Folha de S. Paulo


Ex-chefe de governança da Fifa ameaça Gianni Infantino com depoimento

Um ex-chefe do comitê de governança da Fifa que acusou importantes dirigentes da organização de pressioná-lo a ignorar os regulamentos da entidade afirmou que, se solicitado, ofereceria detalhes específicos sobre as acusações em uma audiência parlamentar no Reino Unido, nesta semana.

O depoimento, a ser realizado sob uma oferta de imunidade, pode gerar questões éticas novas e perturbadoras para o presidente da Fifa, Gianni Infantino. Seus críticos continuam céticos quanto ao seu compromisso de conduzir a organização que comanda o futebol mundial a uma nova era de transparência e boa governança.

Miguel Maduro, o antigo dirigente da Fifa, foi indicado por Infantino em 2016 como chefe do comitê de governança da organização.

O comitê de Maduro tinha independência para agir como guardião de ética da Fifa, e era responsável por conduzir verificações de elegibilidade sobre os indicados para postos importantes do futebol, antes que eles pudessem obter posições cobiçadas e lucrativas em comitês importantes e no Conselho da Fifa, que governa a organização.

Mas Maduro, antigo ministro do governo português, foi demitido por Infantino em maio, depois de oito meses no posto, e declarou posteriormente que seu comitê havia sido pressionando por importantes dirigentes da Fifa para que ignorasse as regras da organização ao decidir sobre a elegibilidade de certos executivos poderosos.

Maduro será questionado por um comitê de legisladores britânicos na terça-feira (12). Ao depor na Câmara dos Comuns, ele receberá o chamado status privilegiado, que o protege contra processos judiciais por difamação no Reino Unido, o que permitirá que ele fale livremente e talvez forneça nomes e detalhes que normalmente não poderia discutir por medo de ação legal.

"Sempre declarei que, se convidado a depor diante de um legislativo nacional, minha obrigação de cooperar teria precedência", afirmou Maduro.

Damian Collins, que preside o comitê de cultura, mídia e esporte do Parlamento britânico e convidou Maduro, descreveu a presença dele em Londres como "algo realmente único".

"O nível de interesse público é tão grande que ele decidiu cooperar com um inquérito parlamentar e responder perguntas livremente sobre o que aprendeu ao trabalhar dentro da Fifa, algo que a Fifa vem restringindo todo o seu pessoal de fazer", disse Collins.

O comitê de ética da Fifa foi informado sobre o depoimento de Maduro. A Fifa se recusou a comentar sobre o depoimento que Maduro foi convidado a fazer e seu potencial conteúdo.

Há muito em jogo para Infantino e a Fifa. Infantino conquistou a presidência da entidade em fevereiro de 2016, menos de um ano depois que o Departamento da Justiça norte-americana conduziu uma série de ações de busca e detenções que derrubaram a liderança anterior da organização.

Infantino vem realizando um percurso acidentado como presidente, no entanto, e suas promessas de conduzir a Fifa a uma era de transparência se veem constantemente contrariadas por novas acusações de irregularidades quanto a importantes dirigentes do futebol, bem como pela demissão súbita de dirigentes apontados para garantir que suas promessas ambiciosas de boa governança fossem cumpridas.

O comitê independente presidido por Maduro, responsável por verificar os antecedentes de candidatos a postos nos comitês da Fifa, tomou diversas decisões que se provaram impopulares dentro da organização, entre as quais a de proibir Vitaly Mutko, primeiro-ministro assistente da Rússia, de disputar a reeleição para seu posto no Conselho da Fifa. O comitê de governança também exigiu que um bem relacionado xeque kuwaitiano, Ahmad al-Fahad al-Sabah, voltasse a ser submetido a verificações de integridade, depois que ele foi identificado como um dos conspiradores envolvidos em um caso separado de corrupção no futebol dos Estados Unidos. Sabah deixou o futebol, em lugar de se submeter à verificação ética, ainda que continue a deter posto importante no Comitê Olímpico Internacional (COI). Ele negou qualquer delito.

Quando Infantino apontou Maduro, que também serviu como advogado geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, para o comitê de governança, o presidente da Fifa disse que isso demonstrava o compromisso da organização para com a boa governança, e seus esforços por deixar para trás os escândalos do passado. A exoneração de Maduro, menos de um ano mais tarde, levou diversos outros membros independentes do comitê de governança da Fifa a renunciarem a seus postos. Entre os demissionários estão Joseph Weiler, professor da Universidade de Nova York; Navi Pillay, antiga alta comissária de direitos humanos das Nações Unidas; e o especialista em direitos humanos Ron Popper.

Os esforços da Fifa para combater violações de ética continuam sob suspeita depois que Infantino exonerou os presidentes das comissões judiciais da organização, na mesma reunião em que Madurou perdeu o posto. Isso aconteceu em meio a reportagens de que uma segunda investigação de ética havia sido iniciada sobre a conduta de Infantino. Ele foi inocentado em uma investigação anterior relacionada a queixas sobre suas despesas e seu uso de jatinhos executivos.

Mais revelações podem surgir na semana que vem quando um dos dirigentes de ética demitidos por Infantino, Cornel Borbély, antigo investigador chefe da Fifa, deve falar em uma reunião do Grupo dos 20 (G20) sobre combate à corrupção. Mas primeiro Maduro terá sua oportunidade.

"Tentarei contribuir de fora para a reforma da governança do futebol e a governança do esporte em geral, porque creio que haja problemas sistêmicos que só poderão ser corrigidos de fora", ele disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: