Folha de S. Paulo


Temi muito mesmo pela queda do São Paulo à Série B, diz Dorival Júnior

Quem vê o semblante mais tranquilo de Dorival Júnior, 55, nesta reta final do Campeonato Brasileiro pode até não acreditar, mas o treinador admite que temeu, e muito, pelo rebaixamento do São Paulo para a Série B.

Os números da equipe tricolor dão razão ao comandante. Desde que assumiu o cargo em 10 de julho, Dorival Júnior conviveu 12 rodadas com o clube entre os quatro piores da competição. No total, o time do Morumbi ficou 14 jogos na zona de descenso.

"Muito. Muito mesmo. Porque você via o trabalho, a gente ganhava uma rodada e quando terminava os jogos, não subíamos na tabela. A gente pedalava, pedalava, mas não saía da zona de rebaixamento. Quando você pensava que ia dar um salto, você acabava patinando", disse o treinador, que ainda não vive uma sensação de alívio absoluto, mas está muito próximo.

O respiro definitivo pode vir neste domingo (12), quando o São Paulo enfrenta o Vasco, às 17h, em São Januário. Com uma vitória, a equipe chega aos 47 pontos, sua meta informal para escapar da queda. O triunfo também pode empurrar a equipe em outra direção, pensando vaga na Libertadores.

Se a reação do São Paulo deixa Dorival Júnior satisfeito, ainda há o que o incomode no Brasileiro e no futebol nacional como um todo. Em entrevista à Folha, o técnico fez duras críticas à –falta de– organização e ao nível técnico das partidas que tem visto.

De acordo com o treinador, a reconstrução por que o futebol do país deveria passar após a derrota para a Alemanha por 7 a 1 pela Copa do Mundo de 2014 tem sido colocada em segundo plano devido aos resultados recentes conquistados pela seleção brasileira.

Dorival celebra o desempenho da equipe sob o comando de Tite, mas crê que o rendimento da seleção não vale como referência de avaliação ao cenário do jogo que se pratica por aqui.

"Após o 7 a 1, era para a gente repensar a reestruturação do futebol brasileiro desde CBF, federações, clubes, formação. Precisávamos repensar tudo isso. Se os resultados não acontecessem, continuaríamos capengando, correríamos o risco de não estar classificados para a Copa pela primeira vez –com os mesmos vícios e erros que permanecem até hoje. Estamos acomodados novamente porque a seleção está dando resultados. O futebol brasileiro continua andando para trás."

*

Folha: O São Paulo passou 14 rodadas na zona de rebaixamento. Hoje, está em situação mais confortável, próximo de sua meta de 47 pontos. Em algum momento, temeu pela queda para a Série B?
Dorival Júnior: Muito. Muito mesmo. Porque a gente ganhava uma rodada, você via o trabalho e, quando terminavam os jogos, não subíamos na tabela. A gente pedalava, pedalava, mas não saía da zona de rebaixamento. Quando você pensava que ia dar um salto, acabava patinando.
Quando você é envolvido pelo adversário, joga mal ou está inferior na partida, você sai de campo conformado. Agora, quando você faz uma boa partida e tem um errinho e vê a bola parar lá dentro, arrebenta com a gente.
Nesse período, o lado emocional é o mais difícil. Quando a bola começa a queimar, é porque o jogador tem receio de se expor, de passar porque ele já tem em mente que vai errar. Então, ele prefere se resguardar a arriscar.

Como tranquilizar os jogadores sobre essa possibilidade de rebaixamento?
O que percebi é que de repente mais times se juntaram a esse grupo [de rebaixamento]. Em uma oportunidade, tínhamos 13 equipes brigando contra o rebaixamento. Tentava mostrar essa situação para que os jogadores não desanimassem. Mostrei que não estávamos patinando porque estávamos trazendo mais times para a parte debaixo.
Neste período, fizemos apenas uma partida muito abaixo que foi contra o Fluminense [3 a 1]. Ninguém esperava esse rendimento porque o time estava fluindo. Aí começa uma série de dúvidas, e você mesmo se questiona para entender o que estava acontecendo.
Logo na rodada seguinte, os resultados começaram a encaixar dentro do que precisávamos e começamos a fazer a nossa parte. Com isso, encontramos um caminho.

Já conviveu com essa situação de rebaixamento no Fluminense, Vasco, Atlético-MG e Palmeiras. Essa experiência ajudou neste momento?
Cada trabalho tem suas particularidades. Já peguei realmente várias situações em que o número de jogos eram menores e emergenciais. A situação do São Paulo foi um pouco diferente da grande maioria. Na maioria das equipes, cheguei com os times já montados, os jogadores se conheciam.
Aqui foi diferente. O São Paulo remontou o time durante a competição. Por isso, foi um trabalho muito mais penoso, com uma quantidade maior de jogos. Quando fui contratado, estava chegando junto comigo o Marcos Guilherme, Petros, Arboleda, Hernanes etc.
Quando o Vinicius [Pinotti, diretor executivo do São Paulo] foi me contratar, pontuei se o clube estava ciente do que poderia acontecer nas próximas rodadas porque teríamos até o final do primeiro turno mais seis jogos sem pausa. Falei que isso poderia comprometer o trabalho, já que seria avaliado a partir do primeiro jogo, sem tempo para treinar e a maioria dos jogadores chegando.

Como foi para encontrar o time ideal durante o campeonato?
As semanas livres que tivemos para treinar após as cinco, seis primeiras rodadas nos ajudaram a formar o time. Se não fosse isso, seria muito complicado. O rendimento começou a mudar muito a partir daí.
Mudei 60% da equipe. Na equipe atual, Sidão, Milião, Arboleda, Edimar, Petros, Hernanes e Marcos Guilherme não estavam jogando. É uma mudança drástica e um quebra-cabeça para encontrar a formação ideal. É isso que se torna o maior desafio de um treinador.

O objetivo agora é deixar um legado, um time para o ano que vem?
Nosso primeiro objetivo é atingir esses pontos que faltam [para fugir do rebaixamento]. Isso vamos ver só rodada a rodada. O objetivo ali na frente não tenho direito de pensar nessa situação.
Principal legado para o ano que vem é uma equipe que saia com no mínimo uma base. Para que o time não chegue tão cru. E torcer para que mudanças [de jogadores] que possam acontecer sejam pontuais, para você não perder aquilo que já foi construído.

Esperava que Hernanes se adaptasse tão rapidamente e rendesse tanto? Segurá-lo seria o principal reforço para 2018?
Lógico que eu esperava um acréscimo, mas não neste nível. Ele acrescentou em todos os aspectos, e foi uma surpresa positiva, principalmente pelo profissional que é. Ele impõe a forma de ser pelo exemplo, pelas ações. Não apenas pelas palavras. Por isso, está tão valorizado. Ele seria um jogador importante [tem contrato até julho de 2018].

Em um ano de turbulência, os garotos tiveram muitas oportunidades neste ano no São Paulo, já com Rogério Ceni. A ideia é repetir isso o ano que vem?
Sempre gostei de valorizar o que tenho na base. Em último caso, vamos ao mercado. O São Paulo valorizou muito isso neste ano e teve o retorno. Nesse sentido, o São Paulo teve um grande ano. Esperamos continuar e que esse trabalho continue frutificando. Isso começou com o Rogério, e talvez tenha sido a maior dificuldade para ele, porque a equipe mudou muito a partir do momento que passou a liberar jogadores. É natural, já que as propostas apareceram, as multas foram pagas, e os jogadores foram sendo vendidos.

Hoje é mais difícil contratar no futebol brasileiro?
Está muito mais difícil. Está difícil em razão do pouco aparecimento de profissionais de qualidade. A Série B era uma competição sempre abastecedora de grandes equipes. Agora, está na reta final, e vemos poucas possibilidades aparecendo. É o preço do imediatismo de ter de jogar um campeonato gerando resultados, extremamente apertados, dando poucas oportunidades aos atletas da base. Isso acontece também com os clubes do interior, que às vezes têm um ano com apenas três meses de competição. Os clubes do interior, que são talvez os grandes formadores de futebol, hoje estão vivendo na penumbra. Sofrem demais para participar de uma Série C, de uma Série D e são totalmente penalizados. E você acha que a CBF está preocupada com isso? Jamais. A CBF está fazendo um campeonato para manter uma competição ativamente. Nada além disso.

A maioria das equipes na Série A investe em um futebol reativo. No São Paulo, assim como fez no Santos, está claro que você quer ver um time propondo o jogo. Como vê esse momento do futebol brasileiro?
Naturalmente cada um tem uma maneira de jogar, com a qual se sinta confortável. Pode se desenvolver uma grande equipe com o tal do futebol reativo, que hoje todo mundo fala, que nada mais é que uma forte marcação e saídas no contra-ataque. Isso tem acontecido nos últimos dois anos no futebol brasileiro e preocupa.
Estou preocupado com essa maneira que está sendo desenvolvido o futebol. Estamos priorizando velocidade, força, marcação e abrindo mão daquilo que sempre foi o carro-chefe do futebol brasileiro, que é a posse de bola, a troca de passes, a habilidade e a jogada individual.
É uma preocupação grande que tenho porque acho que continuamos contribuindo para que o futebol brasileiro caminhe na contramão de tudo o que está acontecendo nos grandes centros. Lá, estão valorizando posse de bola, trabalhando o conjunto das equipes, o futebol de aproximação, de troca de passes, de tabela, aquilo que sempre vimos no nosso futebol, com penetrações e a individualidade sendo decisivas em momentos oportunos.
Aí me volto àquilo que acho que é o carro-chefe de tudo: a pressão que existe em torno de resultados imediatos. Isso está comprometendo a formação de novos atletas, o rendimento das equipes, o próprio trabalho dos treinadores. É um absurdo um Campeonato Brasileiro com 20 equipes e ter mais de 26 alterações de profissionais.
O futebol inglês sempre foi de ligação direta e briga pela bola aérea. Hoje, vemos as equipes colocando a bola no chão, trabalhando a bola, o goleiro jogando, enfim, uma participação total. São todas as equipes jogando desta maneira diferentemente do que acontecia, não só as grandes. Aí vemos a Inglaterra foi campeã mundial sub-17 e sub-20.
O futebol está mudando, e as equipes sul-americanas não perceberam isso. Nosso movimento continua o mesmo. Continuamos retrocedendo em termos de formação: nunca nos preparamos para formar, nunca fomos grandes formadores. Os jogadores sul-americanos brotavam, nasciam com a capacidade deles. Esse garoto se desenvolvia no clube 10% a mais e ia para o mercado. Essa é a grande verdade.
Hoje, o mercado europeu forma: tem consciência, desenvolvimento de jogo. Só que tudo muito estudado e trabalhado no dia a dia, com treinos e repetições.
E o futebol brasileiro ainda discute qual o treinador que vai cair no meio da semana, no final de semana. É um atraso por completo. É um atraso que todos os segmentos que fazem futebol ainda não se deram conta. Se deram conta, continuam mantendo o mesmo sistema porque é muito prático.

Num cenário mais amplo, o que mudou no futebol brasileiro após a Copa do Mundo-2014?
Após o 7 a 1, era para a gente repensar o futebol, repensar principalmente a reestruturação do futebol brasileiro desde CBF, federações, clubes, formação. Tudo isso precisávamos repensar. Torcemos pelo sucesso do futebol brasileiro, pelo sucesso do Tite, agora imagina se isso não acontecesse. Se os resultados não acontecessem, continuaríamos capengando, correríamos o risco de não estar classificados para a Copa pela primeira vez com os mesmos vícios, erros, que permanecem até hoje.
Continuamos com os mesmos erros daquele momento. O movimento de mudança no futebol brasileiro perde consistência, perde força, porque não tem o apoio de todo mundo.
Só estamos acomodados porque a seleção brasileira está dando novamente resultados. Houve novamente uma acomodação geral assim como estávamos acomodados nos últimos 30 anos. Uma acomodação geral pelos brilhantes resultados que a seleção brasileira têm conseguido com um dos melhores profissionais do futebol mundial. E que teve que chegar na seleção brasileira para ter o reconhecimento. Por isso, que o futebol europeu passou a frente do futebol sul-americanos em todos os sentidos. Em resumo, só vimos mudanças mínimas, bem poucas aconteceram, após a Copa do Mundo-2014.
O futebol brasileiro continua andando para trás. E não vai mudar enquanto não houver um movimento de respeito com pessoas que estejam integradas e interessas em mudar o futebol brasileiro. Precisam ser pessoas do meio que estejam preparadas para mudanças, precisa ter um trabalho coletivo. Só a união de todos os meios que estejam envolvidos com o futebol farão com que tenha uma mudança no futebol brasileiro. O futebol sul-americano também está andando para trás.

Como vê a participação das federações para mudar o futebol brasileiro?
Em que momento as federações se preocuparam com seus clubes? Em que momento as federações se preocuparam com a preparação de profissionais? Nunca aconteceu isso. As federações são apenas arrecadadoras, que arrecadam e muito com o futebol e dificilmente devolvem esse ganho com investimento para o próprio futebol. Esse retorno ele se dá para pessoas que estejam em volta usufruindo do futebol. A CBF nem se fala. É um órgão que arrecada muito mais que todas as federações e também mantém o mesmo sistema. Gasta um pouquinho com a seleção brasileira, e deveria ser o contrário: gastar com a base e diminuir com a seleção. É uma pirâmide invertida. Há um desleixo, uma despreocupação. As pessoas que entraram foi de uma forma política, respaldada por presidentes de clubes que convivem e usufruem também da mesma situação.

*RAIO X

Nome:* Dorival Júnior

Nascimento: 25.abr.1962 (55 anos), em Araraquara

Principais clubes: Atlético-MG, Internacional, Flamengo, Vasco, Fluminense, Palmeiras, Santos e São Paulo

Principais títulos: Gaúcho/2012 e Paulista/2010-2016 - Copa do Brasil/2010


Endereço da página:

Links no texto: