Folha de S. Paulo


A 9 meses da abertura, Olimpíada de Inverno sofre para atrair receitas

Ed Jones/AFP
Vista aérea do Estádio Olímpico de PyeongChang, que receberá as cerimônias de abertura e encerramento da Olimpíada
Vista aérea do Estádio Olímpico de PyeongChang, que receberá as cerimônias de abertura e encerramento da Olimpíada

Se qualquer menção a Jogos Olímpicos é associada a gigantismo e universalidade, a chegada a PyeongChang logo desmistifica a premissa.

A capital da próxima Olimpíada de Inverno, de 9 a 25 de fevereiro de 2018, não poderia estar mais distante do conceito de metrópole. É um vilarejo bucólico encravado no miolo da província de Gangwon, 180 quilômetros a leste de Seul e habitado por pouco mais de 40 mil pessoas.

Nesta fase de regressiva disparada, a menos de 270 dias do início do evento, a configuração da cidade mudou.

Ruas pouco movimentadas estão desfiguradas devido às obras para facilitar o vaivém dos milhares de turistas, nacionais e estrangeiros, esperados nos Jogos Olímpicos.

Pontes, viadutos, lojas e restaurantes recebem maquiagem pesada para aparentar serem mais internacionais.

Apesar do embelezamento, PyeongChang sofre para superar a aura provinciana e se tornar atraente, em quase todos os aspectos.

O mais importante está na sustentação de qualquer edição olímpica: as finanças. Até abril, o comitê organizador dos Jogos não tinha acertado patrocínio de um banco. Ter apoio de instituição financeira é, usualmente, prioridade.

O tardio parceiro foi o KEB Hana Bank, dos principais bancos comerciais do país.

À Folha, o comitê disse que a menos de um ano da abertura captou 92% (US$ 754 milhões dos US$ 832 milhões) do que havia estabelecido como meta de patrocínio. E reconheceu que há "lacunas" para preencher.

"Temos acordo com a maioria dos conglomerados da Coreia, e trabalhamos para preencher lacunas. O esforço é para atrair pequenas e médias empresas nas categorias ainda necessárias", disse o porta-voz da entidade.

Ed Jones/AFP
Instalação no resort Alpensia que receberá as provas de esqui nos Jogos de PyeongChang
Instalação no resort Alpensia que receberá as provas de esqui nos Jogos de PyeongChang

"Estamos reduzindo a barra de investimento para atrair estas empresas como apoiadoras e fornecedoras dos Jogos de PyeongChang."

O faturamento com a venda de ingressos, outra forma de receita do comitê, também anda capenga (veja abaixo).

A instabilidade política contribuiu para tornar a missão dos organizadores mais difícil. Em março, a então presidente Park Geun-hye foi deposta pela Justiça por corrupção e tráfico de influência.

Ela era acusada de subornar gigantes como a Hyundai, a LG e a Samsung a doarem a fundações de uma amiga, em troca de favores. No último dia 9, Moon Jae-in foi eleito como seu sucessor.

A situação se assemelhou à que o Brasil passou antes dos Jogos Olímpicos do Rio-2016, quando Dilma Rousseff foi afastada da Presidência.

No caso coreano, a combinação inflamável de política e dificuldade de obtenção de receita forçou o comitê organizador de PyeongChang a adotar política de contenção.

O orçamento da entidade foi revisto há dois meses para US$ 2,1 bilhões (R$ 6,6 bilhões), o que equivale a 30% do que Sochi gastou para fazer os Jogos de 2014 –a Olimpíada russa foi a mais cara da história, com custo total superior a US$ 50 bilhões.

"O comitê tem por objetivo trabalhar com orçamento equilibrado", disse. "Nós revisamos continuamente os gastos e tentamos encontrar o melhor custo-benefício."

A organização citou exemplo do traçado da competição de downhill, que será unificado para homens e mulheres pela primeira vez em Jogos de Inverno para evitar construir outra instalação.

O arrocho também se refletiu em outros equipamentos. O Estádio Olímpico, que receberá as cerimônias de abertura e encerramento, tem capacidade para 35 mil espectadores, número pequeno até para Olimpíadas de Inverno. O de Sochi tinha 40 mil.

Sediar os Jogos é sonho antigo do governo sul-coreano. Até ser eleito há seis anos para abrigar a edição de 2018, PyeongChang já tentara levar as Olimpíadas de 2014 e 2010 –havia perdido para Sochi e Vancouver, respectivamente.

Segundo o comitê organizador, 97% das obras estão concluídas –das 12 instalações competitivas, seis são novas e seis foram renovadas.

A Folha visitou o resort de Alpensia, construído de olho na segunda candidatura e que vai concentrar as provas de neve, a vila dos atletas e os centros de imprensa.

O complexo também tem casino, centro de concertos, duty free, cinemas e até um parque aquático, mas no período em que a reportagem ficou lá estava às moscas.

Gangneung, na região costeira, receberá as disputas no gelo, como hóquei e patinação artística e de velocidade.

Em fevereiro, 3.000 atletas de 95 países competirão nas regiões em sete esportes. Em março, serão realizados os Jogos Paraolímpicos.

A exemplo do que ocorreu em Sochi, os organizadores adquiriram máquinas para fabricar neve artificial, caso ela não abunde na época. Os sul-coreanos esperam que o público não suma também.

(fo1c)..
Onde fica PyeongChang, Coreia do Sul, sede da próxima Olimpíada de Inverno, em 2018
Onde fica PyeongChang, Coreia do Sul, sede da próxima Olimpíada de Inverno, em 2018

COM BOICOTE NO HÓQUEI, VENDA DE INGRESSOS É BAIXA

O comitê organizador dos Jogos de 2018 começou a vender ingressos para o evento em fevereiro, mas o o público não mostrou grande interesse.

A entidade vai pôr à venda carga de 1,2 milhão de entradas. Na primeira fase iniciada há três meses, a expectativa era de ter 600 mil interessados. Entretanto, nem sequer 400 mil cadastros foram realizados.

"Tivemos elevado nível de interesse em ingressos para as cerimônias de abertura e encerramento, patinação velocidade em pista curta e artística e esqui", disse o comitê.

O hóquei no gelo, uma das modalidades mais concorridas, teve seu potencial de atração posto em xeque após a NHL (liga profissional dos EUA) afirmar no início de abril que não liberará jogadores para disputar o evento.

Havia cinco edições que a liga, que reúne os melhores do mundo, dava aval para participação deles.

Segundo o comitê, o hóquei no gelo equivale a menos de 20% do total previsto de arrecadação com ingressos para o evento.

"Pode haver algum impacto se atletas da NHL não vierem, mas o efeito na venda geral seria mínimo", disse a entidade em nota enviada à Folha.

"Seria ótimo ter os atletas nos Jogos, mas estamos confiantes de que os fãs ficarão satisfeitos com quem quer que venha a PyeongChang representar seu país", prosseguiu.

O comitê organizador afirmou ainda aguardar entendimento entre a NHL, a federação internacional de hóquei e o Comitê Olímpico Internacional pela liberação. "Ainda acreditamos que uma solução será encontrada", comentou.

Apesar disso, a NHL disse que "considerado caso como encerrado".

CIDADE É REBATIZADA PARA EVITAR CONFUSÃO

Em janeiro do ano passado, as autoridades decidiram fazer uma breve alteração no nome da próxima capital olímpica para que não houvesse confusão com a capital norte-coreana, cuja escrita e pronúncia é parecidas –Pyongyang.

A atitude tomada foi colocar em maiúsculo o "c" e, desde então, a sede dos Jogos de Inverno de 2018 passou a ser chamada de PyeongChang. O governo local acredita que a ligeira alteração vai facilitar a situação dos visitantes.

O jornalista PAULO ROBERTO CONDE viajou a convite do Ministério da Cultura, Esporte e Turismo da Coreia do Sul


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