Folha de S. Paulo


Com infância humilde, nadador passou por sacrifícios para chegar ao Mundial

Uma ida e volta na piscina do Parque Aquático Maria Lenk serviu para Gabriel Santos, 21, confirmar que todo o esforço de anos valeu a pena.

Em 48s11, ele progrediu da condição de promessa da natação brasileira para realidade -mesmo tendo participado dos Jogos Olímpicos do Rio, em agosto, ao integrar do revezamento 4 x 100 m livre.

O tempo, insignificante para a maioria mas vital para alguém cuja profissão é bater o cronômetro, tornou Gabriel o mais rápido do país na prova mais tradicional de seu esporte, os 100 m estilo livre.

Rendeu-lhe o título do Troféu Maria Lenk, no início do mês, uma vaga no Mundial de Budapeste, que será disputado em julho, e o terceiro melhor tempo do mundo no ano até o momento.

De origem humilde, o nadador atravessou uma trajetória de sacrifício até conseguir se estabelecer.

Ele nasceu na Vila Nhocuné, na zona leste de São Paulo, próxima a Itaquera.

Depois de passar apuros na infância por medo da água, os pais (Daniel e Leidy) decidiram matriculá-lo em uma academia na vizinhança.

Com bons resultados ainda quando jovem, acabou levado a outro estabelecimento, mais competitivo, até que aos 11 anos foi procurado para defender o Esporte Clube Pinheiros, onde hoje treina ao lado de Cesar Cielo.

Como o clube ficava na zona sul, a dezenas de quilômetros de distância de sua casa, ele manteve os treinos na antiga academia -só defendia o Pinheiros nas competições.

"Não tinha como ir. Só mais tarde decidi treinar no Pinheiros. Mas era um ônibus, um metrô e outro ônibus, demorava duas horas. Fiquei cinco anos nisso", disse.

O berço não era de ouro. Daniel trabalhava como segurança e Leidy era funcionária de um bingo. Quando eles foram proibidos, passou um tempo desempregada.

"Foi um período bem difícil", relembrou Gabriel.

Pouco depois, para driblar a distância entre sua casa e o Pinheiros, Gabriel decidiu morar em uma república próxima ao clube -que dividia com outros nadadores e onde reside até hoje.

"Comecei a receber salário, mas quase tudo ia para o aluguel. Se ganhava R$ 925, gastava R$ 700 com ele. Para comer era só pão, queijo e presunto", afirmou.

As dificuldades não se restringiam à vida fora da água. Seus resultados não indicavam que seria um nadador de ponta. "Nunca fui muito bom nas categorias de base e demorei para estourar. Minha primeira medalha individual foi com 16 anos, mas sempre fui muito abençoado."

Devido à falta de resultados, ele decidiu trocar de país. Chegou a optar por treinar e estudar na Universidade de Las Vegas, mas voltou atrás meses antes da classificação para os Jogos do Rio.

OLÍMPICO

Até a seletiva olímpica de abril de 2016, Gabriel não havia disputado nenhuma final relevante de uma competição nacional adulta. No evento classificatório para a Rio-2016, porém, veio a redenção.

De manhã e à tarde ele obteve as melhores marcas de sua vida nos 100 m livre e assegurou vaga para o revezamento 4 x 100 m livre.

Na Olimpíada em si, inicialmente escalado apenas para as eliminatórias, nadou bem a ponto de barrar da final outra promessa, Matheus Santana. O Brasil foi quinto.

A partir dali, tudo mudou. No Torneio Open, em novembro passado, Gabriel ganhou os 100 m livre, seu primeiro título nacional de relevo em piscina "olímpica" (50 m), com a boa marca de 48s60.

Ao vencer a mesma prova no Troféu Maria Lenk, toda essa trajetória passou pela cabeça do nadador. As diversas chances de largar o esporte, na verdade, tornaram-se combustível para prosseguir.

"Eu não sou o cara mais alto, mais forte ou mais experiente, mas eu sempre acredito. Acho que tenho muita fé e perseverança, que me empurram para a frente", disse.

Embora desponte como potencial representante do país nos Jogos de Tóquio, em 2020, ele prefere parcelar os planos. Primeiro, Budapeste, depois uma nova meta e por aí vai. "Não posso me deslumbrar, é preciso ter humildade", acrescentou.

Seu técnico no Pinheiros, Alberto Pinto da Silva vê muita margem para melhora do pupilo, que orienta desde janeiro do ano passado.

"Ele ainda tem detalhes técnicos para corrigir em viradas e saída, e a perspectiva é interessante", afirmou.

Gravadas em seu peito, três palavras tatuadas parecem resumir sua trajetória: "Veni. Vidi. Vici." Traduzido para o português, os termos em latim dizem "Vim. Vi. Venci", definição que se ajusta bem à história de Gabriel.

"Hoje olho para trás e vejo que aquela dificuldade toda valeu a pena", concluiu.


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