Folha de S. Paulo


'Vontade que me dava ao ver técnico doente era ir embora', diz Isaquias

Eduardo Knapp/Folhapress
Rio de Janeiro, RJ, BRASIL, 18-08-2016: Olimpiadas Rio.Olimpiadas Rio.Olimpiadas Rio.Canoagem. Brasileiro Isaquias Queiroz dos Santos comemora apos chegar em terceiro lugar na categoria de 200 metros e conquistar sua segunda medalha nas Olimpiadas (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPORTES).
Isaquias Queiroz comemora medalha na Olimpíada do Rio

Isaquias Queiroz, 23, gosta de marcar na pele o que lhe é mais precioso. Tem tatuado, nos braços e no dorso, desenhos de si cruzando a linha de chegada, o nome da mãe e os aros olímpicos.

Seu mais recente acréscimo foi um relógio -complementado com outra imagem dele, remando, à frente de uma cruz e de uma lua.

Se descontada a bizarrice paisagística, o relógio faz sentido. Os ponteiros indicam o tempo de 3min46s, o que para o baiano é simbólico.

"É o tempo que tenho que fazer para ganhar uma medalha no Mundial", afirmou à beira da lagoa onde treina em Lagoa Santa (MG).

A referência é ao torneio em Racice (República Tcheca), agendado para agosto.

Isaquias, primeiro brasileiro a conquistar três medalhas em uma única Olimpíada, quer manter o embalo na principal competição do ano.

A meta para 2017 não interfere em sonhos maiores, demais pódios nos Jogos de Tóquio, daqui a três anos, para marcar a tinta mais façanhas.

Além das aspirações no esporte, ele espera o nascimento do primeiro filho com a noiva, Laina, para setembro.

Nesta entrevista, Isaquias fala de patrocínios –perdeu apoio da Samsung e da Petrobras– e da importância em sua vida do técnico espanhol Jesus Morlán, que luta contra um câncer no cérebro.

*

Folha - Você já conseguiu assimilar tudo o que aconteceu nos Jogos Olímpicos do Rio?
Isaquias Queiroz - Quando eu obtive as três medalhas fiquei muito feliz. Não apenas em relação às minhas expectativas, mas às do Jesus [Morlán, técnico]. Muita gente não acreditava na conquista delas, e queria mostrar que podia ganhar as três. Algumas pessoas podem ter pensado "ah, ele está dopado", porque um atleta que nunca havia aparecido chegou e, entre 2013 e 2016, ganhou medalhas em tudo e obteve três nos Jogos Olímpicos. Para mim, tudo pareceu muito rápido, mas a verdade é que o trabalho foi lento, de determinação, repleto de dores e alegrias.

O reconhecimento, público e financeiro, foi o esperado?
Esperava outra coisa, principalmente em patrocínios. Eu não ligo muito para dinheiro, sabe? Claro que nós temos de nos preocupar, porque vida de atleta é curta, podemos nos lesionar e a fonte não pode secar. Eu tenho apoio da confederação, do COB, do Ministério do Esporte e do meu clube, o Paulistano, então tenho recursos. Mas, seria muito melhor se houvesse um rio de patrocínio para o esporte brasileiro. Nós pensávamos que ganhar medalhas nos Jogos renderia isso. Não aconteceu.

É uma decepção?
Não fico triste por isso. Se não veio, vou fazer o quê? Chorar? Também não vou chorar na tevê nem fazer drama porque não veio patrocinador para mim. Quando vier, veio. Se não vier, não veio. O que preciso fazer é manter meu treinamento. Eu nunca gostei de ficar nessa de "ah, perdi patrocinador". Vou continuar treinando e ganhar, como sempre fiz. O mais importante, para mim, são as medalhas. De que adianta ganhar dinheiro e não ganhar medalha?

Mas você ganhou um bom dinheiro com prêmios, não?
Sim, acabei de construir minha casa em Ubaitaba. Tenho um dinheiro guardado. Acho que estou satisfeito com isso. Se não vier patrocinadores, não vou parar. Não vou me abater por isso.

Já traçou as metas para 2020?
Está um pouco longe, mas já começamos o nosso treinamento. O Jesus é um treinador que não tem outro foco a não ser Olimpíada. Às vezes, até eu mesmo o questiono, porque quero ganhar as provas, mas ele rebate: "calma, que não é o momento". Eu replico e digo que os brasileiros não entendem muito esse negócio de ano tranquilo, querem que a gente ganhe sempre, porque caso contrário vêm as críticas. Eu não quero ser criticando nem elogiado, só manter meus resultados. A resposta dele sempre é: "Isaquias, não quero saber, para mim tanto faz o que o brasileiro acha de você agora ou não. Eu quero saber de você em 2020". Então está bem, eu não discordo.

Você chegará a Tóquio melhor do que no Rio?
Chegarei muito bem. Com uma ótima idade [26 anos], focado no que devo fazer e com bom nível de treinamento. A única preocupação deve ser o alemão [Sebastian Brendel, que bateu Isaquias duas vezes no Rio]. Mas eu não quero me preocupar tanto com isso, vou levar ano após ano.

À Folha, o Jesus disse que a meta é fazer você se tornar o brasileiro com mais medalhas olímpicas. Você almeja isso?
Eu quero, mas não sei se dá. O Torben Grael deve ter umas oito medalhas.

Ele tem cinco. O Robert Scheidt também.
Ah, então dá! [risos] Quando eu cheguei aos Jogos do Rio, não me preocupei em igualar os maiores medalhistas do esporte brasileiro. Mas, quando saí, comecei a pensar nisso. Só que não quero pensar muito em recorde de medalhas, até porque ainda posso ir a outros Jogos Olímpicos. Pode ser que eu passe o Torben e o Scheidt, mas eu preciso me manter focado sem tirar essa ambição do meu objetivo.

O que faz você não se acomodar neste ciclo olímpico?
Eu nunca gostei de perder. Viajar para perder? Eu não vou. Quero ir para os Mundiais sub-23 e adulto para ganhar. Tem uma grande possibilidade de eu ser campeão mundial. Quero ir à República Tcheca para vencer, não para perder. Do jeito que tenho treinado, acho que a chance é muito grande. O Brendle é o grande rival, e não tenho nenhuma raiva nem rancor por ele ter me vencido no Rio. Mas é a hora de dar o troco.

Você foi três vezes ao pódio no Rio, mas uma das provas (C1 200 m) foi retirada do programa olímpico para Tóquio. Como recebeu essa mudança?
O C1 200 m é totalmente diferente das provas que restaram [C1 1.000 m e C2 1.000 m], principalmente em termos de remada e estratégia. Com o foco nas provas de 1.000 m, facilita o ajuste, o ritmo. É melhor para mim. Remar para tantas provas é difícil. Eu tinha medo de tentar abraçar o mundo e ficar sem nada.

Muita coisa mudou após o Rio. Você também mudou?
Eu achava que seria um bicho de sete cabeças, mas tenho levado bem. O Jesus sabe manter o grupo com os pés no chão. Ele não faz o tipo de técnico que leva o atleta ao topo e o deixa se deslumbrar. Sempre me puxa para baixo e diz que o lugar é aqui [aponta o chão].
Eu nunca tive um lado arrogante, de achar que porque ganhei isso e aquilo sou o bom. Agora, com a vinda do filho e com a minha mulher aqui comigo, me ajuda ainda mais. Estou mais tranquilo em casa, tenho ido a menos festas. Motiva saber que meu filho, quando crescer, vai ter orgulho de saber que o pai foi um grande atleta, um grande medalhista do Brasil.

Qual é a sua ambição final?
Eu quero muito ser lembrado. Quero muito que meu nome seja escrito na história do esporte brasileiro. Esta é uma missão, não meço esforços para alcançar isso. Como vou conseguir? Não deixar subir à cabeça, ser um cara normal e manter os resultados. Ganhar o máximo possível de medalhas, quebrar recordes e fazer o que nenhum brasileiro fez na canoagem e no esporte.

Você fala muito do Jesus. O quanto a doença dele te afetou?
Quando eu o via depois de uma sessão de quimioterapia, dava vontade de ir embora. Ele dizia que não ia embora do Brasil porque não queria abandonar os atletas e porque sabia que ainda tínhamos coisas a conquistar. E a vontade que me dava ao ver ele era de ir embora. Porque, se eu fosse embora, ele enfim poderia se tratar, dedicar-se à saúde e à família em vez de se matar pela canoagem brasileira. Um dos grandes medos do Jesus era de deixar o Brasil, e nós ficarmos largados aqui. Mas ele bateu o pé. A mulher dele [Tania] pediu para ele ir embora, mas ele quis ficar com os atletas. Quando o via dava aquele desânimo, porque a vida dele estava em jogo. Agora, a melhora dele nos trouxe mais ânimo. Meu trabalho passou a ser ir para a água e fazer o melhor treino possível para ele ficar feliz com o resultado. Quanto melhor eu treinar, mais rápido for, mais medalhas trouxer, mais feliz eu o deixo. Mas foi um choque bem grande, porque poucos meses antes estávamos festejando as medalhas no Rio. Foi uma sacanagem.

Técnico não ganha medalha. Mas você daria uma para ele?
Eu acho que sim. Se eu ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, será dele. Porque a gente tem outras, ele não. Seria um reconhecimento. Ele adotou a gente como família, tem um carinho especial pelos atletas, faz o que nenhum outro técnico faz.

RAIO-X

Nome
Isaquias Queiroz dos Santos

Nascimento
3.jan.1994 (23 anos), em Ubaitaba (BA)

Peso/Altura
85 kg/1,75 m

Clube
Club Athletico Paulistano

Principais conquistas
Prata no C1 1.000 m e no C2 1.000 m e bronze no C1 200 m nos Jogos Olímpicos do Rio-2016

MAIORES MEDALHISTAS OLÍMPICOS BRASILEIROS

5 medalhas
Robert Scheidt (vela)
Torben Grael (vela)

4 medalhas
Serginho (vôlei)
Gustavo Borges
(natação)

3 medalhas
Dante (vôlei)
Giba (vôlei)
Rodrigão (vôlei)
Bruninho (vôlei)
Fofão (vôlei)
Emanuel
(vôlei de praia)
Ricardo (vôlei de praia)
Rodrigo Pessoa (hipismo)
Cesar Cielo (natação)
Isaquias Queiroz (canoagem)


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