Folha de S. Paulo


Para reforçar cultura maia, time joga futebol de saia na Guatemala

Daniele Volpe/The New York Times
Jogadores do Xejuyup treinam na Guatemala
Jogadores do Xejuyup treinam na Guatemala

Depois de passar de carro pelos escaldantes campos de cana de açúcar do sul da Guatemala, é um alívio mudar de rumo e subir a um planalto, recoberto de vegetação tropical. Uma hora de viagem nos conduz a Xejuyup, uma cidade de quatro mil pessoas que fica "sob as montanhas" ou "no sopé da colina" – que é o significado da palavra "xejuyup" na linguagem dos maias k'iche, que vivem na área.

A primeira coisa que vi ao descer do carro foi uma grande faixa com a foto oficial do time local de futebol, o C. S. D. Xejuyup. E a primeira coisa em que reparei na faixa foi o uniforme do time.

A cultura maia continua a ter presença forte na Guatemala. As roupas coloridas tradicionais, em geral usadas pelas mulheres, estão entre as primeiras coisas em que os turistas reparam ao chegar. É menos comum ver homens usando trajes tradicionais, e em Xejuyup apenas alguns homens mais velhos o fazem.

Isso preocupavam Antonio Perechú. Antigo goleiro, Perechú defendeu diversos clubes regionais mas abandonou o sonho de se tornar jogador profissional de futebol porque sua família não tinha dinheiro para isso. Ele fundou o C. S. D. Xejuyup em 1982 como uma espécie de organização comunitária – a sigla CSD, em espanhol, quer dizer clube social desportivo – e hoje seu filho Miguel é o capitão do time.

A ambição de Antonio Perechú era a de que o time refletisse e respeitasse a comunidade, e foi refletida pela decisão da equipe de incorporar os trajes maias aos seus uniformes, desde o começo.

A população indígena da Guatemala por anos manteve um perfil discreto. Os pais preferiam não ensinar os idiomas maias aos filhos, e não usavam os trajes tradicionais de sua cultura. Quando um acordo de paz foi assinado, abrindo o país ao boom da globalização, a Guatemala se viu inundada de roupas usadas exportadas dos Estados Unidos. As peças custavam menos de um quetzal (R$ 0,46) cada, e isso levou ainda mais gente a deixar de usar os trajes tradicionais.

Quando visitei Xejuyup recentemente, o time estava treinando para um jogo no sábado. Miguel Perechú, que é professor de ginástica em uma escola e fez diversos cursos sobre futebol, comandava a sessão.

O orgulho dele por sua identidade maia se equipara ao de seu pai. Em nossa conversa, ele mencionou Hunahpu e Xbalanque, os deuses gêmeos.

Na tradição oral pré-colombiana, os dois salvam o povo maia ao derrotar os Senhores de Xibalba (o mundo subterrâneo) em um antigo jogo com bola. Isso é parte do motivo para que Miguel Perechú sinta forte conexão entre o passado e o presente.

"Os trajes são um símbolo, e nós, o time, os vestimos com grande responsabilidade", ele disse. "Representam todos os povos indígenas do país, e a Guatemala como um todo".

As mulheres de Xejuyup tecem as camisas usadas pelos homens de suas famílias, uma tarefa que em geral leva dois meses. A saia é feita de lã e comprada na região. Um uniforme completo custa dois mil quetzales (cerca de R$ 896), muito mais caro que as camisas que reproduzem uniformes dos novos heróis, futebolistas como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo.

Mas para os jogadores do C. S. D. Xejuyup, esse também é o motivo para que a missão assumida por Antonio Perechú seja tão ambiciosa, e tão importante.

E a ideia aos pouquinhos pode estar vencendo,. Além de ser um exemplo para os jovens de sua cidadezinha, o time estende sua influência e divulga sua mensagem sempre que sai de Xejuyup. O clube não faz parte de ligas oficiais, mas frequentemente joga contra outras equipes amadoras de todo o país. Os jogadores quase sempre são aplaudidos, encorajados e apoiados pelas torcidas adversárias, diz Miguel Perechú.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: