Folha de S. Paulo


Cidade de Messi, Rosário vive entre lembranças e espera por volta do ídolo

Eitan Abramovich/AFP
Um graffiti que representa a estrela de futebol argentino Leonel Messi é retratado em Rosario, em 28 de junho de 2017. Evasivo com fama e conhecido em todo o mundo: Ernesto Che Guevara e Lionel Messi, dois transgressores em diferentes áreas que nasceram em junho e em Rosario com quase 60 anos de diferença. Não há semelhanças entre essas duas personalidades além de quem nasceu em Rosario, disseram aqueles que as conheciam em privacidade.
Grafite de Lionel Messi em parede na cidade de Rosário, na Argentina, onde o craque nasceu

Ninguém acreditou quando Lionel Messi entrou acompanhado por um amigo no restaurante El Club da Milanesa, no centro de Rosário (298 km de Buenos Aires), em 2015. Pediu o prato que dá nome ao local, pagou a conta e foi embora. Não houve tempo nem para os fãs se aglomerarem na porta.

Foi um dos raros encontros do jogador cinco vezes eleito melhor do mundo com a "vida normal" da cidade onde nasceu. Rosário sabe muito pouco da vida fora de campo do seu filho mais ilustre. Messi deixou a cidade para viver em Barcelona aos 13 anos.

"Vamos supor que Leo [Messi] tivesse ficado e estreado como profissional no Newell's Old Boys aos 16 ou 17 anos. Quanto tempo você acha levaria para um clube como o Villarreal-ESP aparecesse para comprá-lo? Seis meses? Era inevitável. Ele saiu menino em formação, vai voltar como jogador completo", acredita o médico Diego Schwarzstein, o endocrinologista que descobriu a necessidade de tratamento hormonal de crescimento para a criança de então 10 anos.

Foi esse diagnóstico a dar início ao processo que o tirou de Rosário.

Schwarzstein é um dos poucos na cidade a acreditar no mito de que Lionel prometeu retornar à Argentina para encerrar a carreira no Newell's. O autor da frase é seu pai, Jorge Messi.

O povo de Rosário é indiferente a ele porque o vê pouco em carne e osso. A família tem um restaurante na cidade, o café Vip, ao lado do Monumento à Bandeira. A última vez que o atacante esteve no local foi em 2014, antes da Copa do Mundo. Assinou uma foto com a imagem do troféu da Fifa e escreveu "prometo trazê-la". A Argentina perdeu a final.

"O que as pessoas de Rosário esperam é impossível. Se Leo anuncia que estará em qualquer lugar, será um tumulto. Ele mora em outro país. Às vezes, querem demais dele", reclama o meia Lucas Scaglia, amigo de infância de Messi e primo da mulher dele, Antonella Roccuzzo.

Todos os anos, Messi passa férias no município de 989 mil habitantes. Fica alguns dias em uma das duas mansões em condomínios fechados que possui na região. Também é dono de um par de andares em torre de escritórios ao lado do Rio Paraná, no limite leste de Rosário.

A casa da sua infância, na Estado de Israel, uma rua estreita na periferia sul, ainda pertence a Jorge. Nela reside Matías, irmão de Lionel e considerado a ovelha negra da família. Já foi preso duas vezes por porte ilegal de armas de fogo. A imprensa divulgou fotos dele ao lado de traficantes do cartel de Los Mono, que controla a droga em Rosário, fugitivos da Justiça e barras bravas (como são chamados o núcleo violento das torcidas organizadas) do Newell's.

O sobrado de dois andares, com paredes carecas à espera de pintura, estava com portas e janelas fechadas. A reportagem da Folha tocou a campainha, mas ninguém atendeu. Segundo uma vizinha. Matías estava em viagem.

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Messi quando jogava no Grandoli, de Rosario, na Argentina Foto: Reproducao DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
Messi quando jogava no Grandoli, de Rosário, na Argentina

A região, pobre e controlada pelo tráfico, não tem maioria de torcedores de Newell's ou Rosario Central, os dois principais times locais. É dominada pelo Central Córdoba, hoje na Primera C, a quarta divisão argentina.

Não que a família do jogador seja insensível aos problemas locais. Messi fez doações para o Grandoli FC, seu primeiro clube. Ajuda a financiar a construção de um museu do futebol, obra que acontece a cerca de 500 metros da casa onde morou na infância. Pagou pelo prédio erguido para abrigar meninos que chegam Newell's vindos de outras regiões. Aos que desejavam lhe dar presentes no casamento, solicitou doações para a Fundação Lionel Messi, que realiza trabalho social com crianças carentes.

FILHO PRÓDIGO

A história da volta para encerrar a carreira não é a única lenda sobre Messi em Rosário. Nas categorias de base do Newell's, com o time de nascidos em 1987, ele teria anotado 500 gols.

"Não sei se é verdade ou se alguém contou. Mas se não foi isso, chega perto. Ele era uma máquina", diz Franco Falleroni, um dos melhores amigos, na época, do hoje atacante do Barcelona.

"Máquina", na verdade, é o apelido daquela equipe que, com o passar do tempo e por causa de Messi, ganhou contornos mitológicos. Como se jamais tivesse perdido.

"Perdemos, sim. Poucas vezes, mas perdemos", lembra Sergio Maradona, 29, um ano mais novo, mas chamado para fazer parte do elenco em alguns torneios.

A curiosidade era tanta sobre um grupo de garotos que jogava o que na Argentina é chamado de "baby futebol" (com sete jogadores de cada lado) que a Associação Rosarina resolveu fazer o levantamento. Messi anotou, em partidas registradas pela entidade entre março de 1994 e outubro de 1999, 234 gols.

Todos os meninos daquele time até hoje são lembrados pela imprensa porque dividiram vestiário com o mirrado garoto que anos depois seria um dos maiores jogadores da história. Do elenco original da "máquina de 87", todos já completaram 30 anos em 2017 ou estão prestes a isso. Messi atingiu esta idade em 24 de junho. Quando chegou ao clube, em 1993, tinha sete. Não parecia.

"Ele tinha jeito de mais jovem do que isso. Com a bola nos pés, chegava a ser ridículo. Quando o time se formou, era bom. Com Léo, era quase imbatível", lembra Sergio Almiron, ex-diretor das categorias de base do Newell's Old Boys.

A equipe foi tão especial na memória do futebol de Rosário e marcou tanto a vida de seus integrantes que cada um, quando questionado, tira da manga uma história pessoal envolvendo Messi. Como a semifinal disputada contra o arquirrival Rosario Central decidida nos pênaltis. A última cobrança ficou para Lionel. Se fizesse, o Newell's se classificaria.

"Foi a única vez que pensei vê-lo nervoso", afirma Gerardo Grighini, outro dos batedores.

Ele estava certo. Anos depois, o artilheiro do Barcelona confessou que aquele foi o único momento em que tremeu em uma partida de futebol. Mas fez o gol da vitória.

O mais sossegado do time era o goleiro, Leguizamon. Ficava tão entediado nos jogos que se sentava no meio da área, sem nada para fazer. Procurado, disse que só daria a entrevista se recebesse cachê.

A "máquina de 87" ficou três anos invicta. Em seis temporadas, teve quatro derrotas. Em 2000, a última de Messi antes de ir para o Barcelona, foi campeã com 20 pontos de vantagem sobre o segundo colocado. A Associação Rosarina impôs limite. Se qualquer time abrisse seis gols de vantagem, a partida teria de ser encerrada. A regra foi colocada por causa daquele Newell's.

"Messi era uma criança comum. Essa imagem de timidez é bobagem. Ele era brincalhão. Algumas coisas que fazia não era de gente tímida", lembra Bruno Milanesio, meia que se tornou profissional.

As histórias que mais divertem os ex-companheiros são as de viagens para jogar torneios em outras cidades. Sempre faltava dinheiro para comprar refrigerantes. A solução era pedir moedas na rua. Lionel era sempre quem tinha mais sucesso. Pela expressão de criança carente que fazia ou, se tivesse uma bola, pelos malabarismos que produzia.

"Leo só ficava realmente tímido quando Antonella aparecia", se diverte Lucas Scaglia, lembrando que o garoto corava cada vez que via a garota que, anos depois, seria mãe de seus dois filhos.

Na partida da estreia, em 9 de abril de 1994, quando fez quatro gols contra o Pablo VI, Messi impressionou os companheiros não apenas pelos dribles ou finalizações. Segundo Falleroni, Scaglia e Sergio Maradona, Lionel jamais fugia do marcador. Tinha coragem para não se deixar intimidar.

"Houve um jogo em que ele resolveu humilhar o menino que o derrubava em todas as jogadas. Deu duas gambetas [passar a bola pelo meio das pernas] nele na mesma jogada", diz Falleroni, reconhecendo que essa é sua segunda história preferida do amigo que não vê há anos.

A primeira aconteceu após título em 1996, quando o time deu a volta no campo para saudar a torcida no estádio hoje batizado como Marcelo Bielsa, no intervalo de partida do profissional do Newell's. De brincadeira, os outros meninos empurraram Messi para o meio-campo e lhe jogaram uma bola. Ele começou a fazer malabarismos. Um atrás do outro. O público viu aquele garoto magro e pequeno engatando uma sequência de embaixadinhas e começou a gritar:

"Maradona! Maradona!"

De seu consultório na calle Itália, centro de Rosário, o mesmo em que o menino Lionel entrou em 1997 medindo apenas 1,25m, Diego Schwarzstein dá de ombros para os descrentes, para os que duvidam que Messi retornará. Para ele, são apenas infiéis.

"Leo vai voltar. Eu sei."


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