas como nadadora.

A brasileira liderava o combate de espada por 2 a 0 quando o árbitro anotou mais um ponto a seu favor contra a rival. Com os 3 a 0, a vitória estaria selada ali mesmo.

Entretanto, a brasileira tomou uma atitude que foge ao cotidiano competitivo do esporte. Rapidamente, ergueu a sua lâmina e alertou o juiz: não tinha encostado na rival.

"Eu tive noção de que não cheguei a tocá-la, e o ponto não podia ser marcado", afirmou Stephany, que ainda assim venceu o duelo (2 a 1).

"Para mim, foi apenas um gesto corriqueiro", emendou.

As pessoas que repararam na cena não pensaram assim.

Imediatamente, um técnico estrangeiro fez campanha para que ela fosse agraciada pela atitude. Em seguida, outros aderiram ao coro.

Ao final do Pan-Americano, a União Internacional de Pentatlo Moderno lhe entregou um troféu de fair play.

E, nesta sexta-feira (17), mais de um ano e meio depois do campeonato, Stephany receberá outra honraria em homenagem ao seu gesto.

Em Bruxelas, ela levará o Diploma de Ato de Fair Play, distinção conferida pelo Comitê Internacional para o Fair Play. O órgão foi fundado pela Unesco em 1963, para promover o "jogo limpo".

Nove brasileiros já ganharam o prêmio, entre os quais o cavaleiro Rodrigo Pessoa, campeão olímpico em 2004.

"Não tenho a menor ideia do que vou falar no meu discurso. Talvez prepare alguma coisa, mas não há nada planejado", observou a atleta, atualmente com 22 anos.

A fala de Stephany não é blasé ou indiferente. O que ela acha curioso é as pessoas verem surpresa no que deveria ser algo elementar.

"Minha educação sempre foi aquela. Fui ensinada a dizer a verdade, seja no esporte ou na vida. Só apliquei na competição o que aprendi."

Ela espera que, de alguma maneira, a premiação atraia atenção à combalida modalidade que disputa, que abrange natação, hipismo, tiro esportivo, esgrima e corrida.

O pentatlo brasileiro tem uma medalha olímpica –bronze de Yane Marques em Londres-2012–, mas a realidade nacional é outra. Segundo Stephany, que treina em Deodoro, perto de onde ocorreram as provas nos Jogos Olímpicos do Rio, há poucas competições para os atletas.

"A situação está bastante complicada. Somente dois atletas do Brasil foram a etapas da Copa do Mundo no ano. Eu disputei apenas o Campeonato Brasileiro", disse a competidora, que faz faculdade de Direito.

A confederação nacional da modalidade, por exemplo, não tem patrocinadores e depende exclusivamente dos recursos provenientes da Lei Piva, que repassa percentual da arrecadação bruta das loterias federais para o esporte.

Stephany crê que a corrida para realizar o sonho de participar dos Jogos de Tóquio começará ano que vem. Que o prêmio seja bom presságio.


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