Folha de S. Paulo


Comitê deve R$ 160 milhões e está insolvente, diz advogado da Rio-16

Luciano Belford/Agif/Folhapress
O presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman, é preso por suspeita de intermediar a compra de votos de integrantes do Comitê Olímpico Internacional (COI) para a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Ele foi preso em casa, nesta quinta-feira (5), no Leblon na zona sul.
Carlos Arthur Nuzman, que virou réu na Justiça, foi presidente do comitê organizador da Rio-2016

Uma carta enviada em junho pelo advogado do comitê organizador Rio-2016, Sérgio Mazzillo, ao então presidente da entidade, Carlos Arthur Nuzman, revela um quadro financeiro da entidade ainda pior do que o conhecido.

Mazzilo afirma que o comitê está "insolvente".

Descreve uma dívida de R$ 160 milhões -21% maior do que os R$ 132 milhões divulgados e que, sem a ajuda do COI (Comitê Olímpico Internacional), já descartada, nem sequer um processo de recuperação judicial é viável para quitar os inúmeros credores da Olimpíada.

"O comitê, querido amigo, lamento afirmar, com convicção, está insolvente. Hoje, ainda temos uma chance, tênue, de pedirmos a recuperação judicial. E, mesmo assim, se a ajuda do COI confirmar-se", diz a missiva, apreendida pela Polícia Federal durante a Operação Unfair Play.

De acordo com a carta de Mazzilo, em junho o comitê tinha R$ 12 milhões em caixa e possibilidade de arrecadar mais R$ 75 milhões, sendo R$ 36 milhões do COI.

O comitê olímpico já afirmou que encerrou qualquer negociação com a Rio-2016 após a prisão de Nuzman.

No início da carta, o advogado atribui a parte das dívidas à "péssima administração dos 'executivos'". Critica também o ex-prefeito Eduardo Paes e a então presidente Dilma Rousseff que, na avaliação de Mazzilo, fizeram imposições excessivas ao comitê.

O advogado relata que a falência da entidade implicará "sérias consequências pessoais" aos administradores estatutários da Rio-16. "O patrimônio desses administradores, todos pessoas de bem, pode ser atingido", relata.

Mazzilo traça uma estratégia: não fazer qualquer pagamento e negociar descontos de até 54% para quitar à vista dívidas. O último conselho financeiro é para que o comitê reserve "importância a ser destinada ao custeio de despesas judiciais e de honorários de advogados".

Mesmo diante da crise, Nuzman tentou usar R$ 5,5 milhões da Rio-2016 para pagar seu advogado que o defende na Operação Unfair Play.

Procurada, a Rio-2016 informou que não iria se pronunciar sobre o documento. A Folha não conseguiu encontrar o advogado Sérgio Mazzillo até a conclusão desta edição.

CREDOR QUER FALÊNCIA

Comandante da maior credora do comitê, o presidente da GL Events, Arthur Repsold, está sem esperança de ter a sua dívida de cerca de R$ 50 milhões quitada.

Repsold acredita que terá que pedir a "falência da Rio 2016" para conseguir receber a quantia. O executivo da multinacional francesa diz estar descontente com o COI.

No contrato firmado em 2009 com os organizadores brasileiros, o comitê internacional colocou uma cláusula que obriga judicialmente a Prefeitura do Rio e o governo do Estado a bancar um possível deficit. O COI é que precisa cobrar dos dois entes governamentais o pagamento.

"Não consigo entender a lógica [do COI] de não cumprir a garantia. Essa dívida é um dano de imagem muito grande para todos", diz Repsold.

"O Rio vai ser sempre lembrado como uma Olimpíada que não se pagou", afirma o executivo da empresa.

A GL Events foi a responsável por montar estruturas provisórias e hospitalidade em várias regiões de competições, como o Parque Olímpico e Deodoro.

Sem receber, a empresa teve que pedir um empréstimo da matriz na França para equilibrar as finanças. A GL negociava o pagamento com Carlos Arthur Nuzman, então presidente da entidade.

Responsável por operar os Jogos, o comitê gastou US$ 2,8 bilhões (R$ 8,8 bilhões) na realização do evento.

Em agosto do ano passado na reta final dos Jogos, a Prefeitura do Rio assinou um convênio de R$ 150 milhões para ajudar o comitê na organização da Paraolimpíada.

Na época, o então prefeito Eduardo Paes liberou R$ 30 milhões à organização do evento. O restante seria desembolsado conforme a prestação do primeiro repasse fosse feito, o que não ocorreu, segundo Paes. Além da ajuda da prefeitura, o governo federal também socorreu o comitê pouco antes do início da Paraolimpíada.

Com patrocínios de empresas públicas, a União liberou R$ 73,5 milhões dos R$ 100 milhões que havia prometido ao comitê.

EXEMPLO DE LONDRES

O Comitê Organizador dos Jogos de Londres teve as suas contas zeradas -sem lucro ou prejuízo- no final de 2013.

De acordo com o balanço do órgão, a entidade acumulou um prejuízo de 53 milhões de libras (aproximadamente R$ 220,4 milhões) até o final de 2012, mas acabou salva por ter um fundo de 78 milhões de libras (cerca de R$ 325 milhões) depositados em um banco.

Os prêmios pagos aos membros do comitê influenciaram diretamente na conta zerada dos Jogos.

Presidente executivo dos Jogos de Londres, Paul Deighton teria recebido 1,39 milhão de libras (R$ 5,8 milhões) como resultado "da entrega bem-sucedida do evento".

Com todas as comissões e incentivos, Deighton terminou o trabalho com um montante de quase 2 milhões de libras (R$ 8,3 milhões), sendo que seu salário básico era de 720 mil libras (R$ 3 milhões). O comitê garantiu que Deighton doaria seu bônus para a caridade.

A falta de lucro deixou frustrados os executivos do Comitê Olímpico Britânico. A entidade esperava angariar um excedente de até 5 milhões de libras (cerca de R$ 20 milhões), que serviria para amenizar o deficit financeiro pelo qual passava a organização.

O comitê organizador dos Jogos de Londres foi presidido pelo ex-meio-fundista Sebastian Coe, que atualmente comanda a IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo).


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