Folha de S. Paulo


Acusado de vender voto para Rio-2016 foi saltador e acobertou doping russo

Kin Cheung/Associated Press
FILE - In this Aug. 21, 2015 file photo IAAF president Lamine Diack adjusts his headphones during a joint IOC and IAAF press conference on the side of the World Athletic Championships in Beijing. IOC ethics panel recommends provisional suspension of Lamine Diack as honorary member, Monday, Nov. 9, 2015. (AP Photo/Kin Cheung, file) ORG XMIT: LGL108
O ex-presidente da IAAF, Lamine Diack, durante o Mundial de Atletismo de Pequim, em 2015

A figura central do suposto esquema de corrupção e compra de votos para a eleição dos Jogos Olímpicos do Rio é o senegalês Lamine Diack, 84.

Foi em torno de sua importância como presidente da IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo), entre 1999 e 2015, e membro do COI (Comitê Olímpico Internacional), entre 1999 e 2013, que ele operou um esquema milionário que hoje é investigado por autoridades e pela Justiça francesa.

Saltador em distância de talento considerável, Diack obteve os melhores resultados durante a década de 1950, mas sua maior projeção veio como cartola e político.

Entrou para o comitê olímpico senegalês em 1974, e 11 anos mais tarde assumiu a presidência da entidade. Exerceu cargo de secretário nacional de juventude e esporte em seu país e também chegou a ocupar o posto de prefeito de Dakar, por dois anos, entre 1978 e 1980.

No transcorrer destes anos, jamais se distanciou do atletismo e, aos poucos, cavou uma vaga relevante dentro da IAAF. Aproximou-se do italiano Primo Nebiolo, que conduziu a associação por quase 20 anos com mão de ferro.

No cenário olímpico, Nebiolo tinha poder maior até do que o do próprio presidente do COI. E Diack, ciente disso, galgou posições até tornar-se seu vice-presidente.

Operação Unfair Play
Polícia Federal investiga compra de votos para escolha do Rio como sede olímpica

Em 1999, com a saída do italiano –que morreria ainda naquele ano–, foi eleito o presidente da federação internacional de atletismo.

Pelos 16 anos seguintes, Diack se consolidou como um dos cartolas mais influentes do movimento olímpico, e hoje se sabe como ele capitalizou com o poder.

Há dois anos, começaram a pesar sobre Diack, seus filhos e antigos empregados na IAAF acusações gravíssimas: ocultamento de casos de doping, lavagem e desvio de dinheiro e corrupção ativa.

Ele teria recebido, por exemplo, mais de 1 milhão de euros em propina para encobrir casos de atletas russos. O senegalês teria como cúmplice o médico Gabriel Dollé, que chefiava o departamento antidoping da IAAF, e Habib Cissé, seu consultor pessoal. Todos eles foram denunciados por promotores franceses e acabaram presos.

Na mesma época, o Comitê de Ética do COI chegou a repreendê-lo por se relacionar e receber pagamentos com a agência de marketing ISL, que era uma gigante no meio esportivo e quebrou devido a sucessivos casos de corrupção.

Atualmente se sabe a extensão desse esquema. Em 2015, um comitê independente da Wada (Agência Mundial Antidoping) apurou que a Rússia tinha um programa estatal de fomento ao doping do qual o atletismo era o principal beneficiário havia anos. Como consequência, recomendou a exclusão de competidores do país de todas as competições internacionais –como os Jogos Olímpicos do Rio.

Até hoje atletas russos estão impedidos de participar de eventos promovidos pela IAAF. Exceções foram feitas a esportistas que comprovaram um histórico limpo ou não estiveram baseados em território russo. Ainda assim, eles competiram como independentes, sem defender a bandeira russa.

Em que pese as intromissões no doping, a ação de Diack seria ainda mais pesada nas trapaças administrativas. Pesam contra ele acusações de que recebeu dinheiro para eleger Doha a sede do Campeonato Mundial de atletismo em 2019 e Eugene (EUA) a sede em 2021.

A investigação mais surpreendente, no entanto, trata da compra de votos para eleição dos Jogos Olímpicos do Rio-2016 e de Tóquio-2020. Nos dois casos, a peça-chave não é exatamente Lamine Diack, mas alguém com seu sangue. Seu filho Papa Massata Diack.

Segundo o Ministério Público da França, Papa Massata teria levado US$ 2 milhões para influenciar membros africanos do COI a votar em favor do Rio na escolha da sede para a Olimpíada de 2016.

Conforme apuraram os franceses, três dias antes da eleição da escolha do Rio para sede da Olimpíada, em outubro de 2009, Papa Diack teria recebido US$ 1,5 milhão do empresário Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, que é conhecido como "Rei Arthur".

A propina foi enviada ao filho de Lamine Diack por meio da Matlock Capital Group, holding ligada a Soares que fica em um paraíso fiscal. Posteriormente, houve repasse de US$ 500 mil da conta do empresário carioca para outra conta de Diack, desta vez situada na Rússia.

A Justiça francesa suspeita que esse repasse tem ligação direta com a Rio-2016. E foi exatamente essa intricada rede que levou à Operação Unfair Play nesta terça, que teve como um dos alvos Carlos Arthur Nuzman.

O procedimento teria sido o mesmo para o caso de Tóquio-2020. No ano passado, o jornal inglês "The Guardian" revelou que emissários do comitê de candidatura japonês fez, em 2013, um pagamento de 1,3 milhão de libras a empresa em Cingapura ligada e Papa Diack. Esta investigação ainda está em andamento.

Atualmente, Lamine Diack está preso na França. Está banido do esporte, assim como Papa Diack –que não foi detido ainda. Mas os desdobramentos de suas ações no esporte mundial estão em plena ebulição.


Endereço da página:

Links no texto: