Folha de S. Paulo


Por lucro, estádio da Copa-2002 em Seul aluga espaço até a hipermercado

Assentado sobre uma área de 58 mil metros quadrados, o gigante de concreto batizado em 2001 de estádio da Copa do Mundo de Seul se confunde com a paisagem.

Construído para abrigar a abertura do Mundial de 2002, coorganizada com o Japão e vencido pelo Brasil, ele exibe na extensão de sua fachada um cinza sem vida.

Se sua área externa não seduz pelas cores, hoje, quase 15 anos após a Copa, impressiona a transformação por que seu interior passou.

Para assegurar a solvência das operações, seus administradores adotaram a estratégia de loteá-lo. Em outras palavras, tornar o que eram metros ociosos em receita, o que pode servir de exemplo para muitas das 12 arenas usadas pelo Brasil para a Copa-2014.

Uma das maiores áreas foi locada para um hipermercado chamado Home Plus, que está instalado em três andares no ponto onde antes ficava o setor de convivência VIP.

A empresa paga US$ 6,6 milhões anuais (R$ 20,8 milhões) para alugar o espaço.

Além de alimentos, são comercializados produtos de cama, mesa e banho, roupas, eletrônicos e utensílios domésticos. Senhoras com carrinhos cheios de compra vão e vêm indiferentes ao fato de se tratar de lugar icônico para o futebol, que recebeu três jogos do Mundial de 2002.

Os corredores de produtos estendem-se por centenas de metros e desembocam em uma praça de alimentação com alguns restaurantes.

O ambiente adquire ainda mais jeito de shopping center alguns metros adiante, com um complexo de dez salas de cinema, cuja rede também paga pela locação.

No meio da tarde de uma terça (11 de abril), o público era escasso nas exibições.

Também dentro das dependências do estádio, foi aberto em março museu chamado Faentasium. Cheio de atrações interativas, a proposta é engajar visitantes no jogo. Por R$ 41, é possível virar goleiro ou praticar dribles com óculos de realidade virtual.

Segundo Man-kyu Lee, chefe do setor de operações da agência pública que gere o estádio, há gasto anual de R$ 13 milhões para mantê-lo.

Apesar do valor elevado, os gestores tiveram lucro líquido anual médio de R$ 27,6 milhões nos últimos anos.

De acordo com o gestor, a arena é a única entre as dez erguidas ou reformadas na Coreia para a Copa de 2002 que opera com superávit.

Outras cidades que tiveram jogos foram Busan, Daegu, Incheon, Ulsan, Suwon, Jeju, Gwangju, Jeonju e Daejeon.

"Desde o planejamento antes da Copa, sempre quisemos que o estádio fosse acessível ao povo. Ele fica em uma região que se tornou residencial e populosa. Os outros estádios ficam fora dos centro das cidades, fora do acesso do povo, e falharam", disse.

A de Jeju, por exemplo, ficou três anos sem ver qualquer disputa esportiva após a Copa. E apenas em 2007 um clube de futebol passou a utilizá-lo, mas com média de público inferior a 150 mil/ano.

Não deu outra. Entre 2012 e 2014, sua perda anual ficou em torno de US$ 4 milhões.

O mesmo valor deficitário foi registrado no estádio de Daegu, quarta maior cidade coreana, no ano de 2014.

Incheon, o terceiro maior município nacional, também registrou prejuízo que superou US$ 10 milhões em 2014 e se manteve recentemente.

As arenas de Gwangju, Suwon e Jeonju já registraram superávit desde a Copa, mas vivem no vermelho. Cada equipamento é administrado por uma autoridade local.

"Nós prevemos que até 2024 vamos conseguir recuperar o que foi investido para a construção", disse Lee.

Foram investidos cerca de 200 bilhões de won sul-coreanos (moeda local) no início dos anos 2000 para concluir o empreendimento no lugar do que antes era um depósito de lixo. Isso corresponde, em valores não corrigidos, a cerca de R$ 553 milhões.

VERSATILIDADE

Na visão de Lee, é impossível que uma arena sobreviva somente com o que capta com partidas de futebol.

O estádio também recebe casamentos, festivais de música, cursos de capacitação e, é necessário lembrar, futebol.

Ele é casa do FC Seoul, o atual campeão da K-League, maior liga de futebol local.

"Recebemos por ano cerca de 40 jogos de futebol, 50 casamentos e outros eventos grandes, como festivais de K-Pop", disse Lee, em referência a festivais de música com artistas populares.

Ele estima que o estádio esteja ocupado com algum tipo de evento 110 dias por ano.

Se de um lado gera receita, a alta utilização também prejudica a manutenção do gramado, o que constitui a maior preocupação do gestor.

O modelo bem-sucedido fez com que organizadores dos Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang, que ocorrerão em fevereiro no país, quisessem conselhos.

A cidade, que tem pouco mais de 44 mil habitantes e fica a três horas de Seul, receberá atletas de 90 países.

Pela distância de um grande centro, Lee acredita que o legado já está comprometido.

"Avaliamos que há pouca chance de ser positivo, porque há pouco acesso do povo. Neste momento, já o vejo como ser pouco sustentável. Eles precisam buscar outro plano, mais sustentável", afirmou o gestor.

ESTÁDIOS DA COPA-2014 ESTÃO OCIOSOS

Passados mais de dois anos da realização da Copa do Mundo, o Brasil ainda sofre para encher os estádios que construiu.

Levantamento feito pela Folha em 2016 mostrou que, das 12 arenas erguidas ou reformadas para o Mundial da Fifa, somente o Itaquerão tinha taxa de ocupação superior a 50% –chegava a atingir 68%.

No outro extremo, a Arena Pantanal (13%) e o Mané Garrincha (20%) detinham os piores públicos.

O estádio da capital federal costuma ter custo de manutenção de ao menos R$ 700 mil mensais e registrou seguidos deficits.

O Maracanã, que recebeu a final da Copa, tinha 31% de ocupação, mas sua situação é de agonia.

Alvo da Operação Lava Jato, a Odebrecht, que venceu a licitação em 2013 com a AEG e a IMX para gerir o estádio por 35 anos, anunciou seu desejo de sair da operação.

O governo do Estado do Rio, que tem os direitos sobre o empreendimento, anunciou que vai lançar uma nova licitação.

O jornalista PAULO ROBERTO CONDE viajou a convite do Ministério de Cultura, Esporte e Turismo da Coreia do Sul


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