Folha de S. Paulo


Nadadores não ganharam medalha por incompetência, diz Ricardo Prado

Tom·s Rangel / Editora Globo
Ricardo Prado, ex-nadador. São Paulo (cid.) - Brasil. 02/07/2012. Foto : Tom·s Rangel / Editora Globo.
O ex-nadador e atual coordenador da CBDA, Ricardo Prado

No início de abril, uma ampla operação da Polícia Federal prendeu a cúpula da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) em razão de irregularidades.

Poucos dias depois, o interventor nomeado pela Justiça antes mesmo das detenções para conduzir a entidade, Gustavo Licks, incumbiu Ricardo Prado, 52, de tocar o planejamento esportivo da entidade.

É o que o ex-nadador, famoso pela medalha olímpica de prata que conquistou nos 400 m medley nos Jogos de Los Angeles-1984, tem feito.

No cargo interino de coordenador geral de esportes da confederação, Ricardo Prado possui a missão de fazer com que seleções brasileiras viajem para os principais campeonatos da temporada em meio à fuga de patrocinadores.

Com o fim da Rio-2016, a CBDA perdeu o apoio do Bradesco e viu cair mais de 70% o que recebia dos Correios —que ameaçaram encerrar o contrato em razão do escândalo de corrupção.

Com pouco dinheiro em caixa, Prado, que é formado em Economia e trabalhou na Rio-2016, afirma que "faltou competência" para os nadadores do país saírem com medalha da Olimpíada e que houve dinheiro demais na preparação do ciclo.

Ele deseja seleções mais enxutas e espera que a CBDA tenha chegado "ao fundo do poço", porque acha que pior do que está, não ficará.

*

Folha - Surpreendeu o convite para a parte técnica da CBDA?
Ricardo Prado - Foi inesperado. Eu estava em momento sabático desde os Jogos. Começava a trabalhar a reinserção no mercado. Posso ajudar, sem dúvida, mas é um mandato tampão. Em semanas, a nova chapa vai entrar e ter liberdade de pôr quem quiser. Posso ficar, mas é hora de ajudar para que a coisa não pare.

Que situação encontrou?
Descobri uma organização um pouco paralisada, perdida, sem liderança, sem rumo e sem alma. Entrei para tentar dar uma liga. Encontrei pessoas perdidas, mas plenamente cientes da sua obrigação e das necessidades. A falta de recursos é o que mais nos trava agora. A compra de passagens, por exemplo, para um Campeonato Sul-americano que é disputado em Cali foi dramática. Até o último momento analisamos propostas no pregão. Se já estava difícil anteriormente, com isso que acontece agora, da intervenção, ficou muito mais difícil.

Qual é a sua prioridade agora?
Agilizar processos e ajudar as pessoas que comandam cada um dos cinco esportes [natação, polo aquático, nado sincronizado, maratona aquática e saltos ornamentais] a fazer a coisa andar e garantir que atleta nenhum vai ouvir "olha, estamos cancelando sua participação na competição, o Brasil não vai".

Quanto vai demorar para recuperar a credibilidade?
Reconquistar credibilidade vai depender do dano. Se conseguirmos fazer com que se entenda que a CBDA é uma vítima, como foi a Petrobras, e não vilão, é um passo. Não sei quanto foi nem quanto deixou de ser [desviado], mas o que transparece é que más condutas ocorreram. É preciso que as pessoas voltem a acreditar que a CBDA é uma instituição na qual vale a pena investir. Essa recuperação vai depender se a gente já está no fundo do poço ou não. E eu acho que já chegamos a ele.

O que precisa ser mudado?
Os últimos anos foram de muita fartura, talvez demais e desnecessária, mas as circunstâncias permitiram isso. Talvez tenhamos de recuar um pouquinho no que oferecemos ao atleta, mas certamente serão ótimas condições.

O patrocínio dos Correios corre risco de não continuar daqui a alguns meses. Como avalia essa dependência?
Sem os Correios a gente não consegue agir. No ano passado, foram mais de R$ 24 milhões e este ano, com sorte, vão ser R$ 5 milhões [de patrocínio]. Então, há um efeito muito grande sobre o que queremos fazer. Tomara que a gente já esteja no fundo do poço e não piore mais.

Patricia Stavis - 2.jul.2010/Folhapress
Coaracy Nunes Filho, da Confederação de Desportos Aquáticos, é acusado de desvio de recursos
Coaracy Nunes Filho, da Confederação de Desportos Aquáticos, é acusado de desvio de recursos

A antiga cúpula da CBDA disse que só levaria oito nadadores ao Mundial de Budapeste. Isso está mantido? Não é pouco?
Precisamos levar 30 atletas para um Mundial se saímos de lá com uma ou duas medalhas? Existem políticas do passado que podemos rever. Mandar oito para o Mundial está valendo. Eu sempre questionei essa história de mandar grandes equipes. Que se leve quem tem chance de medalha e de chegar à final. No passado, poderíamos nos dar a esse luxo. Agora, a situação financeira é muito diferente. Mas, se entendermos que mais atletas têm chance de ir ao pódio e vale investir, serei o primeiro a votar pelo aumento.

Mas há uma tradição de mandar equipes grandes.
Meu ponto de vista é de um cara que ganhou uma medalha olímpica sozinho. Sou rígido. O Brasil, com seu tamanho e com o que tem sido investido, chegar a uma competição que distribui 96 medalhas e sair com uma ou duas é pouco. Sempre achei pouco. E eu espero poder colaborar para que isso mude. Pelo nível dos nosso atletas e pela estrutura que podemos prover, é um número muito insignificante. E, por um lado, eu culpo um pouquinho os atletas.

Por quê?
Tudo foi dado para eles no ciclo de 2016. Eles [atletas] não ganharam [medalha] por falta de competência. Se nós fôssemos analisar friamente os nomes que tínhamos e as possibilidades de medalha, a gente se saiu ok. Não tínhamos muitas possibilidades. Fomos realmente o que somos.

Qual sua avaliação sobre os dirigentes que foram presos e o trabalho para a Rio-2016?
Com o que eles [dirigentes] tinham em mão, fizeram de tudo para dar aos atletas boas condições. Houve atleta que escolheu para qual evento internacional queria ir, que quis trazer treinador americano... Eu discordo de algumas dessas ações. Quanto mais se dá, mais tem de se cobrar. E dar demais também não ajuda. Na linha de raciocínio que eles [dirigentes] seguiam, fizeram a parte correta. O atleta brasileiro ainda precisa amadurecer mais e ser mais profissional. É muito fácil pedir, mas há direitos e deveres.

DIRIGENTE DIZ QUE ESPERA ELEIÇÃO 'O MAIS RÁPIDO'

Ricardo Prado diz esperar que a eleição para a presidência da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) aconteça o quanto antes.

"A comunidade, os atletas e os clubes querem isso. Quero que seja o mais rápido, porque aí ao menos acaba essa incerteza e a gente descobre que rumo vai tomar", afirmou.

Os candidatos são Sérgio Silva, ex-presidente da federação baiana, e Miguel Cagnoni, que comandava a federação paulista.

Devido a uma determinação judicial, o pleito só poderá ser realizado quando se compuser uma nova comissão de atletas.

A antiga, que gerou o processo movido pela nadadora Joanna Maranhão, fora indicada pelo ex-presidente da CBDA, Coaracy Nunes, atualmente preso acusado de corrupção.

Além dele, foram detidos outros dirigentes no início do mês, em operação da Polícia Federal: Ricardo Cabral, Ricardo de Moura e Sérgio Alvarenga. Eles estão presos no Rio.

Eles são suspeitos de fraudar licitação com verba federal para compra de material esportivo, em 2014, para atletas que disputaram os Jogos do Rio.

A eleição para formar a nova administração da confederação deve ocorrer apenas após a formação da comissão de atletas, o que ainda não tem data certa para ser realizada.

RAIO-X

Nascimento
3.jan.1965 (52 anos), em Andradina (SP)

Principais conquista
Prata nos Jogos de Los Angeles-1984 e ouro no Mundial de Guayaquil-1982 nos 400 m medley

Carreira
Como dirigente, trabalhou nos Jogos Pan-Americanos do Rio-2007 e na Rio-2016


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