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'Talvez não tenha outra chance', diz Buffon sobre Liga dos Campeões

Giorgio Perottino/Reuters
Juventus' goalkeeper Gianluigi Buffon reacts as he celebrates his 500th match with Juventus team during their Italian Serie A soccer match against Genoa at Luigi Ferraris Stadium in Genoa October 29, 2014. REUTERS/Giorgio Perottino (ITALY - Tags: SPORT SOCCER) ORG XMIT: GPE108
O goleiro Gianluigi Buffon, que nunca conquistou um título da Liga dos Campeões

O tempo fez bem a Gianluigi Buffon. Quando era um jovem goleiro do Parma, causou polêmica por citar o slogan neofascista "boia chi molla" (algo como "morte a quem abandona a luta").

Usou uniforme com o número 88, identificado com o movimento político de Benito Mussolini. Hoje, aos 39 anos, se tornou a voz da razão. É unanimidade tão grande que se a Juventus vencer o título da Liga dos Campeões da Europa neste sábado (3), em Cardiff, contra o Real Madrid, ele passa a ser favorito à eleição de melhor do mundo da Fifa, em dezembro.

"Eu amadureci. Futebol é a metáfora da vida", observou nesta sexta (2).

Na entrevista coletiva obrigatória da Uefa antes da final, o goleiro que colegas, treinadores e até os repórteres chamam apenas de "Gigi", foi o centro das atenções. A maioria das perguntas era para ele. Buffon jamais foi campeão do torneio. Foi vice com a Juventus em 2003 e 2015.

"Sei que talvez não tenha outra chance", reconheceu.

Há apenas um precedente de goleiro escolhido em eleição semelhante. Em 1963, o russo Lev Yashin venceu a Bola de Ouro, dada pela revista francesa "France Football" ao melhor da Europa. Desde que a Fifa criou sua premiação, apenas um jogador de defesa ganhou: o zagueiro Fabio Cannavaro, principal nome do título italiano na Copa do Mundo de 2006.

"Eu me sinto um garoto. [Se ganhar a Liga] Minha reação vai ser diferente da de um jovem ou de alguém que já ganhou alguma vez esta competição. Será algo muito diferente para mim", explicou.

"Diferente" é uma palavra que lhe veste bem. Porque em algum momento nos últimos cinco anos, o goleiro investigado por apostas ilegais em 2012 deixou de ser apenas um dos melhores do mundo na posição, algo que já era a opinião comum. Passou a ser uma pessoa admirada pela opinião pública, unanimidade entre seus companheiros de profissão e na Itália.

"Gigi vai entrar para a história como um dos maiores. É simples", resumiu o brasileiro Daniel Alves.

Editoria de Arte/Folhapress
Final championsPrincipal jogador
Números de Gianluigi Buffon

Hoje em dia, ele sabe quando a mudança começou. Em 2007, estava descontente com a vida e o futebol. Sentia um medo inexplicável de entrar em campo. As pernas tremiam e o próprio Buffon confessou que não via nenhuma racionalidade ou sentido em nada. Conversou com amigos e, por fim, com psicólogo. Mesmo durante o tratamento, não parou de jogar. Alegou que se fizesse isso, estaria acabado para o futebol.

"Toda vez que levasse um gol, alguém diria ter sido por causa da depressão."

A Juventus e sua coleção de bons jogadores não tem um astro incontestável. Dybala fez uma grande temporada. Higuaín, apesar das críticas, é esperança de gols. Cuadrado é a formiga nas laterais. As referências são defensivas. O zagueiro Leonardo Bonucci e, antes de todos, Gianluigi Buffon.

O marketing de Buffon é composto por suas defesas e a personalidade. É difícil vender imagem de goleiro. Nas ruas de Cardiff, é mais fácil encontrar fotos de Higuaín promovendo a decisão.

Talvez por isso, o italiano tenha começado a jogar futebol como meia. Mas sempre teve aptidão a jogar com as mãos. Seus ídolos eram tenistas: o checo Ivan Lendl e o sueco Stefan Edberg. As atuações do camaronês Thomas N'Kono na Copa de 1990, disputada na Itália, fez o garoto Gianluigi trocar de posição. Ele é sobrinho de Lorenzo Buffon, ex-goleiro do Milan e da seleção italiana.

Os US$ 77 milhões (R$ 250 milhões em valores atuais) pagos pela Juventus ao Parma em 2001 ainda são a transferência mais cara de um goleiro em todos os tempos. Cimentou seu lugar na história do clube não apenas pelos títulos. Quando a equipe foi rebaixada para a Série B em 2006 por manipulação de resultados, ele foi um dos que decidiu ficar e jogar a segunda divisão.

Buffon ganhou status de herói cult também pelo senso de humor. A capacidade de auto depreciação, assim como em Andrea Pirlo, outra unanimidade do futebol italiano, conquistou fãs mesmo que não estivessem interessados no esporte.

"Eu sou um bufão, um palhaço que recebe o papel de entreter as pessoas desempenhando uma função bem estúpida. Eu tento manter a noção de que é apenas um circo", disse, em uma de suas frases mais famosas.

"Eu respeito minha ignorância e sem isso, seria impossível manter o meu senso de humor. Inteligência está sempre ligada à ironia, senão a inteligência se torna enfadonha", é outro pensamento do goleiro.

Acima de tudo, Buffon é respeitado pela coleção de troféus. São oito títulos italianos, quatro Copas da Itália, uma Copa da Uefa (hoje em dia a Liga Europa) e a Copa do Mundo de 2006. Falta apenas uma medalha para a galeria.

"Se a Juventus ganhar a Liga dos Campeões, eu acho que Gigi tem de ser eleito melhor do mundo", disse Massimiliano Allegri.

A frase é de 2015. Pode virar verdade dois anos depois.


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