Folha de S. Paulo


Bale volta à cidade natal para tentar ser 1º galês tri da Liga dos Campeões

A ficha de Gareth Frank Bale, 27, diz que ele nasceu em Cardiff. Há quem discorde.

"Tecnicamente, sim, ele é de Cardiff. Mas o lar dele se chama Whitchurch. É um dos nossos", afirma Gwyn Morris, ex-professor de educação física do meia-atacante do Real Madrid que pode ser campeão da Liga dos Campeões neste sábado (3), contra a Juventus (ITA), no Principality Stadium, na capital do País de Gales. Vindo de lesão, ele ainda não está 100% recuperado, mas faz questão de jogar a decisão em sua casa.

Se o morador de Cardiff tem orgulho de Bale, o filho da terra que conquistou fama no futebol mundial, o morador de Whitchurch, bairro do subúrbio com cerca de 17 mil habitantes, não cabe em si.

Nas ruas residenciais da região e nos jardins das casas da classe média, Gareth se sobressaiu não apenas no futebol. Quem o conheceu na infância afirma que ele era muito bom em outros esportes.

Poderia ter sido profissional no rúgbi, a outra paixão nacional galesa, na corrida cross country ou até como jogador de hóquei no gelo.

"Pela velocidade, não é difícil imaginar que ele era bom na corrida. Sabia jogar bem rúgbi, mas nem se compara à habilidade que tem no futebol. Seria um desperdício [do talento]. Felizmente, conseguimos evitar isso", diz Rod Ruddick, o olheiro que descobriu o talento do garoto, então com nove anos, em um torneio pelo Cardiff Civil Service Football Club, seu primeiro clube, hoje extinto.

Ruddick o indicou ao Southampton, equipe pela qual Bale estreou como profissional aos 16 anos, antes de ir para o Tottenham, explodir na carreira e ser comprado pelo Real Madrid por 85,3 milhões de libras (R$ 358 milhões em valores atuais), em 2013. Na época, a maior venda da história do futebol.

Também aos 16 anos, ele estreou pela seleção galesa, em um amistoso contra Trinidad e Tobago, e tornou-se o mais jovem atleta a vestir o uniforme do país.

Na comunidade de Whitchurch, os feitos de Gareth Bale ganham contornos mitológicos, que teriam sido presenciados por todos. Mais ou menos como o gol mais belo da carreira de Pelé, marcado no estádio da rua Javari, em São Paulo, em 1959. Ou o primeiro treino de Garrincha pelo Botafogo, em 1953.

Uma das lendas que todo morador da cidade garante ser testemunha é que em uma corrida de velocidade, aos 13 anos, Bale, um atleta amador e que fazia atletismo apenas na escola, teria corrido 100 metros em 11,4 segundos.

Gwyn Morris balança a cabeça sorrindo quando perguntado sobre o feito. Na época, Bale era seu aluno na Whitchurch High School, onde dá aulas até hoje.

"Eu vou dizer apenas que ele tinha uma velocidade impressionante", esquiva-se o professor que, para equilibrar os jogos em que o garoto participava, impunha a regra que ele podia tocar apenas uma vez na bola. E com a perna direita. Uma tortura para o canhoto Bale, mas que iniciou o processo para que chutasse bem com os dois pés.

O meia-atacante é um dos quatro galeses campeões da Liga dos Campeões (ou Copa da Europa, como o torneio era chamado antes de 1992).

Além dele, Joey Jones e Ian Rush (pelo Liverpool, da Inglaterra), e Ryan Giggs (pelo também inglês Manchester United) venceram. Campeão em 2014 e 2016, o filho de Whitchurch pode ser o primeiro do país a levantar o troféu em três oportunidades.

No bairro está a Whitchurch Primary School, aberta em 2014 e que teve a construção paga pelo jogador. A Eglwys Newydd Primary School, onde estudou, foi fechada. Na inauguração, Bale teve recepção de herói.

"As crianças estavam ansiosas para vê-lo. Ele continua envolvido com a comunidade dentro do possível para alguém tão famoso. Sempre mandamos as novidades que acontecem e obtemos resposta", diz a diretora Joanne Daswani, que planeja ver a final com sossego, já que as crianças estão em férias.

Outra lenda que envolve Bale e Whitchurch é a de que Ruddick, para convencê-lo a se transferir para o Southampton, disse que, se ele aceitasse, acabaria jogando pelo Real Madrid. É verdade, mas não no aspecto de premonição que ficou na mente dos moradores do local.

"Eu falei. Mas foi em tom de brincadeira. Como eu poderia saber?", diz o olheiro.

"O que chamou a atenção nele é que não tinha medo. Sempre partia com a bola dominada para enfrentar os marcadores. Driblava como se fosse a coisa mais fácil no mundo. Sabia que poderia atuar por uma grande equipe", completa Ruddick.

FAMÍLIA

Os país de Gareth, Frank, 60, e Debbie, 59, ainda moram em Whitchurch, na mesma casa de três quartos que compraram da Prefeitura por 12 mil libras (R$ 55 mil) há 30 anos. A poucos metros, um mural foi pintado com a imagem do filho deles vestido com a camisa da seleção galesa.

Bale é noivo de Emma Rhys-Jones, 26, que conheceu na escola do bairro quando eram adolescentes. Ela cresceu em Llanishen, a três quilômetros de onde o namorado residia.

Eles planejavam se casar algumas semanas depois da final da Liga dos Campeões, na St. Mary's Church em Withchurch. Tiveram de adiar por causa da família de Emma.

A prima dela, a ex-modelo Epiphany Dring, sumiu quando carregava uma mala com 300 mil libras em dinheiro (R$ 1,2 milhão), relógios e drogas. No total, o valor da "carga" era de um milhão de libras (R$ 4,20 milhões).

Os parentes da noiva passaram a ser perseguidos pela gangue "dona" da "mercadoria". Quatro carros de tios e avós foram incendiados. As casas, vandalizadas. Bale reforçou a segurança de sua mansão em Madri.

Não é o primeiro problema que a quase nova família de Bale arrumou na região.

O pai de Emma está preso há seis anos por ser o cabeça de um esquema de fraude financeira. Uma prima foi solta apenas após pagamento de fiança quando 100 mil libras (R$ 420 mil) foram encontradas escondidas na chaminé de sua casa em Pontypridd, no sul de País de Gales.

Esses assuntos não são comentados em voz alta no The Plough, pub na Pennline Road que os pais de Bale ainda frequentam de vez em quando. Apenas cochichados aqui e acolá. Os residentes dizem ser um assunto particular do jogador.

"O que importa é a imagem que as pessoas daqui têm dele. De ser alguém que se importa com o lugar em que nasceu. E quando jogava, sempre deu o melhor de si. Ele levava o time da escola à vitória quase sozinho", lembra Gwyn Morris.

Neste sábado, Gareth Bale pode fazer os galeses orgulhosos. Mas não tanto quanto os moradores de Whitchurch.


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