Folha de S. Paulo


Medalhistas no Rio relatam desilusão um ano após pódio e temor para 2020

Obsessão. Alvo. Sonho. Objetivo.

Pergunte a qualquer atleta o que uma medalha olímpica representa, e certamente uma dessas palavras surgirá. Exatamente um ano depois da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, o sentimento predominante entre os medalhistas brasileiros é o avesso. Em total anticlímax, a maioria julga que o esforço empreendido na obtenção das cobiçadas láureas não desencadeou um processo de esperadas recompensas.

O sucesso na Olimpíada carioca não trouxe ganhos financeiros, reconhecimento nas ruas ou uma caminhada inequívoca rumo a mais medalhas na próxima edição do evento, em Tóquio.

Com este cenário, os celebrados medalhistas da Rio-2016 se lamentam. "A falta de reconhecimento da medalha é frustrante", diz Poliana Okimoto, 34, bronze nos 10 km da maratona aquática.

Além dela, a Folha ouviu outros cinco medalhistas de um ano atrás, que contaram a decepção de uma valorização que não aconteceu. E que virou temor para a próxima edição, no Japão.

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POLIANA OKIMOTO, BRONZE, MARATONA AQUÁTICA

"Como atleta, o meu objetivo foi conquistado, ganhar uma medalha olímpica. Ser a primeira mulher medalhista olímpica da história da natação brasileira é uma honra muito grande. Então, por esse lado, de atleta, o objetivo foi realizado.

Mas com uma medalha olímpica, e histórica, a gente espera que o retorno seja melhor. E a realidade foi bem diferente. Principalmente minha confederação [CBDA - Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos] não deu o valor que acho que ela tem. Só daqui a alguns anos, quando eu estiver fora do meio, verão o quanto ela foi importante para a natação feminino e o quanto ela ajudou a abrir portas, fez outras meninas acreditarem e me tornou um espelho.

É muito difícil, no Brasil, termos um espelho no esporte feminino. Quando comecei, senti muita falta disso. Poder ser isso para a juventude é importante, mas acho que foi pouco usado. Neste lado de reconhecimento, acho que houve muito pouco.

Além disso, há a falta de patrocínio. Obviamente, o cenário político e econômico do Brasil ajudou a cortar investimentos, mas achei que essa questão da falta de apoio fosse mudar.

Para se ter uma ideia, comecei o ciclo olímpico da Rio-2016 com toda a estrutura montada e a equipe multidisciplinar formada. Agora, para o cenário Tóquio-2020, não tenho nada. Perdi quase tudo, apesar de manter meu clube [Unisanta]. Tenho que pagar minha equipe toda do bolso. Ou seja, mudou completamente a situação.

O esporte de alto rendimento é detalhe. Todo detalhe faz diferença. Principalmente em um esporte individual como o meu. É irreal pensar que é possível repetir um resultado tendo 20% da estrutura que se teve dois ou três anos atrás.

Nós lutamos muito para ganhar uma medalha e ir atrás dos nossos sonhos, e muitas vezes esperamos muita coisa. Querendo ou não, ainda há pessoas e patrocinadores que continuam comigo, então não posso chutar o balde e reclamar de tudo.

A falta de reconhecimento da medalha é frustrante. Deveríamos dar mais valor às conquistas que temos."

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ISAQUIAS QUEIROZ, DUAS PRATAS E UM BRONZE, CANOAGEM

"Com três medalhas no peito, eu esperava mais retorno, principalmente em relação a patrocínios. Não dou muita trela para dinheiro.

É claro que é necessário se preocupar, porque vida de atleta é curta e nós podemos nos lesionar, o que torna quase obrigatório ter algo para garantir o futuro.

Se viesse ou não mais dinheiro, eu estaria de boa, o importante era ter algum recurso entrando. Mas, seria muito melhor se tivéssemos um rio de patrocínio, que era a ideia que eu nutria antes da Olimpíada.

Não fico triste em relação a isso. Queria que acontecesse, porém se não veio vou fazer o quê, chorar?

Não vou ficar aparecendo na TV reclamando que não ganhei mais patrocinadores. Vou treinar e ganhar, como sempre fiz. O mais importante para mim são as medalhas. Posso ganhar dinheiro e para de ganhar medalhas, daí o que adianta?"

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ERLON SOUZA, PRATA, CANOAGEM

"Todo atleta sonha, primeiro, disputar uma Olimpíada. E, em segundo lugar, obter uma medalha. Desde criança, quando comecei a ver que tinha futuro na canoagem, esses dois sentimentos me impulsionavam. Também havia a ilusão de que com o pódio minha vida mudaria para melhor.

Pois bem. Consegui ir aos Jogos do Rio e saí com a medalha, mas minha vida continua a mesma. Nada de diferente. Foi bom ter o sonho realizado, no entanto a fantasia que construí na minha cabeça era irreal.

Minha meta era uma mudança radical na parte financeira. Pensava que teria mais, apesar da crise, que tem complicado nossa vida. Tenho apoios federais e do Comitê Olímpico do Brasil, mas são os mesmos de antes da Olimpíada.

Criamos muita coisa na cabeça e acabamos nos decepcionando. Não foi influência da cor da medalha. O Isaquias pegou três medalhas, obteve uma façanha e continua na mesma situação. Ele não teve o reconhecimento merecido.

Deixo a minha medalha dentro do meu guarda-roupa, ao lado das minhas roupas de treinamento. Fiz isso de propósito, para vê-la todos os dias. É o meu combustível para renovar as forças e nos manter de pé para ir atrás da próxima meta, que são os Jogos Olímpicos de Tóquio."

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MAYRA AGUIAR, BRONZE, JUDÔ

"O maior legado que ficou para mim dos Jogos do Rio foi o reconhecimento do povo brasileiro. O Brasil conheceu novos esportes, que o público talvez nem soubesse que existia. Acredito que houve aumento no número de praticantes.

Na parte de investimentos, porém, caiu muito. Na verdade, de certa forma era até esperado. A Olimpíada ajudou muitos atletas, atraiu patrocinadores e investimento, caso contrário nem imagino como estaria a situação do esportista no Brasil. Seria muito, muito pior.

Eu mesma perdi dois patrocínios depois dos Jogos do Rio. Houve um corte muito grande de repasse para o esporte, o que é muito ruim e vai muito além de medalha.

O esporte tem um papel social, humaniza pessoas, e isso está se perdendo. Eu ainda consigo me manter só do esporte, mas temos perdido cada vez mais atletas promissores que não veem horizonte.

Vou manter meu foco nos Jogos Olímpicos de Tóquio porque ainda acredito no esporte brasileiro e porque se pensar no que não conseguimos só me fará mal."

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FELIPE WU, PRATA, TIRO ESPORTIVO

"A primeira pergunta que me fazem sempre é se eu ganhei patrocínios, e a minha resposta de sempre é que tudo segue na mesma. Não perdi nenhum dos patrocínios da última campanha –o que é fundamental nesse cenário de crise e me dá condições de treinar para os Jogos de Tóquio-2020. Meu objetivo é voltar ao pódio no Japão, com certeza.

Houve um reconhecimento maior ao tiro esportivo, modalidade que nos deu a primeira medalha de ouro, em 1920, com Guilherme Paraense. Muitos que não conheciam a modalidade me procurou, e também participei de palestras e ações pontuais.

Fiquei mais de sete meses treinando sozinho, e os resultados nas primeiras etapas da Copa do Mundo mostram que faz muita falta o auxílio de um profissional capacitado e especialista. Treinar sozinho dificulta a busca por resultados expressivos a médio e longo prazo. A situação deve ser normalizada em breve.

Mesmo assim consegui quebrar o recorde brasileiro na pistola de 10 m em uma das etapas do campeonato nacional em Indaiatuba (SP). Apesar disso, os resultados ainda foram bem abaixo dos conquistados no passado."

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RAFAELA SILVA, OURO, JUDÔ

"Acho que minha vida mudou bastante depois da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio, há um ano. Impactou principalmente a minha vida financeira e a de minha família.

Eu consegui ajudá-la por meio de meus patrocinadores. Também acredito que tenho mais reconhecimento nas ruas e nas competições.

Antes dos Jogos, minha conta no Instagram tinha dez mil seguidores. Hoje, já são 307 mil. Participo de um reality show de judô no qual dou treino para atletas que já estão no nível da seleção de base da modalidade.

Em relação a patrocínios, por tudo que tem acontecido em nosso país, está dentro do que esperávamos. Sempre achamos é possível ter uma visibilidade maior, não só para mim que fui campeã olímpica mas para todos os atletas, porque é nesse momento que mais precisamos de apoio e as pessoas dão as costas para a gente, só querem apoiar quando a gente já tem um resultado. Então, para mim, nesse momento está como já esperava antes da Olimpíada.

Ainda assim, acredito que a Rio-2016 me ajudou. Saber que eu teria mais uma chance de realizar meu sonho, que era uma medalha olímpica, sendo a cinco minutos da minha casa aqui no Rio de Janeiro, foi o que me motivou para seguir nas Olimpíadas de 2016.

Minha meta é ter bom desempenho nesse próximo ciclo para eu conseguir a minha vaga nos Jogos de Tóquio, que eu ainda não tenho garantida e, quem sabe, trazer uma nova medalha olímpica para o Brasil em 2020."


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