Folha de S. Paulo


Revelação resgata tradição do país nos 1.500 m livre

Ao cumprir a mais longa distância das piscinas em 15min05s23, Guilherme Costa, 18, fez mais do que conquistar um recorde sul-americano para o combalido esporte aquático do país.

Sua performance no último dia 1º, em um torneio regional em Santos, trouxe de volta ao holofote a prova que primeiro pôs o Brasil no mapa da natação olímpica. E que por décadas permaneceu relegada a plano secundário.

O fluminense, nascido em Itaguaí (a cerca de 70 km de distância do Rio), fez reacender a expectativa de bons resultados de um brasileiro nos 1.500 m livre, evento outrora de tradição e cobiçado entre os competidores nacionais.

Foi exatamente nos 1.500 m livre que Tetsuo Okamoto conquistou o primeiro pódio do país em Jogos Olímpicos (bronze em Helsinque-1952).

Ainda que seja cedo para almejar outra façanha olímpica, a marca obtida por Guilherme é promissora. Até esta sexta-feira (21), ela era a 13ª do melhor do ano. Ainda que não figure no top 10 internacional,é seu potencial o que mais salta aos olhos.

Em um ano, o fundista reduziu em 21 segundos sua marca pessoal na distância -na seletiva olímpica realizada em abril de 2016 ele fora o terceiro, com 15min26s94.

O tempo registrado há poucos dias comprova sua ascensão. Em Santos, Guilherme superou em seis segundos o antigo recorde do país, que pertencia a Brandonn Almeida desde 2015 (15min11s70).

Também foi três segundos mais veloz que o prévio recorde sul-americano, até então de posse do equatoriano Esteban Enderica (15min08s57).

Entre os mais jovens destaques da prova no cenário internacional, Guilherme prevê nova evolução para o início de maio, no Troféu Maria Lenk, no Rio. A principal competição do calendário nacional classifica para o Campeonato Mundial de Budapeste, que ocorrerá em julho.

Ele sabe que quebrar a barreira dos 15 minutos é imperativo para cobiçar finais em Olimpíadas e Mundiais.

"Eu estou muito confiante para já entrar na casa dos 14 minutos no Maria Lenk", afirmou Guilherme, que nadará a competição em casa —ele treina no Parque Aquático Maria Lenk, palco do evento.

O primeiro ser humano a percorrer os 1.500 m livre abaixo da desejada marca foi o russo Vladimir Salnikov, nos longínquos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980.

Quase quatro décadas depois, ainda nenhum brasileiro obteve a façanha. "Minha meta é nadar 14min59s ou 14min58s. O que vier abaixo de 15 minutos vale", disse.

Se conseguir concluir o objetivo, Guilherme pode aspirar a sonhos mais altos e minar tabus brasileiros.

Desde 1976, quando Djan Madruga terminou em quarto lugar nos Jogos de Montréal, o país não tem um finalista olímpico na prova.

Na Rio-2016, foi necessária no mínimo uma marca de 14min55s40, tempo feito pelo norueguês Henrik Christiansen, para avançar à final.

Em Campeonatos Mundiais, o jejum não é tão grande. Luiz Lima, hoje secretário de alto rendimento do Ministério do Esporte, foi o último a ter vaga entre os oitos primeiros, na edição de Perth-1998. Terminou em sexto lugar.

Contudo, desde a edição de Fukuoka-2001 do Mundial de natação, quando Lima e Bruno Bonfim competiram, nenhum nadador do país aparece nos 1.500 m livre.

Brandonn Almeida e Miguel Valente se classificaram para os Jogos do Rio —os primeiros a participarem em 16 anos—, mas ficaram longe de avançar para a decisão.

"Quero voltar a pôr o Brasil lá, na elite dessa prova", afirmou Guilherme.

Para tanto, ele chega a percorrer 70 mil metros em treinamentos por semana. Cortou fritura, pão e leite e adotou batata doce no café da manhã em nome da obtenção de preciosos segundos.

"Em 2020, nos Jogos de Tóquio, quero medalha e acredito que com minha melhora é possível disputá-la. Penso em nadar 14min38s, mas sei o quanto tenho que melhorar a cada ano", disse.

CACHORRÃO

O apelido pode indicar perfil permissivo, mas ele vai na contramão. Reservado, gosta de receber amigos para jogar videogame.

A razão da alcunha é outra. Há alguns anos, em visita à Praia Secreta, em Angra dos Reis, foi mordido por um cachorro.

Poucas semanas depois, ao voltar ao local, descobriu que o animal morrera. As piadas sobre a letalidade do nadador pulularam. "Meu amigo que estava comigo e meu técnico à época puseram o apelido, que pegou", lembrou.

Ele tem tornado a alcunha conhecida no âmbito esportivo nacional.

Antes especialista nos 200 m borboleta, prova na qual chegou a ser campeão brasileiro na base, Guilherme mudou sua especialidade para os 1.500 m livre por sugestão do técnico Rogério Karfunkelstein.

"Quero motivar os mais novos a nadar as provas de fundo, retomar uma tradição perdida no Brasil. Os jovens querem nadar os 50 m e 100 m livre por terem em quem se espelhar."

A alusão é aos medalhistas olímpicos Cesar Cielo, Gustavo Borges e Fernando Scherer, todos velocistas. "É pelo exemplo que dá para motivar a molecada", afirmou. (PRC)


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