Folha de S. Paulo


'Não mudo meu jeito para ir à seleção', diz Vanderlei, goleiro do Santos

Vanderlei, 33, não guarda mágoas. Em março de 2015, com apenas três meses de Santos, perdoou Rildo, então na Ponte Preta, pela joelhada ocasional em um jogo que lhe custou o problema mais sério da carreira: lesões múltiplas na face e no maxilar.

Foram quase 90 dias afastado dos gramados e algumas marcas: 8 kg perdidos e um "trauma de sopas" adquirido, a única forma que tinha para se alimentar.

O esquecimento de Tite nas recentes convocações para a seleção brasileira, após um clamor de companheiros e questionamentos ao próprio treinador, foi mais fácil.

Em entrevista à Folha, o jogador negou ter ficado magoado ou desanimado. Quieto, pouco midiático e avesso a entrevistas, foi aconselhado a mudar de perfil para chamar atenção. Ele avisou que isso não acontecerá.

"Já pensei e a minha opinião continua a mesma: não vou mudar [para chegar à seleção]. Acho que não tenho que mudar. A minha carreira sempre deu certo assim", afirma.

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Folha – Você se considera o melhor goleiro em atividade atualmente no Brasil?

Vanderlei – É o momento mais falado pela imprensa e pelos companheiros. Desde que cheguei ao Santos tenho demonstrado boa regularidade, algo fundamental para o goleiro. Temos feito partidas espetaculares. Este ano é o que estão falando mais do meu trabalho, até para seleção. Mas o goleiro precisa ser regular sempre, não adianta fazer uma temporada boa e outra ruim. Espero terminar o ano de forma melhor ainda. Deixo para os que avaliam. Acho que tenho que estar entre os melhores. Isso já é uma satisfação.

Aqui no Santos falam que você é muito fechado, que deveria falar mais ou se expor mais. Isso não lhe prejudica?

Cada um tem um modo de ser, outros falam mais, outros menos. Não gosto de dar entrevistas toda hora. Com relação à seleção, acho que não vai atrapalhar nunca, pois você tem que mostrar o seu melhor dentro de campo, não adianta aparecer na mídia e em campo não fazer o melhor.

O Santos já sugeriu para você essa mudança. Pensou em mudar o seu estilo ou é um conceito que você tem firme?

Já pensei, e a minha opinião continua a mesma: não vou mudar. Acho que não tenho que mudar. A minha carreira sempre deu certo assim, sendo mais na minha, procurando trabalhar mais.

Tivemos alguns jogadores midiáticos na geração de meninos da Vila aqui, principalmente com o Neymar. Você é mais fechado no dia a dia?

O futebol nos dá a oportunidade de conhecer pessoas diferentes, de diversos estados e países. Acabamos criando amizade e vínculo grande. Isso é de cada um. Cada jogador tem um jeito de ser em campo, fora de campo. Até digo que fora do campo eu brinco, mas dentro de campo vou ser sério. Isso é individual, então precisa ter um equilíbrio e um meio termo para cada um. É muito do tipo de pessoa, algumas são mais tranquilas, outras brincalhonas.

Sentiu-se injustiçado pelo Tite, ficou chateado?

Não digo chatear. Criei expectativa de ser convocado, mas não só eu. Quantos jogadores têm para ser convocados? Tem que estar tranquilo, fazendo o trabalho no dia a dia da melhor maneira, e uma hora o seu nome vai aparecer. Fico feliz de ter o meu nome ventilado para a seleção. Isso é para poucos. Se continuar fazendo o meu trabalho, uma futura convocação pode vir, e preciso estar preparado para não sair mais. Estou feliz demais, brigando por grandes campeonatos, não tem como estar desmotivado.

Os pedidos da torcida santista pela sua convocação atrapalham ou ajudam?

Não é só a torcida do Santos, há torcidas de outros clubes também. Fico feliz, o trabalho está sendo bem feito. Mas quem vai avaliar são os profissionais que estão no futebol há muito tempo. Tite, Taffarel, nomes vencedores e que têm muita coerência.

O seu início no Santos ficou marcado por um acidente em um lance com o Rildo, então na Ponte Preta. E foi algo que você fez questão de deixar claro que perdoou. Quanto marcou a sua carreira esse episódio?

É difícil tratar uma lesão dessa. Não foi só na face, foi o olho, a bochecha e a mandíbula. Na hora eu falei para o médico: 'quebrou tudo'. Falei meio enrolado, nem sei se ele entendeu. Os meus dentes caíram, saiu muito sangue. No hospital tiveram que colocar um arame para recolocar a mandíbula no lugar, deu hemorragia. Foi um momento de aprendizado, no futebol estamos sujeitos a isso. Tem outras lesões piores, de fratura exposta, então precisamos estar fortalecidos nos amigos, em Deus e na nossa família. Tive uma boa recuperação, procurei me tranquilizar. Pude me recuperar e fazer um grande ano em 2015.

Fred Casagrande/FramePhoto/Folhapress
O goleiro Vanderlei, do Santos, vibra após defender pênalti na partida contra o Palmeiras, na Vila Belmiro; time fará final com Audax
O goleiro Vanderlei, do Santos, celebra após defender pênalti contra o Palmeiras, na Vila Belmiro

Quem eram as suas referências quando você começou e quem são as suas referências hoje na posição?

O Brasil teve grandes referências, grandes goleiros: Marcos, Dida, Taffarel, Rogério Ceni, Zetti. Foi uma geração muito rica e muito boa para o Brasil, com grandes goleiros que ficaram na história e são lembrados por todos os brasileiros. Hoje, é mais difícil de ver porque estou jogando, então é complicado sentar e definir uma referência. Mundialmente tem excelentes goleiros como o Buffon, há muitos anos entre os melhores do mundo, além do próprio [Manuel] Neuer, [Keylor] Navas e Ter Stegen.

O Taffarel esteve no CT Rei Pelé. Vocês conversaram ou o ele só falou com a comissão técnica?

Conversamos, sim, mas coisas do futebol. A conversa dele foi com a comissão técnica, com o Arzul [preparador de goleiros] e o Levir [Culpi, técnico]. Além, claro, de ver o dia a dia. Geralmente, [a equipe da seleção] só vai nos jogos. Vindo aqui, gera outras impressões. Ele não fez isso só no Santos. Visitou outros clubes e avaliou outros goleiros.

É verdade que você se recusou a usar camisa de uma marca de frangos no Paranavaí?

Foi na chegada ao Paranavaí. O patrocínio era uma avícola, então não tinha o que fazer. O roupeiro chamou para ver a roupa, os tamanhos. Ele me entregou a camisa e tinha um frango bem grande na camisa. Falei: 'o atacante vai chutar do meio de campo assim.' O pessoal acabou tirando, ficou só para os jogadores de linha. Fomos campeões paranaenses de 2007.

O jogo deste sábado vale o segundo lugar no Brasileiro. O que você espera da partida?

Todo o clássico é importante, ainda mais em São Paulo, onde há grandes clubes. O Palmeiras, pelo contexto de decisões e jogos equilibrados, se tornou importante não só para nós, jogadores, mas para os torcedores, que criaram mais rivalidade. Precisamos fazer o nosso melhor, sabemos o quanto vale. O Corinthians tem uma vantagem muito grande e precisamos pontuar o máximo possível para ver o que vai acontecer.

Há uma comparação muito grande entre goleiros. Você e o Fernando Prass, por exemplo. Como vê isso?

É um grande goleiro, um cara que por onde passou foi campeão. É um ótimo caráter, também. Ele teve uma dificuldade esse ano, mas deu a volta por cima. Vem fazendo grandes jogos e um ótimo trabalho novamente.

Ricardo Saibun - 30.jan.2015/Divulgação/Santos FC
SANTOS,SP - 30/1/2015 - Vanderlei e apresentado em treino do Santos / ou durante partida do Santos na Vila Belmiro. (Foto: Ricardo Saibun/SantosFC) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O goleiro Vanderlei em sua apresentação no Santos em 2015

Ele é um batedor de pênaltis em decisões, também. O fato de ter tomado um gol dele, principalmente na final da Copa do Brasil, é difícil de aceitar?

Sendo goleiro, ou não, quem está ali é o cobrador. Se o cara está ali para cobrar um pênalti é porque treinou e trabalhou por isso. É um risco que corre, ele fez um na Copa do Brasil [em 2015] e no Paulista do ano seguinte perdeu. Se o cara tem a qualidade, como era o Rogério Ceni, não tem problema nenhum. Não tem como ter chegado de uma hora para a outra e ter batido o pênalti. Se há bons batedores no elenco, não tem como.

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RAIO-X
Vanderlei Farias da Silva

Nascimento
1º de fevereiro de 1984, em Porecatu-PR (33 anos)

Clubes
Londrina-PR (2004 a 2005); Olímpia-SP (2006); Paranavaí-PR (2007); Coritiba (2007 a 2014) e Santos (2015).

Títulos
Paranavaí: Paranaense (2007)


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