Folha de S. Paulo


Fugindo do preconceito, mulheres criam espaços para discutir futebol

Avener Prado/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 30-08-2017: Nayara Perone, 30, camiseta corinthians preta; Roberta Nina, 34, camiseta azul Brasil; Renata Mendonça, 28, camiseta amarela Brasil; Angélica Souza, 33, camiseta palmeiras. Sem espaço nas rodinhas masculinas, mulheres passaram a criar seus próprios sites e páginas nas redes sociais para discutir futebol. Publicam notícias, entrevistas, textos de opinião e vídeos sobre o esporte: modalidades feminina e masculina, campeonatos nacionais e internacionais, futsal e campo, seleções e times amadores. O â€Dibradoras†é um deles. Já recebe mais de 40 mil visualizações por mês e organiza eventos esporádicos para reunir torcedoras. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Fundadoras do site Dibradoras, que fala sobre mulheres no esporte e recebe 40 mil visitantes por mês

"Se você gosta tanto de futebol, o que é impedimento?" "Qual era a escalação do seu time em 1956?" "Você só fala disso para arrumar namorado." "Precisa vir com as pernas de fora no estádio?" "Com certeza é lésbica."

Cansadas de ouvir comentários como esses nas rodinhas masculinas, mulheres que acompanham e entendem de futebol têm criado seus próprios espaços para discutir o esporte.

São cada vez mais comuns sites independentes e páginas nas redes sociais com artigos de opinião, crônicas, vídeos e entrevistas produzidos por e para torcedoras –advogadas, jornalistas, assistentes sociais, estudantes.

É o caso do Futebol por Elas, um dos maiores projetos do tipo. Em pouco menos de um ano, conquistou 168 mil seguidores no Facebook (um quarto deles homens) e uma média de 21 mil visitantes únicos por mês.

"É muito ruim ter de ouvir que você não é capaz de falar sobre um assunto porque você é mulher. Termos voz mostra que outras torcedoras também podem ter", diz a gaúcha Kaliandra Dias, 23, uma das fundadoras.

De sua casa em Carazinho (a 300 km de Porto Alegre), ela é uma das que coordena as 35 colaboradoras voluntárias do site, à distância. Elas estão espalhadas por todas as regiões do Brasil, e muitas ainda são estudantes.

"Homens já nos mandaram e-mail perguntando se podiam participar para fazer 'revisão' porque 'vai que passa algum erro'", conta Kaliandra. "Mas a maioria dos comentários é positiva. Uma vez um cara disse que fizemos ele repensar sua opinião machista sobre mulheres que falam de futebol."

O Futebol por Elas tem como carro-chefe as "crônicas com sentimento", publicadas após jogos de campeonatos estaduais, Copa do Nordeste, Copa do Brasil, Libertadores e campeonatos europeus, sempre masculinos.

É quase a mesma proposta do A Bola que Pariu, feito por torcedoras que se declaram fanáticas e escrevem sobre seus próprios clubes.

"Não queríamos esse papel secundário que as mulheres acabam tendo na mídia, queríamos falar sobre futebol com propriedade", explica a paulistana Jéssica Gomes, 26, uma das 15 integrantes do site, hoje com 13 mil seguidores no Facebook.

Jéssica herdou a paixão pelo esporte de outra mulher: a mãe, que nunca sai de perto do rádio e sempre levou a filha aos jogos do São Paulo. Ela conta que recentemente a página também passou a cobrir partidas de várzea e campeonatos femininos.

Acompanhar o futebol das mulheres, porém, não é tarefa tão fácil. "Quase não tem informação. É tudo pelas redes sociais, por amigos que mandam no Whatsapp ou ligam falando o que está acontecendo", diz Mariana Cardoso, 20, que dirige o Bola Brasil Mulher, com 10 mil leitores mensais.

Antes de coordenar a página, Mariana jogava na Ferroviária de Araraquara (campeã da Libertadores em 2015), no sub-20. Parou após uma lesão no joelho e hoje estuda engenharia da computação em Araras (SP).

"Futebol feminino é um amor. A menina não joga por interesse", conta ela, que toca o site junto com mais três mulheres e dois homens que moram no Texas (EUA), em Manaus, SP e Rio.

O site traz os resultados das rodadas –já que nem sempre há detalhes de cada jogo– dos campeonatos estaduais, nacionais e internacionais femininos. O Twitter, que tradicionalmente tem participação importante na cobertura da modalidade, é usado para descrever os lances de algumas partidas.

Além das discussões virtuais, passaram a ser mais frequentes encontros presenciais entre as amantes do esporte. Em junho deste ano, por exemplo, mais de 300 torcedoras se reuniram no Museu do Futebol, no estádio do Pacaembu, para o 1º Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada.

Na plateia, estava a jornalista Roberta Cardoso, 34, uma das quatro fundadoras de outro site, o Dibradoras. Há quase dois anos, elas contam a história de atletas, treinadoras, árbitras e dirigentes esportivas por meio de entrevistas em podcasts semanais.

Já participaram a treinadora da seleção brasileira, Emily Lima, a meio-campista Formiga e a atacante Cristiane. Para Roberta, muitas meninas começaram a acompanhar o feminino na Olimpíada de 2016, por causa do bom desempenho da seleção. "Muitas falaram: 'Descobri porque não gostava de futebol, ninguém falava sobre isso comigo'."

O nome do Dibradoras vem de experiências próprias. "Toda mulher que gosta de futebol já nasce uma 'dibradora', tendo que driblar o machismo e as dificuldades", explica. "Costumamos dizer que seguiremos 'dibrando'."


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