Folha de S. Paulo


Dirigentes do COI demonstram mal-estar por acusação contra Nuzman

Leo Correa/AP
Sept. 5, 2017 file photo, Carlos Nuzman, president of the Brazilian Olympic committee, arrives at Federal Police headquarters in Rio de Janeiro, Brazil. ON Wednesday, Sept. 13, 2017 a former member of the Brazilian Olympic committee showed the Associated Press letters he sent to the IOC eight years ago warning against awarding the games to Rio de Janeiro, and cautioning against the administration of Carlos Nuzman. (AP Photo/Leo Correa, File)
Nuzman chega à PF para depoimento sobre suposto esquema de compra de votos para a Rio-2016

"Você não tem uma pergunta mais fácil?", indagou o chileno Neven Ilic, 55, presidente do comitê olímpico de seu país e da Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana) na quinta-feira (14), em intervalo da sessão do COI (Comitê Olímpico Internacional) no centro de convenções de Lima.

Ele havia sido questionado sobre a investigação que corre no Brasil e na França e que envolve o cartola brasileiro mais influente dos últimos anos no esporte olímpico.

Suspeito de atuar como elo no esquema de compra de votos que deu ao Rio de Janeiro a Olimpíada de 2016, Carlos Arthur Nuzman, 75, é tema delicado dentro do complexo organograma de 134 membros -ativos e honorários, sem direito a voto- do COI, repleto de dirigentes esportivos, ex-atletas, herdeiros reais e personalidades. Seus advogados negam qualquer relação com o caso.

É inegável, no entanto, que a simples menção do assunto causa enorme mal-estar entre dirigentes, embora não haja acusação formal contra ele das autoridades brasileiras e francesas, que iniciaram a investigação ao mirarem os senegaleses Lamine Diack, ex-membro do COI, e seu filho, Papa Massata.

Eles teriam recebido milhões para influenciar votantes a elegerem o Rio e também Tóquio para os Jogos de 2020.

Internamente, existe pressão para que a entidade atue com pulso firme para reprimir reiterados casos de corrupção que têm maculado sua imagem, entre eles o que envolve o presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do Comitê Rio-2016.

Poucos, porém, verbalizam. Um membro do órgão que pediu para não ser identificado disse à Folha que, até pouco tempo atrás, ele era "um dos nossos".

O desconforto transpareceu na maneira como a chefe da comissão de coordenação da Rio-2016, a marroquina Nawal el Moutawakel, evitou contato com jornalistas.

Reação similar ao do suíço Patrick Baumann, que na quarta-feira (13), data em que Paris e Los Angeles foram eleitas sedes dos Jogos de 2024 e 2028, afirmou que "não era hora" de falar da suspeita de compra de votos.

"Esqueça. Hoje é um dia para se comemorar", disparou.

Nuzman foi membro ativo do comitê entre 2000 e 2012, e há quatro anos tornou-se honorário -atualmente, ele também compõe a comissão de coordenação para os Jogos de Tóquio-2020.

Nunca conseguiu, dentro da hierarquia, ocupar um cargo de cúpula, como fazer parte do comitê executivo.

Ainda assim, ganhou considerável influência no mundo olímpico, provada com a vitória do Rio para os Jogos de 2016, hoje sob suspeita.

Ele dirige o COB há 22 anos, desde 1995, e por outros 20 comandou a Confederação Brasileira de Vôlei -foi atleta da modalidade, com participação nos Jogos de Tóquio-1964.

Na história dos Jogos, foi o único presidente do comitê organizador a acumular o cargo de mandatário do comitê olímpico do país-sede.

Nuzman viajaria ao Peru para participar do evento do COI e também pediria recursos para aplacar os alegados R$ 100 milhões de dívida que a Rio-2016 deixou principalmente com fornecedores. Contudo, não pôde viajar
pois teve seus passaportes apreendidos pela Polícia Federal.

CRÍTICAS

Durante os três dias de sessão em Lima, a voz mais crítica à atuação do COI foi do canadense Richard Pound. No passado vice-presidente e responsável por negociar direitos de transmissão do comitê, ele exigiu uma conduta mais rígida de seus pares.

"O COI precisa dar um tempo. Pensar no que fazer para reparar isso. A sua reputação e dos membros foi absolutamente afetada pelas alegações de compra de votos."

Segundo o canadense, há anos o COI tem juntado críticas e reclamações contra a conduta de Nuzman dentro do Brasil. Algumas delas foram feitas por Eric Maleson, ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo, que encaminhou relatórios nos quais disse que Nuzman, de quem é desafeto, fazia gestão temerária.

Maleson prestou depoimento e colaborou com procuradores franceses na investigação. "Eu mesmo recebi cópias de pessoas que enviaram esses documentos. O COI tem posse de muito material relativo a Nuzman", complementou Pound.

Isso não significa que haja consenso sobre qual medida tomar. Inicialmente, o COI destacou que sua comissão de ética, que agora é chefiada pelo ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, é quem vai se encarregar da condução do caso e aplicar eventuais sanções aos envolvidos.

"Quando as Justiças do Brasil e da França nos derem provas, atuaremos rapidamente. É preciso tomar cuidado com declarações de algumas pessoas que as disparam com outras finalidades, como políticas. Se Nuzman for culpado, terá de pagar. Mas ninguém pode ser culpado sem que haja prova", comentou Gerardo Werthein, membro argentino do COI.

Único brasileiro entre os membros, o ex-jogador de vôlei Bernard Rajzman, que é muito ligado a Nuzman, afirmou que ao longo da semana "muita gente perguntou" sobre o caso. "Eu não acredito [na compra de votos]. Espero que decida-se rápido porque a gente precisa continuar trabalhando. O importante é que a justiça seja feita", disse Rajzman.

A sessão do COI em Lima terminou nesta sexta-feira (15), mas a reverberação da suspeita de compra de votos não parece ver linha de chegada no horizonte.


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