Folha de S. Paulo


'Não há lugar mais seguro para estar do que o Brasil', diz Ricardo Teixeira

Tasso Marcelo - 16.ago.2016/AFP
CORRECTION - Former president of the CBF Ricardo Teixeira is seen at the burial of Joao Havelange, FIFA's president between 1974 and 1998, at the cemetery of Sao Joao Batista in Botafogo, Rio de Janeiro, on August 16, 2016. Joao Havelange, who died Tuesday at the age of 100, turned FIFA into a global business behemoth and helped bring the Olympics to Rio, only to resign in disgrace after a corruption scandal. / AFP PHOTO / TASSO MARCELO /
Ricardo Teixeira durante o velório de João Havelange, uma de suas últimas aparições públicas

Suspeito de ter recebido propina para ajudar a eleger o Qatar como sede da Copa do Mundo de 2022, Ricardo Teixeira, 70, chamou de "não conclusivo" o "Relatório Garcia", divulgado nesta terça-feira (27) pela Fifa. Apesar de ter declarado que não leu o documento, o ex-presidente da CBF disse que o relatório de mais de 300 páginas "só levanta suspeitas". O cartola brasileiro já é réu nos EUA e investigado na Espanha.

Em entrevista à Folha, ele descartou a possibilidade de seguir outros cartolas e fazer uma delação premiada nos Estados Unidos.

"Não existe esse acordo. É ridículo dizerem que telefonei para o Sandro [Rosell, ex-presidente do Barcelona, preso na Espanha acusado de dividir propina com o brasileiro] combinando um lugar para morar. Quero ver a gravação", afirmou, por telefone.

Teixeira é acusado pelo FBI e pela Justiça da Espanha de receber propina na venda dos direitos da seleção e de torneios no Brasil e no continente.

O cartola vive atualmente no Rio e disse que não pretende deixar o Brasil.

"Tem lugar mais seguro que o Brasil? Qual é o lugar? Vou fugir de quê, se aqui não sou acusado de nada? Você sabe que tudo que me acusam no exterior não é crime no Brasil. Não estou dizendo se fiz ou não", acrescentou.

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Folha - O senhor foi apontado no relatório divulgado nesta terça pela Fifa como beneficiário de uma série de favores e é suspeito de corrupção na escolha da Copa do Qatar? O senhor recebeu dinheiro mesmo...
Ricardo Teixeira - Repito o que disse há três anos. O voto no Qatar foi um acerto dos sul-americanos para apoiar a candidatura conjunta da Espanha e Portugal [ao Mundial de 2018]. No acordo, o Qatar daria os votos dos eleitores deles para a Espanha, que acabou ficando em segundo. Em troca, daríamos os nossos para o Qatar. Não teve dinheiro e nem confusão com a CBF. A única pessoa envolvida nessa eleição fui eu [Teixeira era um dos 23 integrantes do Comitê Executivo da Fifa, que escolheu os países-sedes ao Mundiais de 2018 e 2022].
O preço do jogo que fizemos no Qatar com a Argentina foi literalmente o mesmo do contrato dos outros jogos. O contrato era de US$ 1,15 milhão. Mas recebi apenas US$ 800 mil porque a empresa dona dos direitos da seleção tinha me antecipado US$ 8,5 milhões na assinatura do contrato. Como estava ruim de grana, sempre estamos ruim de grana [risos], a empresa me antecipou esse valor em 2006 e diminuiu esse valor da cota individual dos jogos. Tenho o depósito e toda a documentação disso.

O senhor é acusado de receber dinheiro de uma empresa do Sandro Rosell com sede em Nova Jersey...
Não, sempre assinamos com a empresa da Suíça. O Sandro [Rosell] nunca teve um contrato assinado com a CBF. Zero. Não existe contrato da CBF com o Sandro. Voltando ao Qatar, fizemos o acordo e quase a Espanha ganhou. Essa foi a história do Qatar. Alguma vez, algum país me deixou de fora de uma suíte principal?

O relatório diz que a candidatura que pagou a hospedagem do senhor. Foi isso?
Esse negócio é tão ridículo. Me recuso a responder. Deixa eu fazer uma pergunta simples. Quando, por exemplo, a Inglaterra vem jogar aqui, quem vai pagar a hospedagem no Copacabana Palace do presidente da federação? A CBF vai pagar.

Mas lá foi o comitê de candidatura de Qatar. A Fifa não permite isso. Esse procedimento viola o Código de Ética.
Qual é a diferença que faz federação do Qatar do governo? Lá tem um dono só. Estou mentindo? Quem pagou? Sei lá quem pagou. Com toda a honestidade, você quer ser mais realista que o rei? Alguma vez viajando com a seleção eu me preocupei para saber quem pagava a conta da minha hospedagem?

O senhor leu o relatório, que o acusa dessas irregularidades.
Não li. Não vou ler um relatório que não é conclusivo. Tudo é "se", "teria". Ele falou que levei dinheiro aqui ou ali?
É só teria. Ele disse que recebi? Deixa eu dizer uma coisa para você entender: não recebi presente, não recebi presente e não recebi presente!

A Justiça Espanhola afirma que o senhor dividiu com o Sandro Rosell € 15 milhões [parte do valor da venda de direitos de amistosos da seleção]...
Nunca recebi dinheiro da empresa do Sandro [mas familiares do cartola receberam mais de R$ 10 mi de empresas de Rosell].. Mas quero falar do relatório não conclusivo do Garcia. O relatório não é conclusivo.

O senhor continua trabalhando no futebol ou se aposentou?
Estou cansado de futebol. Tenho que cuidar da minha saúde. Sou um cara pela metade. Não tenho rim, pedi emprestando ao meu irmão. Não posso brincar. Já tenho 70 anos de idade.

O senhor negocia uma delação com a Justiça dos EUA?
Não existe esse acordo. É ridículo dizerem que telefonei para o Sandro [Rosell] combinando um lugar para morar [investigação na Espanha informou que o brasileiro consultou o ex-presidente do Barcelona sobre uma opção de "lugar seguro" para fugir caso autoridades fechassem cerco contra ele]. Quero ver a gravação dessa conversa. Tem lugar mais seguro que o Brasil? Qual é o lugar? Vou fugir de quê, se aqui não sou acusado de nada? Você sabe que tudo que me acusam no exterior não é crime no Brasil. Não estou dizendo se fiz ou não.

O senhor tem relação com o Marco Polo Del Nero?
Falo. Mas desde que saí da CBF nunca fui lá. Acho que já passei tempo suficiente lá.

O senhor acha que ele faz um bom trabalho?
Abraço [desliga o telefone].


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