Folha de S. Paulo


Torben reclama de repasse menor do COB à vela: 'outros tiveram aumento'

Daryan Dornelles
Torben Grael conquistou cinco medalhas olímpicas
Torben Grael conquistou cinco medalhas olímpicas

Torben Grael, 56, olha para o futuro com pouca esperança. Apesar de a CBVela (Confederação Brasileira de Vela) viver um momento de crescimento -inaugurou no mês passado nova sede na Marina da Glória, no Rio-, o coordenador da equipe brasileira acredita que a preparação para os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 será muito mais difícil do que foi para a Olimpíada do Rio.

Para o detentor de cinco medalhas nos Jogos (dois ouros, uma prata e dois bronzes), um dos motivos para isso é a redução do repasse de recursos da Lei Piva feito pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro) para a modalidade.

"A gente teve uma redução do percentual de repasse da Lei Piva, apesar do bom resultado nos Jogos do Rio, frente a outros esportes que não ganharam medalha e tiveram um aumento", afirmou, em entrevista à Folha.

A CBVela recebeu 4,6% do total das verbas repassadas pelo COB às confederações em 2016. Em 2017, a fatia será de 4,5%, mesmo após a conquista do ouro nos Jogos do Rio na classe 49er FX, com Martine Grael -filha de Torben- e Kahena Kunze.

Já as federações de lutas associadas e levantamento de peso, por exemplo, cujos atletas fizeram apenas figuração nos Jogos do Rio, tiveram aumento -de 2,7% para 3,2% e de 2,4% para 2,8%, respectivamente. Apesar disso, como houve redução na arrecadação, todas as confederações receberão menos dinheiro.

Mesmo assim, a situação atual da vela brasileira é bem diferente do que se via há dez anos.

Em 2007, Lars Grael -também velejador olímpico e irmão de Torben- deixou a presidência da CBVM (Confederação Brasileira de Vela e Motor) pouco após assumi-la para que ela sofresse intervenção do COB.

A entidade estava falida, com dívidas estimadas em cerca de R$ 100 milhões e impossibilitada de receber patrocínios e verbas da Lei Piva devido a bloqueios judiciais.

Sem conseguir saldar as dívidas, a solução encontrada pelas federações estaduais foi a fundação de nova entidade. Em 2013, surgiu a CBVela (Confederação Brasileira de Vela).

Livre dos débitos, a vela pôde voltar a receber patrocínios para se reorganizar. A entidade renovou acordo com o Bradesco até Tóquio-2020.

A renovação é acompanhada por mudanças no estatuto. A partir de 2020, atletas, técnicos, oficiais de regata e medalhistas olímpicos terão direito a votar na eleição presidencial. A regra foi aprovada em maio deste ano.

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Folha - Qual foi o legado deixado após os Jogos do Rio?
Torben Grael - Temos boas notícias e algumas más notícias. Vemos muitos equipamentos abandonados e mal tratados o que é muito ruim para o esporte brasileiro. No caso da vela, acho que o investimento praticamente todo na Marina da Glória foi privado e temos uma marina renovada, o que é um motivo de satisfação. Além disso, a parceria com a Marina da Glória, cedendo espaço para a gente ter nossa sede e a guarda do equipamento da confederação é um marco para a gente.

A despoluição da baía de Guanabara, uma das promessas olímpicas, acabou não se concretizando. Você acredita que isso algum dia vai acontecer?
É possível despoluir, mas precisa de vontade política, requer recursos, investimentos de um montante grande e pressão da sociedade. Eu não vejo essas coisas acontecerem nesse momento. Eu espero que venha a acontecer, mas vai levar bastante tempo.

A baía está em situação melhor ou pior que nos Jogos?
Está igual a antes. Não houve nenhuma mudança perceptível. A gente continua com muito lixo sendo despejado. Foram colocadas barreiras em alguns dos rios que deságuam na baía e isso obviamente deve fazer alguma diferença, mas nada perceptível.

Qual a importância para a vela de a baía estar despoluída e apta a receber competições?
A gente teve a Olimpíada aqui, então não é que a poluição seja um impeditivo. Não é aceitável ter a quantidade de lixo que chega nas praias todos os dias, que interfere na navegação, no transporte marítimo, no esporte, na pesca. Em nenhum lugar do mundo que eu conheci tem tanto lixo. Nem na Índia vi tanto lixo numa baía igual a aqui no Rio. São coisas que precisam ser encaradas e não só jogar para a torcida, dizer que vai despoluir 80% e não fazer nada.

Como você vê a situação política atual do país?
Acho que não tem ninguém satisfeito. Tira a esperança das pessoas, a confiança no futuro, isso é muito ruim. Uma crise continuada. Não vemos um novo comportamento das pessoas que deveriam promover essa mudança. Acho que isso é bastante duro de as pessoas digerirem.

O esporte pode ser um veículo para essa mudança?
O esporte trás uma quantidade de ensinamentos, de comportamento e de ética que são importantíssimos. Acho que um país que investe no esporte em geral e na cultura é um país bem melhor que um país que investe só num determinado esporte. E esse não é só um problema de política e de governo, mas é um problema até da imprensa. Se você abrir o jornal e der uma olhada nos canais de televisão só tem futebol, cara. É reprise da reprise da reprise. Um monte de blá-blá-blá, é ridículo.

A confederação de vela ter aberto as eleições para o voto dos atletas serve de exemplo para as outras confederações?
Acho que às vezes há uma inversão de valores. As entidades existem por causa do esporte, por causa dos atletas, e não o contrário. Elas estão ali para representar os atletas e nada melhor que os atletas poderem manifestar a vontade deles através do voto, para que não tenha dirigentes se perpetuando no poder por 20, às vezes 30 anos, como aconteceu no passado. Uma eleição onde os atletas podem dizer o que eles querem é muito mais difícil de manipular do que uma eleição com só algumas federações.

Qual é a sua expectativa para a vela nos Jogos de Tóquio?
Vai ser uma Olimpíada bem diferente da do Rio para a gente. Aqui a gente estava velejando em casa, com conhecimento da raia de regata e com muito menos despesas. Agora a situação é completamente oposta. A Olimpíada é do outro lado do mundo, é caro ir para lá, são muitas horas de voo. O único fator positivo é que a gente fez uma parceria com a equipe japonesa. Tratamos eles da melhor forma possível aqui no Rio e a gente tem recebido uma reciprocidade nas visitas ao Japão. Esperamos que continue assim.

A renovação do patrocínio com o Bradesco vai ser importante para esse trabalho?
A renovação do contrato de patrocínio principal é muito importante para a vela. Até porque a gente teve uma redução do percentual de repasse da Lei Piva, apesar do bom resultado nos Jogos do Rio, frente a outros esportes que não fizeram medalha e tiveram um aumento no percentual. Então não sei exatamente como é feita essa divisão, mas isso obviamente impacta na nossa preparação.

RAIO-X

Nascimento
22.jul.1960 (56 anos), em São Paulo

Principais conquistas
> Ouro nos Jogos de Atlanta-1996 e Atenas-2004 na classe Star
> Prata nos Jogos de Los Angeles-1984 na classe Soling
> Bronze nos Jogos de Seul-1988 e Sydney-2000 na classe Star
> Quatro títulos mundiais

O jornalista viajou a convite da CBVela


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